LAURA AYRES E A FREGUESIA DE SÃO SEBASTIÃO

08:54 - 09/07/2022 OPINIÃO
Por F. Inez

“Sou natural da freguesia de São Sebastião” … exclamou um dia a Drª Laura Ayres com uma enorme firmeza e convicção, como era seu timbre, quando no decurso de uma animada conversa de grupo, entre várias pessoas, alguém lhe disse que eu também era louletano.

Tudo isto se passou no curto intervalo das nossas atividades … tomávamos então a nossa “bica” no bar da Escola Nacional de Saúde Pública, onde foi Professora, instalações estas de paredes meias com o Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge, onde Laura Ayres, brilhante epidemiologista e virologista, também exercia as suas atividades profissionais, particularmente na área da investigação. Depois da interessante, extensa e pormenorizada notícia que, em boa hora, “A Voz de Loulé” publicou no seu último número a propósito da comemoração do centenário da nossa brilhante conterrânea Drª Laura Ayres, corro o risco de cansar o leitor, mas o respeito pela sua memória e a saudade que nos deixou, justificam plenamente que se acrescente sempre mais alguma coisa.

Personalidade fortíssima e cativante, Laura Ayres, há muito entrou na galeria daqueles que por obras valorosas se vão da lei da morte libertando, com diria o nosso maior Poeta. Trinta anos passados sobre o seu inesperado e súbito desaparecimento … em janeiro de 1992 … a sua imagem permanece bem viva na geração de todos aqueles que hoje têm mais de cinquenta anos de idade. Grande comunicadora, Laura Ayres, foi, anos atrás, pelas suas frequentes e espetaculares intervenções nos órgãos de comunicação social, em particular pela TV, a brilhante e decisiva figura da luta contra a dolorosa, angustiante, terrível e dramática epidemia de uma doença que então ninguém conhecia e que assustou a Humanidade … a SIDA … doença que enfraquece dramaticamente as defesas do organismo e o tornam vulnerável e fatal  à mais pequena infeção, incluindo os tumores malignos … e para a qual não se conhecia, então, qualquer tratamento.

Conquanto os progressos da Medicina hoje consigam o seu controlo, foi tal o impacto desta epidemia que se estima terem, desde então, em todo o mundo, morrido mais de 30 milhões dos cerca de 80 milhões de infetados, dois terços dos quais na África Subsaariana. Laura Ayres presidiu, em Portugal, a todas as Comissões de Luta contra a SIDA, desde o aparecimento do primeiro caso no País … em 1983 … até à sua morte, em 1992. O seu brilhantismo conseguiu o quase milagre da dificílima alteração dos comportamentos de risco para esta doença.

Foi tal o impacto que a sua figura deixou no País, que a homenagem ao seu nome continua imortalizada, para alem da sua terra natal, no Agrupamento de Escolas em Quarteira, no Laboratório Regional de Saúde Pública do Algarve e no Centro de Virologia do Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge em Lisboa, mas também pela abundante toponímia de que citamos Albufeira, Amadora, Barreiro, Faro, Lisboa, Loulé, Loures, Montijo, Odivelas, Oeiras, Queluz,, Seixal, Sesimbra, Sintra, Vila Franca de Xira, de entre outras localidades. Esperemos ainda que o seu nome venha a ficar ligado ao futuro Algarve Biomedical Center, conforme “A Voz de Loulé” referia. Por mérito próprio, o seu nome está definitivamente imortalizado na História da Medicina Portuguesa.

Nas minhas presenças anuais no Instituto Dr. Ricardo Jorge, onde decorriam os Seminários do Programa Nacional de Controlo das Hemoglobinopatias, encontrava habitualmente a Drª Laura, que assim que me via, por brincadeira, me exclamava … “0lhe que eu sou natural da freguesia de São Sebastião” … a que eu retorquia delicadamente “… e eu também … e assim já somos dois”. Por motivos de natureza familiar, e mais tarde também de natureza profissional, Laura Ayres viveu sempre longe da sua Terra Natal. Não gostaria de terminar sem uma pequenina inconfidência …que se ainda estivesse entre nós, julgo que a Drª Laura aprovaria … é que por duas ou três vezes a ouvi referir … num tom de saudosismo … “ainda um dia gostava de voltar a Loulé …”.