PALAVRAS DE FOGO: DESAFIO PARA UM RENASCER | Que nos resta do PAI!

09:52 - 06/03/2022 OPINIÃO
Por: Padre Carlos Aquino | effata_37@hotmail.com

“Honra teu pai e tua mãe. Amarás o teu próximo como a ti mesmo” (Mt 19, 19). Iluminado e ferido pela força desta palavra evangélica, reacendo no meu coração outras intensas e belas palavras, imortalizadas numa canção da década de setenta, do Cantautor brasileiro Roberto Carlos: “Meu Querido Meu Velho Meu Amigo/ Esses seus cabelos brancos, bonitos/ Esse olhar cansado, profundo/ Me dizendo coisas, num grito/ Me ensinando tanto, do mundo.../ E esses passos lentos, de agora/ Caminhando sempre comigo/ Já correram tanto na vida/ (…) Seu passado vive presente/ Nas experiências contidas/ Nesse coração consciente/ Da beleza das coisas da vida/ Seu sorriso franco me anima/ Seu conselho certo me ensina/ Beijo suas mãos e lhe digo/ Meu querido, meu velho, meu amigo./ Eu já lhe falei de tudo,/ Mas tudo isso é pouco/ Diante do que sinto.../ Olhando seus cabelos tão bonitos,/ Beijo suas mãos e digo/ Meu querido, meu velho, meu amigo”.

Com estas palavras, timbradas pela saudade, desejo avizinhar de mim o meu Pai, já não peregrino comigo neste mundo. Continuo a desejar retê-lo perto. Recusar-me à sua ausência. À sua distância. Ainda hoje trago muitas vezes impresso em mim, na minha memória, o seu rosto, ressuscito o som da sua voz. Recordo as suas últimas palavras. Faminto dos seus abraços e do seu beijo.

E volto a questionar-me: que me resta ainda do Pai? Do Pai que desejo esteja sempre presente, embora o saiba já ausente deste tempo e deste espaço. O Pai que me faz trazer ao coração essa verdade tão profunda e tão interpelativa da espantosa gramática da vida: nenhum de nós é origem de si mesmo.

Não somos obra nossa. Somos fruto. O Pai do qual aprendi o olhar, o sentido das coisas, o discernimento para vencer o mal, a verdade sobre a vida e a morte. As mãos do Pai nas quais cresci protegido e aprendi a confiança, o seu coração no qual me estruturei, aprendi a aliviar a alma, a amar.

O Pai do qual aprendi a escuta, a Lei, a maturidade, a razão, a força, o servir. Hoje, imerso num tempo e numa cultura que tem praticado, na verdade, uma demolição sistemática e sinuosa da presença e do valor do Pai; neste tempo e cultura de generalizada orfandade, também a nível espiritual, onde o Pai deixou de ser o fundamento de valor e de referência para se avaliar o sentido, o horizonte da vida, as condições e o discernimento para a felicidade, relembro o meu Pai. Sinto-o próximo. Sei-o junto ao coração do Pai Eterno.

Com a vontade que o possam ver em mim. No seu silêncio e na sua prudência. Na sua justiça e na sua piedade. Na sua sede e na sua resiliência. Que nos resta do nosso Pai no decurso dos nossos caminhos, das nossas procuras, onde almejamos novas estações? Como sentimos e valorizamos a sua presença? E a sua missão? Será para cada um de nós, a presença do seu pai, suficientemente forte e irradiante ao ponto de nos sentirmos iluminados, abençoados, elevados, curados e libertos das amarras que paralisam os nossos sonhos e a maturação da nossa vida? Desejo que cada um de nós possa, hoje, ter a oportunidade de dizer: Amo-te Pai! E com um beijo, recomeçar.