PALAVRAS DE FOGO: DESAFIO PARA UM RENASCER | TEMPO PARA ENXUGAR OS OSSOS

09:15 - 24/07/2022 OPINIÃO
Por: Padre Carlos Aquino | effata_37@hotmail.com

“Vinde a sós para um lugar deserto e descansai um pouco” (Mc 6, 31). Se há espaços e tempo que desejemos para lá da febril azáfama diária das nossas vidas, são os lugares “desertos”, limpos e luminosos por nós habitados nas férias, tempo para o descanso e a libertação das amarras das rotinas e do automatismo diário.

É sempre com grande entusiasmo que programamos e preparamos este tempo para o repouso, o gozo e a festa. Porque precisamos viver também da liberdade para o gratuito, onde se reaprende outras linguagens não irrelevantes, a dar sabor ao quotidiano e às nossas vidas, como sejam a linguagem simbólica, icónica, narrativa e estética. Linguagens e caminhos que nos convidam a experimentar, a intuir a unidade, a plenitude e a beleza da realidade para lá do tempo tantas vezes circunscrito ao útil e mercantilizado programa de vida: “Time is money”. As férias são um tempo próprio para se saborear as coisas simples da vida, o nosso íntimo, os alimentos, os frutos, os cheiros, as conversas, os silêncios, os rostos, o mar, a luz, os livros, a música, a dança, o júbilo.

As férias são um tempo próprio para colocar candeias no olhar e fontes no coração. Porque para se restabelecer a harmonia da vida também é preciso descansar os relógios, silenciar a pressão dos horários e a vertiginosa correria dos compromissos.

É urgente tempo para a contemplação e para a companhia, tempo para se repartir a mesa e o coração. Deve-se viver não só para refletir, pensar e trabalhar, mergulhados nas inquietações próprias que a vida tece, mas também para celebrar, descansar, cantar, dançar, rezar. As férias são um tempo próprio para se enxugar os ossos no calor de um sol que teima em dissipar as sombras fazendo permanecer mais tempo na luz a realidade das coisas. As férias são um tempo próprio para a festa, necessidade humana vital, que mergulha as suas raízes na aspiração do ser humano à plenitude da vida, à transcendência.

A festa afirma o valor da vida e da criação, é expressão da liberdade íntegra, de tensão para a plena felicidade e de exaltação da pura gratuidade, fundamentos para uma vida bela e boa. A festa reúne, redimensiona, alarga, é memorial do repouso, da alegria e do sentido.

Nas festas das férias podemos sempre enxugar os ossos das humidades que o tempo e as sombras de cada dia vão depositando nos nossos corpos frágeis e levantar com renovada esperança a alma. Para o próximo tempo de férias convido a saborear as palavras orantes de José Tolentino Mendonça: “Já aprendi que as férias que valem a pena são menos determinadas pelo calendário do que pelo apelo da nossa vida interior. Por isso te peço, Senhor: dá-nos dessas férias. Dá à nossa vida o gosto dos pequenos prazeres que a pressa nos rouba: o perfume de certas viagens, o afago das conversas que se prolongam, a escuta e o dom, o sentido extraordinário que nas coisas mais simples surpreendemos. Que às amizades não faltem praias largas, onde se reaprende a caminhar devagar e lado a lado. Dá-nos, onde quer que estejamos, um pouco de mar ao fundo, esse mar liso e livre dos dias de calmaria, porque ser amigo, tu o sabes, é olhar às vezes sem palavras na mesma direção. Dá-nos a ver, Senhor, paisagens puras: bosques verdes, desertos brancos e corações imensos. Ensina-nos que o tempo perdido a contemplar é tão útil como o tempo gasto a fazer. E que o tempo que se perde a dar é o que nos faz realmente possuir”.