Seis meses de guerra na Ucrânia: «desnazificação» ou «desucranização»

11:38 - 13/09/2022 OPINIÃO
André Magrinho, Professor universitário, doutorado em gestão | andre.magrinho54@gmail.com

A Ucrânia celebrou no dia 24 de agosto o 31ª aniversário da sua independência, dramaticamente coincidente com seis meses de invasão, às ordens de Putin, que ameaça destruir essa mesma independência. Volvidos 6 meses de guerra, percebeu-se que os argumentos de base que a justificariam, nomeadamente a desnazificação da Ucrânia – esta, à luz do argumentário russo seria um coito de nazis – não passava de uma mera falácia. À luz da doutrina geopolítica russa atual “desnazificação” significa “desucranização”.

Para a Rússia esta guerra é existencial, e como tal uma Ucrânia independente com os contornos atuais, não pode existir, não só pelo facto do acesso direto aos mares do Sul lhe estarem vedados, mas também o acesso direto às riquezas agrícolas e minerais de uma vasta e rica região ucraniana, nomeadamente o Donbass. E, nesta perspetiva, para muitos, Putin só vai parar quando a isso o obrigarem no campo de batalha e na frente diplomática.

Por isso, é hoje dado como certo que esta guerra ameaça prolongar-se no tempo, tanto mais que já se percebeu que apesar da Rússia ter um dos exércitos mais poderosos do mundo, aquilo que se dizia ser uma intervenção rápida e que a Ucrânia, nomeadamente a sua estrutura política,  iriam soçobrar facilmente perante tamanha disparidade de forças, não só não aconteceu como se percebeu que, afinal, a Ucrânia tem povo, e que esse povo está disponível para defender a sua independência e integridade territorial.

Para isso, o Ocidente, particularmente os EUA e a Europa, terão que estar disponíveis para apoiar com sistemas de armas eficazes, pois sem elas a resistência no campo de batalha é impossível. Pode-se dizer que passados 6 meses de guerra o Ocidente tem-se mostrado mais forte e coeso do que antes da guerra, tendo percebido que os valores da liberdade, da democracia, da tolerância e da paz têm um preço e não podem ser dados como adquiridos definitivamente. Percebeu-se também que investir na segurança e a defesa da Europa tem um alcance estratégico, sendo fundamental para a sua credibilidade e capacidade de projeção de diplomacia coerciva em caso de necessidade.

Percebeu-se também que a valia da Aliança Atlântica (NATO), depois de alguns lhe terem vaticinado a morte antecipada, é inquestionável e continuará a sê-lo. Neste contexto, também a NATO ganhou um novo desígnio, e aquilo que supostamente era um dos argumentos da invasão da Ucrânia, o de que a NATO era uma ameaça para a Federação Russa, está efetivamente a resultar numa maior proximidade desta Aliança defensiva junto das fronteiras russas com a adesão dos países bálticos, Suécia e Finlândia.

No plano internacional é igualmente verdade que Putin está hoje mais isolado do que anteriormente e está a pagar um preço elevado, em pessoas e recursos. Até porque alguns países da União Europeia, muito especialmente a Alemanha, mas também em certa medida França, na tradição gaulista, pensavam que era possível integrar a Rússia na ordem multilateral internacional, por via da economia, com base nas cadeias de abastecimento energético e noutros fornecimentos, contrariamente aos avisos de Washington.

Enganaram-se. É verdade que passados estes seis meses a Europa está mais forte e coesa. A questão que se coloca é, se será suficientemente resiliente para lidar com a escalada dos preços dos produtos energéticos, cereais, fertilizantes, entre muitos outros? E, se entende efetivamente esta guerra, é também sua, ou se, pelo contrário, vai ceder àquilo que é a convicção de Putin, que por via da pressão das suas opiniões públicas, se vai fraturar e ceder em troco de uma normalidade ilusória, cujo preço a pagar a prazo, poderá ser ainda mais elevado? Não são respostas fáceis e os tempos que se avizinham, para além de difíceis, poderão ser decisivos em relação ao que a União Europeia quer ser no futuro.