Em defesa de um modelo de desenvolvimento coerente e eficaz

16:04 - 02/02/2015 OPINIƃO
por Rui Cristina | ruicristina19@gmail.com

Sem querer lançar achas para a fogueira, se olharmos para o país real descobrimos que, embora a discussão política sobre a regionalização esteja há longo tempo arredada da atualidade, salvo para alguns dos seus indefetíveis defensores, entre os quais se conta o nosso conterrâneo, Dr. Mendes Bota, a verdade é que o país tem um vasto número de organizações regionais.

Os tribunais têm as suas regiões – a que chamam comarcas – uma organização territorial e orgânica recentemente alterada. Também os militares se organizam por regiões específicas, e neste caso o Algarve está em riscos de perder a única unidade que possuía a qual estava sediada no Quartel da Atalaia em Tavira.

O mesmo se passa com os setores da Saúde e da Educação, cujos sistemas regionais foram também recentemente alterados.

Se a Segurança Social e as Finanças continuam “fiéis” ao modelo anterior, há ainda outros serviços públicos que compartimentam as suas atividades por zonas regionais, como o fornecimento da eletricidade, a distribuição da água, os sistemas de comunicação telefónica.

Poderíamos reproduzir aqui outros exemplos, já que é possível elencar cerca de dezenas de formas de organização territorial do Estado, processos que muitas vezes se sobrepõem, se contradizem e se enrodilham mutuamente, impedindo com isso um modelo de desenvolvimento coerente e eficaz, que o país tanto necessita.

Ainda mais acutilante no que ao desenvolvimento concerne, as estatísticas também são regionais e esses números são vitais para a questão dos fundos comunitários estruturais. Sem regionalização política, o país recorreu às Unidades Territoriais para Fins Estatísticos (NUTS) do Norte, Centro, Lisboa, Alentejo e Algarve que correspondem a regiões plano e estas são geridas pelas Comissões de Coordenação de Desenvolvimento Regional, órgãos descentralizados do Governo Central e por ele nomeadas.

Com tudo isto, ainda hoje a estrutura da divisão administrativa de Portugal  permanece complexa; é frequente confundirem-se os níveis autárquicos com os administrativos e estes com situações de âmbito estatístico ou o associativismo intermunicipal com órgãos descentralizados do poder central.

Os municípios ou concelhos, num total de 308 e as freguesias, cujo mapa territorial foi recentemente alterado, com a agregação ocorrida apresentam formas organizativas mais simples, em contraste com a complexidade das divisões administrativas de primeiro nível.

 Este tipo de organização do Estado, ou mais propriamente este caos orgânico, que inclusive dificulta uma linha de raciocínio clara pela sobreposição dos variadíssimos mapas de regiões e suas específicas competências, justifica na sua maioria a burocracia, a lentidão de respostas por parte das instituições, a insatisfação dos cidadãos, e muitas das críticas que se estendem depois aos políticos e às políticas preconizadas.

 Creio que não faz muito sentido esta situação continuar assim, em especial quando a reforma do Estado se torna não só necessária como imprescindível, imperativo que tem sido tantas vezes defendido pelo atual Governo.

Lembro aqui que a Europa tem vindo a reforçar o seu modelo regionalista e os países que o fazem têm vindo a obter vantagens competitivas, ao combater o modelo centralista que, nos últimos vinte e cinco anos, acentuou as assimetrias regionais e a desertificação de várias regiões.

Reformar o Estado não pode ser, unicamente, uma espécie da autoestrada de via única, com partida e chegada no Terreiro do Paço. Não tenhamos medo das palavras. Afinal a regionalização e o associativismo municipal são complementares, e não alternativos e a reforma administrativa ficará coxa, se as várias reformas dos diversos modelos regionais existentes não contemplar o fator político, este sujeito ao escrutínio eleitoral democrático. 

As mudanças são sempre difíceis e as reformas exigem coragem. Neste caso, a implementação de uma descentralização administrativa e a reestruturação das competências dos diversos patamares da organização do Estado é também uma questão política e deve refletir-se na organização de um poder intermédio, capaz de congregar as mais-valias e acrescentar valor às economias regionais.