PALAVRAS DE FOGO: DESAFIO PARA UM RENASCER | Humanizemos as vidas na Justiça

16:10 - 21/02/2022 OPINIÃO
Por: Padre Carlos Aquino | effata_37@hotmail.com

“Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância” (Jo 10, 10). Ao celebrar-se o Dia Mundial da Justiça Social recolho esta frase evangélica, que na perspetiva cristã afirma clara e profundamente o seu sentido de justiça, sinónimo de uma vida em plenitude. Deus é justo porque dá vida. Assim ensina Jesus Cristo nas suas palavras e ação: Deus é justo porque ama. É fiel e misericordioso. Fonte de liberdade e de Paz.

E tudo isso comunica a quem deseja viver, recuperando o chão da sua dignidade tantas vezes ferida e perdida pelo mistério do mal que enlaça e seduz. Esta justiça não se esgota no reconhecimento do direito do inocente nem no castigo do malvado, mas é antes o dom que gera uma condição antropológica nova, originada e sustentada pelo próprio Deus.

Esta palavra proclamada por Jesus é a que melhor sintetiza a justiça em busca da vida. Uma justiça divina tão diferente da humana.  Esta sublinha-a em conformidade com a lei, como carácter, um princípio moral em nome do qual o direito deve ser respeitado; uma virtude que inspira o respeito pelos direitos de cada pessoa e a atribuição do que é devido a cada um. Mas ainda tão punitiva.

Ainda tão enfaixada por falhas e culpas, castigos e penas, preceitos ideológicos e farisaicos. Como é preciso superar esta justiça tão burocrática e complexa, fechada ao amor que restaura a vida e a humaniza. Sim, o amor supera a justiça, esse dar ao outro o que é meu, medida maior do que lhe dar o que é seu.

A natureza maior da justiça é defender o justo, ao que é julgado, sabendo que todo o julgado tem direito à recuperação da sua dignidade. Justiça é caminho para que se reconheça com humildade e verdade os delitos, mas se deseje a luz, a vida. Esta justiça exulta e busca sempre a verdade, a generosidade e a harmonia.

Favorece o reflorescer. Exerce-se sem pragmatismos. Procurar a justiça é dignificar a pessoa no seu mistério mais profundo e lutar por uma sociedade com rosto mais humano. A cultura da justiça exige cada vez mais uma síntese harmónica de todos os valores morais e espirituais que tecem a identidade de uma comunidade. Exige que aprendamos a vencer o mal com o bem. Temos tanto a aprender com a justiça divina.

Quando se abdica progressivamente de valores, se reacende o egoísmo, se aprofunda e defende a cultura do descarte e da morte; onde os fins justificam os meios e o bem comum já não prevalece sobre os interesses individuais, jamais se constrói a justiça que traz a paz e pela qual se humanizam vidas. Imploremos por essa justiça proclamando: “Dai-nos Senhor a paz que vos pedimos/ A paz sem vencedor e sem vencidos/ Que o tempo que nos deste seja um novo/ Recomeço de esperança e de justiça/ Dai-nos Senhor a paz que vos pedimos./ A paz sem vencedor e sem vencidos/ Erguei o nosso ser à transparência/ Para podermos ler melhor a vida/ Para entendermos vosso mandamento/ Para que venha a nós o vosso reino/ Dai-nos Senhor a paz que vos pedimos/ A paz sem vencedor e sem vencidos/ Fazei Senhor que a paz seja de todos/ Dai-nos a paz que nasce da verdade/ Dai-nos a paz que nasce da justiça/ Dai-nos a paz chamada liberdade/ Dai-nos Senhor a paz que vos pedimos/ A paz sem vencedor e sem vencidos” (Sophia de Mello Breyner Andresen).