Entrevista a Raquel Jacob

14:10 - 15/09/2020 ENTREVISTAS
Presidente da Associação Académica da Universidade do Algarve

Raquel Jacob, Presidente da Associação Académica da Universidade do Algarve, faz um balanço das repercussões que o Covid-19 teve e terá no seio da Comunidade Académica do Algarve, bem como, nas praxes e festividades universitárias, como é o caso da Semana Académica e a Recessão ao Caloiro. 

Voz do Algarve: Qual o balanço que a Associação Académica faz relativamente ao Covid-19, no seio estudantil?

Raquel Jacob: A primeira reação foi de grande incerteza. Incerteza e indefinição são as palavras que caracterizam, tanto o processo até agora, como todo o processo que ainda está por vir. As primeiras questões que recebemos dos alunos foram “Devo ir para casa ou não devo ir para casa?”; “Devo continuar a pagar as minhas propinas ou não?”; todas estas situações desencadeou um grande problema com os alunos, que no final de março, já afirmavam que não seriam capazes de pagar as propinas e que teriam de abdicar do ciclo de estudos, isto porque percebemos que a situação não seria tão passageira como pensávamos. Inicialmente a Universidade só tinha fechado por 15 dias, no entanto, acabou por não reabrir e iniciaram os Lay-Off. Tudo isso causou um grande impacto na indefinição dos alunos, com perguntas por responder como: quando e como é que vamos conseguir arranjar empregos; se vamos conseguir arranjar empregos de verão para conseguir prosseguir os estudos; ou como é que vamos fazer com a falta ou redução de rendimentos dos nossos pais. Depois destes momentos incertos, foi toda a questão da adaptação, como por exemplo, a adaptação às aulas online e às avaliações online, cujo balanço foi bastante positivo.

No fundo, nós fomos obrigados a desenvolver skills que não tínhamos. Para já tentamos comunicar entre equipa, que é muito complicado, estando cada um na sua casa. Para além disso, tentamos também comunicar com os estudantes, fazendo com que eles não se esqueçam que nós somos a arma de trabalho deles, ou seja, já não é fácil no dia a dia um estudante se lembrar que pode e deve recorrer à Associação Académica e agora ainda mais porque estamos longe, sem uma sede fixa e como não nos veem, mais difícil se torna. Tínhamos acabado de ser eleitos e começamos a arrumar a casa, depois de termos tomado posse. Tive apenas tempo de reunir com os nossos parceiros, para me conhecerem e um mês para nos organizarmos e planearmos o futuro. Passado uma semana, já estava num grupo do WhatsApp com pessoas da Universidade que faziam parte do plano de contingência, ou seja, ainda antes da Universidade ter fechado já se estava a trabalhar em todo o plano de contingência.

VA: Relativamente aos vossos projetos, tendo em conta a incerteza que se faz sentir, como pensam moldar-se a toda esta situação pandémica?

RJ: Nós queremos adaptar alguns deles, tentando não lhes retirar aquilo que é a sua essência. Por exemplo, o pelouro da empregabilidade e empreendedorismo tinha três palestras preparadas para março e abril, nenhuma delas foi realizada online porque os palestrantes não estiveram dispostos a isso, quer seja porque eram professores, ou porque ainda estavam no processo de adaptação ao online. Contudo sabemos que há coisas que são adaptáveis e não estou a falar de fazer barraquinhas da Semana Académica online, que isso é completamente impensável, mas o que quero mostrar é que até mesmo essas pequeninas coisas foram afetadas.

O que nós sentimos é que, por mais que planeemos alguma coisa, há sempre algo que é um entrave à realização das nossas ideias. Por exemplo, posso adiantar que houve uma fase em que tínhamos um parecer positivo para começar a organizar a Receção ao Caloiro, pois previa-se que nessa altura já seria possível organizar um evento, o mais normal e parecido possível ao que conhecemos. Claro que isso não será possível porque a situação do país piorou e saiu a legislação impossibilitando ajuntamentos até 30 de setembro, que poderá ser prolongado.

No fundo, nós fomos obrigados a desenvolver skills que não tínhamos.

 

VA: Relativamente aos apoios aos estudantes quais foram as medidas que a Associação Académica tomou?

