A Guerra às portas da União Europeia | Por Mendes Bota

13:48 - 17/03/2022 OPINIÃO
Por Mendes Bota, antigo parlamentar e diplomata da União Europeia

É ingrato escrever sobre um conflito que está ao rubro. No tempo que decorre entre o momento de alinhavar estas linhas e o da sua leitura, corre-se um risco elevado de alteração dramática das circunstâncias. Esta é a era da comunicação em tempo real, das câmaras no teatro da guerra, de uma sucessão interminável de imagens de sofrimento e destruição que prendem e chocam a opinião pública a uma escala nunca vista. Assim mesmo, aqui vão algumas reflexões vistas do lado da União Europeia, sobre o seu envolvimento, as suas decisões e respetivas implicações.

São várias as teorias sobre as motivações que terão levado Vladimir Putin a invadir a Ucrânia. O sonho de refazer a Rússia Imperial ou a União Soviética cujo colapso apelidou de “maior catástrofe geopolítica do século XX”. Destruir um perigoso embrião de democracia e economia de sucesso na vizinhança, que poderia constituir um modelo de comparação para a população russa. Sentir-se realmente ameaçado pelo alargamento da NATO até à sua porta. Provavelmente, será uma combinação destes e muitos outros fatores que colocaram Putin no galarim dos ditadores que trouxeram a guerra à Europa, provocando uma crise política e económica global, de consequências muito mais gravosas que a crise pandémica da qual o mundo ainda não saiu. Putin rasgou acordos, ignorou o direito internacional, violou a integridade de um Estado independente, e não demonstra respeito pelos direitos humanos mais elementares.

Na Ucrânia, não se está apenas perante a heroica defesa de um povo pela sua liberdade e pelas suas vidas. Está em causa toda uma série de valores e princípios que estão no cerne da existência da União Europeia e partilhados pela esmagadora maioria dos Europeus. Está em causa a própria democracia. Esta guerra provocou um cerrar de fileiras no seio da União Europeia, e abriu o campo a um redesenhar do seu caminho em áreas fundamentais como a política de segurança comum ou a energia, só para citar as mais cintilantes.

É um momento histórico de viragem. Nada ficará como dantes. A elevada dependência de certos Estados europeus, designadamente a Alemanha, do gás, do petróleo e do carvão da Rússia, tem que terminar a curto prazo, abrindo caminho à intensificação do investimento em energias renováveis, tendo o recurso ao nuclear voltado à ordem do dia (oxalá que não). O pedido desesperado de adesão imediata à União Europeia compreende-se, mas é preciso ser realista. Há procedimentos e regras que exigem tempo, além de não ser viável alargar a União Europeia a um país que está em estado de sítio e de guerra total.

Por isso, a resposta dos 27 à agressão de Putin foi robusta, dentro dos limites de atuação e do bom senso de quem não estando diretamente em guerra não pode ficar indiferente ao que se passa à sua porta, mas não quer escalar um conflito nuclear de consequências dramáticas. O fornecimento direto sem precedentes de equipamento militar à Ucrânia, alimentos, medicamentos e ajuda financeira, mostraram uma União Europeia coesa, unida e determinada. O acolhimento de milhões de refugiados desta guerra insana, mostrou uma conjugação de esforços entre o topo da estrutura da União, os Estados membros e a população em geral, numa comunhão de propósito humanitário notável.

Quem quer fugir da guerra, fá-lo em direção ao Ocidente, não no sentido contrário, note-se. Os quatro pacotes de sanções económicas e financeiras aplicadas pela União Europeia já estão produzindo efeitos na economia da Rússia: o rublo está em queda livre, as taxas de juro disparam, a inflação e a recessão estão incontroláveis. Verdade se diga, que existe um efeito de ricochete que também se faz sentir no espaço comunitário, que todos já estamos a pagar com uma subida generalizada dos custos energéticos, dos produtos alimentares e outros, e provavelmente com ruturas de fornecimento de alguns bens. Dentro do inesperado, não havia outra opção.

Todavia, qualquer que seja o resultado do confronto atual em termos bélicos de destruição, mortes, feridos e deslocados, o recurso à diplomacia, à negociação e ao compromisso, com cedências de parte a parte é uma opção que nunca deve ser descartada. Abundam exemplos de como as sanções económicas, por si só, esmagam as economias, mas não fazem apear os ditadores. Vejam-se os exemplos de Cuba, da Venezuela ou até da Coreia do Norte. Esta guerra poderá acabar com um país arrasado, parcial ou totalmente ocupado, mas não terminará com a alma do povo ucraniano cuja coragem ultrapassou todas as expectativas. A paz, essa, só se conseguirá à mesa do diálogo. John Kennedy disse na crise dos mísseis de 1962: “Vamos negociar sem medo. Mas nunca tenhamos medo de negociar”.