Quem não vai ao mar, perde o lugar.

14:06 - 24/07/2017 OPINIÃO
por Diogo Duarte | Jurista, Licenciado em Direito e Mestrando em Direito Internacional | diogoduarte@campus.ul.pt

As expressões populares, repletas de sapiência milenar, raramente se equivocam. Todavia, fruto das circunstâncias, torna-se necessário adequá-las ao contexto atual, alterando o seu sentido. O provérbio que refere que “Quem vai ao mar, perde o lugar”, necessita de ser reformado e dar espaço a que se diga, em bom rigor, que “Quem não vai ao mar, perde o lugar”. 

A extensão de cerca de 1.727.408 de quilómetros quadrados de mar português não se aprazam com tamanha ineficiência das políticas públicas atuais. Este jardim à beira-mar plantado, expressão imortalizada por Tomás Ribeiro, está virado de costas para o mar e assim parece querer permanecer. À exceção da proposta de alargamento da zona económica exclusiva, já submetida à ONU, pouco ou mesmo nada, se tem realizado por forma a potenciar a riqueza do mar.

É sobre este aspeto que recaí a afirmação de que “Quem não vai ao mar, perde o lugar”. A presença portuguesa no mar não se pode bastar nas cirúrgicas e estratégicas, mas pontuais, visitas oficiais do Presidente da República às Ilhas Desertas, ou no turismo balnear que atrai milhões de pessoas à costa portuguesa. Será, por ventura, algo irónico, verificar que a estratégia de gestão para uma das maiores zonas económicas exclusivas do mundo passe pela construção de complexos hoteleiros junto à costa, ou quanto muito, sirva somente para uns banhos de sol.

Não há coragem (leia-se, vontade) política em assumir um compromisso para a melhor gestão do mar. As últimas grandes propostas políticas apresentadas neste sentido são altamente prejudiciais, e não cobrem, com força suficiente, as justas exigências do interesse público.  Veja-se o caso da exploração de hidrocarbonetos, já amplamente discutida, mas que recentemente reentrou na ordem do dia. O caso da concessão do mar do Algarve para a aquacultura é outro exemplo do miopismo (e oportunismo) político, que somente consegue socorrer-se de estratégias cansadas.

A perpetuação deste desprezo pelo mar e pela economia que o mesmo pode criar, poder-nos-á vir a sair caro no futuro. Quando não se aproveitam as oportunidades, outros o farão. É o caso de Espanha, que disputa com Portugal a definição da zona económica exclusiva do arquipélago da Madeira. Nuestros hermanos, observando a passividade portuguesa e o abandono da sua área marítima, tomaram a oportunidade para disputar, perante a ONU, a soberania portuguesa sobre as águas que se estendem além das Ilhas Desertas (Madeira).

A pesca ilegal é uma preocupação crescente. Não raras vezes, tanto a Autoridade Nacional Marítima, quanto a própria Marinha Portuguesa, têm detetado e intercetado várias embarcações de pesca estrangeiras em águas territoriais portuguesas. A frequência com que este fenómeno ocorre é proporcional à falta de patrulhamento e presença das autoridades marítimas portuguesas nessas áreas, que se veem a braços com fortes constrangimentos orçamentais.

O tráfico de estupefacientes é outro factor que importa enunciar. Foi perante a inexpressiva e incapacitada ação portuguesa que se firmaram as rotas do narcotráfico em direção à Europa, fazendo de Portugal um autêntico corredor. A interceção destes operadores somente seria possível através do patrulhamento e do reforço efetivo dos meios materiais e humanos daquelas autoridades.

As descargas poluentes em alto mar são outro dos problemas resultantes do abandono do mar. Neste âmbito, a ineficácia das políticas ambientais preventivas torna as águas portuguesas numa espécie de aterro sanitário, com claras implicações futuras para a sustentabilidade da vida marinha que a nossa zona económica exclusiva sustenta.

É perante estes enleios políticos e sombras estratégicas que ficam muitas questões por responder. Porque não temos uma economia energética baseada nos recursos marítimos? Porque não estamos na vanguarda das inovações tecnológicas naquilo que respeita às energias renováveis? Porque optamos pela exploração de recursos poluentes, quando outros países estão a deixá-lo de o fazer? Porque consentimos, por omissão, que os nossos recursos sejam explorados por outros agentes? Porque não dispomos de uma frota pesqueira moderna? Porque não prospetamos e exploramos as riquezas não poluentes dos nossos oceanos? Porque não temos mais investigadores?

Em última instância, talvez seja mais correto lançar a derradeira questão: porque motivo estamos a abandonar o mar?