RJ: No que toca ao fundo de emergência, esse foi criado para esta situação específica, porque normalmente os serviços de ação social tem uma “regra” de não deixar nenhum aluno ficar “mal” mesmo que seja um aluno não bolseiro, ou seja ,se algum aluno chegar aos serviços de ação social e disser “eu não consigo pagar a minha propina por esta e aquela razão” ou ser-lhe-á feito um plano de pagamento, ou outra alternativa para dar resposta a esse tipo de situações. O que aconteceu nesta situação específica, devido ao Covid-19, foi que um número enorme de alunos, mais de trezentas candidaturas, se viu afetado pela pandemia e por isso a nossa resposta tinha de ser mais urgente.

A relação com o Senhor Reitor nesta altura teve de ser muito estreita e direta e atualmente mantem-se uma relação muito boa. É claro que apenas nestas condições seria possível realizar este projeto. Agora, se pensarmos se vamos repetir este apoio, espero que não se repita, porque isso era sinal de que o próximo ano letivo seria assolado por uma nova vaga de Covid. Em termos da Associação Académica, nós não desistimos do nosso projeto das bolsas, que apresentamos durante a campanha eleitoral. Inicialmente a nossa ideia era atribuir uma bolsa por cada Unidade Orgânica, e que para o ano, com a criação da Faculdade de Medicina, serão nove ao todo, sendo que se tornam dez, porque a Escola Superior de Gestão, Hotelaria e Turismo é uma unidade orgânica que tem mais um Campus, em Portimão. Com o decorrer do tempo, ainda em fevereiro, percebemos que íamos conseguir dar mais do que isso, todavia com o coronavírus, a situação torna-se mais complicada. Ainda assim, em setembro ,vamos reiniciar as reuniões e pelo menos garantir o cumprimento do nosso projeto inicial.

A ideia é não deixar ninguém que seja finalista sem a festa dos finalistas.

 

VA: A Bênção das Pastas é uma data que todos os finalistas anseiam, já tem planos em vista para a realização da mesma no futuro?

RJ: A Bênção das Pastas é o marco da vida dos estudantes, com o fim da sua vida académica e o início da sua vida profissional, ou seja, o fim da licenciatura. Neste sentido, tivemos vários cenários, isto devido à limitação de pessoas. A ideia da Associação Académica que é a mesma da Diocese do Algarve, que gere a cerimónia religiosa em si, é fazer a bênção, sendo que a bênção é organizada pela Associação. A ideia é não deixar ninguém que seja finalista sem a festa dos finalistas. Porque não temos outra e é isto que caracteriza o fim deste percurso e é algo que a Associação quer garantir. Todavia se me perguntarem como é que ela se vai processar, eu não sei, é a resposta mais genuína que consigo dar neste momento.

Já se colocou em cima da mesa vários cenários, como a bênção no seu padrão normal, o que é totalmente impensável e não é permitido por lei, ou uma cerimónia comemorativa completamente à distância, ou uma celebração com todos os cursos em simultâneo, mas com restrições do número de pessoas. Há vários cenários possíveis, mas qual deles é que nos vão dizer “podem fazer”, não sabemos e depende muito da data que vamos definir. Para além disso, a opinião dos estudantes é muito importante e sabemos que alguns deles gostavam de ter tido uma cerimónia virtual, mas também grande parte quer juntar a sua cerimónia à cerimónia do próximo ano letivo, ou coloca-se ainda a hipótese de juntar os cursos sem a família, ou os cursos individualmente desde que seja presencialmente. A Associação Académica não tem o direito de dizer aos estudantes: “A vossa bênção vai ser já e nestes moldes”. É uma situação complicada de digerir e por isso já se pensou em diversos cenários.

 

VA: Em relação ao Traçar da Capa, já existe alguma solução em vista?

RJ: O traçar é exatamente como a bênção, no entanto é uma relação mais direta porque é dentro da própria Associação Académica, com o MCV (Magnum Concilium Veteranorum da Universidade do Algarve) e eles tem a certeza que querem garantir traçar, tal como nós. Os moldes, temos falado bastante, mas não temos nada definido e é importante deixar claro que, assim que estiver definido nós vamos dizer logo, porque sabemos que as pessoas estão em alvoroço à espera de respostas. O traçar é mesmo daqueles momentos mais importantes e eu não consigo imaginar fazer um traçar sem a “malta” toda abraçada, por isso é mesmo complicado. No próximo mês, vamos ter uma reunião com a Câmara, para vermos espaços para o próximo ano, para que eles nos ajudem também.

