De todas as atitudes da governação do PSD e do CDS e das mensagens políticas a si subjacentes, destaca-se, muito particularmente, a expressão de que o Estado é despesista e de que vivemos, nas últimas décadas, acima das nossas possibilidades.
Esta visão traduz, invariavelmente, um gesto de horror a tudo o que é público, isto é, propriedade do Estado – e, como tal, de todos nós. Mas o facto de hoje existir uma maioria social cada vez menos ampla a defender uma Escola Pública ou um Sistema Nacional de Saúde universais e gratuitos resulta, não apenas de um esforço consertado da direita para difundir uma abordagem singular desta crise, como também de uma incapacidade da Esquerda para afirmar a sua própria leitura do momento político, económico e social que temos vindo a atravessar.
A um ritmo acelerado, consolida-se na sociedade portuguesa a ideia de que o Estado é despesista em todas as suas dimensões. Esta ideia tem vindo a assumir-se, aliás, como a pedra de toque da direita para internalizar as políticas de austeridade e apresentá-las aos Portugueses como uma punição pelo que facto de, alegadamente, sucessivos governos terem desperdiçado sem qualquer pudor o dinheiro público nas últimas décadas. Esta é uma convicção errada e perversa que esconde uma agenda ideológica conducente à alienação das funções sociais do Estado e à liberalização plena de vastos – porventura todos – os sectores da economia. Ser condescendente com esta abordagem da crise é aceitar um mundo globalizado sem regras e o funcionamento dos mercados sem quaisquer restrições, definindo uma selvajaria que, em abono da verdade, já muito se assemelha ao mundo em que hoje vivemos. Não é aceitável condenarmos as gerações que nos antecederam pelo facto de terem lutado por nos proporcionar um futuro melhor. Não é aceitável alocarmos ao Estado e ao seu peso na economia e na sociedade a responsabilidade pelas dificuldades com as quais nos deparamos: um país como Portugal, que se reencontrou com a democracia há 40 anos, estava obrigado a fazer um grande esforço de investimento para superar o seu atraso estrutural face aos restantes países da Europa. E esse esfoço ainda é necessário, por mais que nos tentem convencer do contrário.
Desistir de uma leitura crítica à fabulação da direita sobre a crise implica desistir de uma visão solidária para Portugal, em que ninguém fica para trás, em que ninguém é deixado na berma da estrada. É exactamente por isso que quem luta pela justiça social não se pode deixar enredar pelas explicações aparentemente fáceis e simples ou pelas análises primárias de quem olha para um país como uma máquina de somas e subtracções. Não nos esqueçamos de que, em última análise, as políticas da direita e a sua ilusória fundamentação pretendem enfraquecer e desmembrar o Estado Social, uma notável construção que uniu convicções políticas diversas em torno de uma organização humanista e verdadeiramente promotora da igualdade.
Por João Torres | JS Loulé