A Verdadeira «Menina da Rádio»

20:23 - 18/12/2016 OPINIÃO
por Luís Pina | aragaopina59@gmail.com

A garota e a amiga, também colega de carteira e inseparável nas brincadeiras acotovelavam-se, disputando uma nesga de espaço naquela janela ampla mas discreta, virada para um logradouro rodeado de uma cerca rústica e acessível pela rua. Ali, erguia-se imponente e frondosa uma mangueira que perfumava as redondezas de fragrâncias tropicais, a que se juntava um “cheiro a terra”, (…aquele saudoso cheiro a terra!), particularmente intenso depois de súbitas e valentes “cargas de água”, logo seguidas de um sol radioso e calor húmido. Em África era assim, e já agora, por falar em fruta, comprá-la para quê, se estava “à mão de semear” por clareiras e quintais transbordantes de bananeiras, abacateiros, goiabeiras e tantas outras dádivas de uma natureza farta e imensa? Com estradas tão longas e horizontes a perder de vista as comunicações, naquelas “terras do fim do mundo”, tinham de ser necessariamente potentes. Exemplo disso era a Rádio, que muito por ausência da televisão atingiu elevados níveis de qualidade e popularidade: Reduziu distâncias, despoletou paixões, promoveu convívios e deu muitos frutos. Mas, e o que tem tudo isto a ver com aquela janela, alvo de tanta curiosidade das garotas? É que dela podia ver-se a cabine técnica e o trabalho concentrado do sonoplasta no apoio aos locutores com os quais não havia, dali, contacto visual. Mais tarde a menina e a amiga, ousando entrar nas exíguas instalações daquela “Voz Portuguesa em África”, haveriam de experimentar a emoção de finalmente conhecer os rostos daquelas vozes bonitas e bem timbradas a anunciar Amália, Francisco José, Emilinha Borba ou Sinatra. Não longe, entretanto, aproximavam-se sorrateiros mas implacáveis os ventos de uma guerra anunciada. Mas voltando às quimeras, e seguindo aquele impulso irreprimível que nos assiste, em pequenos, de imitar entusiasticamente os nossos ídolos e heróis, uma das meninas, atravessada pelo “cupido” das ondas hertzianas descobriu, nada mais nada menos do que a cabine de um velho camião, abatido e abandonado num pequeno arrabalde. Era o cenário ideal: Os vidros dianteiro e traseiro dividiam no seu imaginário as cabines dos locutores e da técnica. Os vinis resolveram-se no improviso de discos de cartão ou mesmo de papel. Dali, a menina viveu momentos de realização inolvidáveis do seu sonho, falando para o mundo e anunciando as canções prediletas de então: era o momento dela e do ouvinte! Aquela sim, foi uma verdadeira menina da rádio…