Tanta casa sem gente e tanta gente sem casa

10:13 - 20/04/2022 OPINIÃO
Ricardo Proença Gonçalves

Nas últimas semanas, são muitas e preocupantes as notícias com referência ao setor imobiliário, especialmente no crédito à habitação, sendo que a mais recente notícia com elevado impacto direto, é que a partir do passado dia 1 de abril de 2022 (e não, não é mentira) quem tem entre 30 e 35 anos de idade só pode pedir financiamento com maturidade até 37 anos, sendo que o prazo desce para 35 anos para os mais velhos. É uma medida que sobretudo terá um efeito marginal na redução de concessão de crédito à habitação.

Outra grande preocupação é o grande choque negativo na economia global causado pela guerra na Ucrânia, nomeadamente no longo prazo. A curto prazo, já se sente a evolução dos custos das matérias-primas, da energia e dos materiais de construção, criando dificuldades acrescidas na concretização de novos projetos de construção e encarecendo os que se já se encontram em execução ou finalizados para venda, a somar a isto, junta-se a escassez de mão-de-obra no setor da construção, levando assim a que os promotores imobiliários inevitavelmente aumentem os preços de venda.

A cereja no topo do bolo é tão afamada subida das taxas de juro de longo prazo, onde a generalidade dos bancos centrais, estão afincadamente a tentar normalizar a política monetária através da subida dos juros. É um instrumento de política monetária que na última década tem permitido manter em níveis baixos as taxas de longo prazo e os “spreads” da Zona Euro.

Nos últimos 12 anos, de acordo com o Eurostat, o preço das casas em Portugal aumentou aproximadamente 65%, e segundo os dados do Instituto Nacional de Estatística (INE) o metro de quadrado custa mais de 1.000 euros a nível nacional, e no concelho de Loulé, o metro quadrado custa mais de 2.498 euros. Um preço superior ao valor nacional. Um preço incomportável para muitos.

São dados preocupantes, e as estratégias em curso por todo o país, tardam a dar resposta às necessidades urgentes das pessoas.

Falando da Estratégia de Habitação Local 2019-2030 do concelho de Loulé, a mesma contem dados do levantamento efetuado pelos serviços da Câmara Municipal, de 2018, e está em curso desde maio de 2019. Desde essa altura o mundo mudou. A realidade é outra, e certamente que os pedidos de habitação mais do que duplicaram.

Na cidade de Quarteira, que é a freguesia com maior índice populacional no concelho, à data de 2018, havia 245 pedidos de habitação, representando 48,3% do total de pedidos (507). À data de 2021, o número de pedidos de habitação será certamente um número muito superior aos 245, e o que é certo, é que a construção de novos fogos habitacionais em Quarteira está ainda longe da primeira pedra.

De facto, adquirir um imóvel em Portugal está a tornar-se numa missão hercúlea. Num desafio que não está ao alcance de qualquer um, principalmente para os jovens e trabalhadores com salário mínimo ou com vínculos precários de trabalho. A procura é muito superior à oferta e prevê-se que assim se mantenha nos próximos tempos.

Do ponto de vista das medidas para se criar soluções habitacionais, existem várias medidas delineadas não só pelo Governo central, como também ao nível das autarquias locais. Desde a construção de novas soluções habitacionais a custos controlados, apoio ao arrendamento, ou até mesmo intervenções de reabilitação em património devoluto do Estado ou de privados, serão talvez as principais soluções mais plausíveis, porém a demora na resposta habitacional em Portugal deixa muito a desejar, desde logo os licenciamentos de habitação e todo um conjunto de burocracias que aumentam os tempos de espera de todo e qualquer processo inicial de construção de novas habitações. Um dilema crónico em Portugal.

As soluções habitacionais nem sempre são céleres na resposta às necessidades das pessoas, que normalmente são urgentes, pois todos precisamos de um teto para viver, todos precisamos de um teto para criar família.

É caso para dizer, tanta casa sem gente e tanta gente sem casa.

 

Autor: Ricardo Proença Gonçalves é licenciado em Gestão de Empresas e Pós-Graduado em Gestão de Unidades de Saúde, pela Faculdade de Economia da Universidade do Algarve. Detém também um Executive Program em Controlo de Gestão e Avaliação de Performance pela Nova SBE. É igualmente membro estagiário da Delegação Regional do Algarve da Ordem dos Economistas.