O futuro são os jovens. O ensino superior é a resposta para os problemas da sociedade.

 

VA: Sobre a praxe para o próximo ano letivo, quais serão as medidas a tomar pelos estudantes e qual a posição da Associação Académica relativamente a esse tema?

RJ: A Associação Académica tem uma posição bem definida, nesse sentido nós somos não só dos alunos praxistas, como também, dos alunos não praxistas. Temos uma ótima relação com o MCV, obviamente colaboramos com tudo o que é necessário para a realização das praxes, no entanto a Associação não as rege. Neste sentido, não somos nós que divulgamos esses assuntos, porque procuramos sempre ser a Associação de todos de forma igual, dos alunos da praxe e dos alunos que não fizeram praxe.

Relativamente ao próximo ano, nem o MCV  nem a Académica tiveram respostas, em relação às perguntas que já fizeram até ao momento. No que toca as reuniões de formação para que os estudantes possam praxar, e apenas sei porque falo com o DUX (Dux Veteranorum é o expoente máximo da Praxe Académica), que havendo praxe e esse é o objetivo obviamente, todas as formações vão ser facultadas e reforçadas, isto porque para além das formações que já tínhamos de ter antes, agora teremos também a cerca da higiene e medidas de segurança.

 

VA: A Semana Académica e a Receção ao Caloiro são momentos muito ansiados por parte dos estudantes, este ano quais são as expectativas para esses eventos?

RJ: Para este ano, nós não sabemos nada de nada. Não obtivemos respostas sobre esse assunto até agora. Sobre a Semana Académica, posso adiantar que tínhamos um cartaz quase pronto e este ano íamos ter artistas internacionais, um DJ de renome internacional. Não quero adiantar nomes, porque não sei se este ano será ou não possível traze-los cá, mas posso dizer que foi mesmo muito difícil dizer adeus à semana académica.  

 

VA: Que mensagem gostarias de deixar à comunidade académica?

RJ: Eu gosto de acreditar que esta situação veio desenvolver em todos nós skills que não sabíamos que tínhamos. Primeiramente, algo mais dirigido ao País e não propriamente à Comunidade Académica, sendo que também se aplica aos jovens, é o seguinte, as universidades foram pioneiras a fechar, porque tinham de fechar e sem dúvida que podiam ser um foco de contágio. Também foram pioneiras na adaptação do método letivo e os jovens deram excelentes respostas pelo País todo.

Por exemplo, estudantes desenvolveram equipamentos de proteção, foram criadas ferramentas brutais ao nível informático, foi criado o call center do SNS24 da triagem do Covid-19 por estudantes, diversos projetos de voluntariado criados também por estudantes da universidade, entre muitos outros projetos. Portanto, apesar de ter sido uma altura péssima e que foi muito prejudicial para o ensino superior, disso adveio alguns pontos positivos. É importante que o País e os estudantes não se esqueçam, que nós somos a resposta e nós é que somos o futuro, os engenheiros do futuro, os gestores do futuro, os músicos do futuro, os dançarinos do futuro, etc.

O futuro são os jovens. O ensino superior é a resposta para os problemas da sociedade. Nós ficamos um pouco esquecidos, pela tutela e pelo País no geral, porque somos aqueles que não somos ainda totalmente adultos, mas já não somos bebés, então ninguém precisa de olhar muito por nós. Mas nós somos efetivamente quem vai pegar nisto e nós precisamos de nos munir de ferramentas, na universidade ou fora dela, para batalhar no futuro.

Agora, dirigido à Comunidade Académica da Universidade do Algarve em específico, apesar de estarmos distantes fisicamente, porque ainda temos de estar, eu quero que quem saiu da universidade este ano, quem ainda lá está ou quem vai entrar, que tenham presente que a Associação Académica tem estado a trabalhar diariamente em prole dos estudantes da Universidade do Algarve e através do movimento académico. Quero dizer ainda, para que não tenham medo de nos bater à porta com questões que vos pareçam mínimas, porque é nossa obrigação e é exatamente para isso que nos candidatamos, ou seja, defender qualquer questão dos alunos.

 

Carolina Figueiras