Vem aí a estagflação?

09:25 - 24/07/2022 OPINIÃO
André Magrinho, Professor universitário, doutorado em gestão | andre.magrinho54@gmail.com

O termo estagflação, a que que nos habituámos nos anos 70 do século passado, a partir do primeiro choque brutal nos preços da energia, significa que a economia experimenta elevados índices de inflação e ao mesmo tempo uma recessão significativa no crescimento. Olhando para vários indicadores que apontam para uma eventual recessão e ao mesmo tempo uma inflação persistente, poderíamos ser levados a pensar que esse seria o cenário mais provável. Todavia, não parece que assim seja.

Há, na verdade, uma série de ajustamentos que estão a acontecer na ordem económica e geopolítica, a par da recomposição das cadeias globais de valor, particularmente das cadeias de abastecimento, e ao mesmo tempo, a invasão da Ucrânia às ordens de Putin, está a provocar um choque energético forte que, no entanto, já se vinha a fazer sentir, antes do início da guerra.

Pode-se dizer que estamos perante a tempestade perfeita, mas não é ainda o furacão devastador que seria a estagflação. Cabe à política económica, por via da concertação das instâncias internacionais, desde logo os bancos centrais, em particular o BCE e a FED, que devem fazer o trabalho de casa para evitar que um cenário de estagflação ou de descontrolo da inflação, se venha a afirmar. Sucessivos choques na oferta e na procura têm tido um impacto significativo não só na subida dos preços, mas também na deterioração dos termos de troca da economia com o exterior (países como Portugal têm que pagar mais para importar as mesmas quantidades) e uma consequente perda de poder de rendimento das famílias e de alguns setores. 

Como alertava recentemente Vítor Bento, num artigo no Público “a inflação e os seus desafios”, “o que poderá tornar este efeito num processo inflacionário serão as tentativas de recuperar pela via nominal, o rendimento inevitavelmente perdido e a pressão da procura em economias sobreaquecidas”. Com efeito, os três choques na oferta que a economia internacional teve que fazer, praticamente em simultâneo, criaram problemas acrescidos. Merecem particular realce, o fim do processo deflacionário que a globalização lhes tinha acarretado, em razão das externalização, com as denominadas deslocalizações, de muitas das atividades produtivas, sobretudo industriais, para os países asiáticos com custos bastante mais baixos, um processo que entrou em perda, com a perceção das fragilidades, em matéria de segurança económica, que esta dinâmica trazia, em particular nas cadeias de abastecimento sensíveis, desde a saúde, às tecnologias e ao alimentar. A guerra da Ucrânia, acaba por ser o acelerador de uma tendência de forte crescimento nos preços da energia que já se vinha a manifestar. Segundo, evidenciam-se os choques na procura, em que nomeadamente os estímulos à economia associados à pandemia, e bem assim a poupança forçada a que se assistiu, e que terminado o confinamento se traduziu num forte aumento da procura, sem a correspondente resposta da oferta, em muitos casos fragilizada pelo fechamento das economias devido à COVID 19.

Sem dúvida que esta conjugação tem um efeito inflacionário, podendo gerar uma espiral de subida de preços-salários, que na prática é ilusória quanto à recuperação do rendimento, para os que perdem poder de compra. É esta trajetória que tem que ser evitada. Para isso, as políticas sociais têm que produzir respostas para as situações efetivamente mais vulneráveis em termos de perda de poder de compra. Também, a concertação social deverá ter aqui um papel importante nos ajustamentos a fazer. Ao mesmo tempo, no que diz respeito a Portugal, é tempo de perceber que só o foco no aumento da produtividade, com tudo que isso significa em matéria de estratégia, organização, funcionamento, inovação, qualificação, valorização do mérito, poderá produzir respostas estruturalmente mais consistentes para permitirem melhores indicadores de qualidade de vida.