AS LIGAÇÕES A LOULÉ NA GENEALOGIA DO ALMIRANTE GAGO COUTINHO

11:00 - 18/05/2023 OPINIÃO
Por Júlio Sousa - Investigador de genealogia e de história local. | juliotsousa@gmail.com

Foto do Almirante Gago Coutinho

Crédito: Museu da marinha em

https://ccm.marinha.pt/pt/museumarinha_web/multimedia_web/Paginas/efemeride-nascimento-almirante-gago-coutinho-fev21.aspx

 

1. INTRODUÇÃO

O presente artigo tem como objetivo contribuir para o esclarecimento desapaixonado da naturalidade do grande Homem da Ciência que foi o Almirante Carlos Viegas Gago Coutinho (e não apenas aviador como muitos o designam), cujas raízes ancestrais radicam no Algarve. Mas a genealogia do Almirante Gago Coutinho também apresenta ligações ao concelho de Loulé, que importa salientar neste artigo.

Por se tratar de um artigo extenso, vamos apresentá-lo em duas edições do Jornal.

Tal como em outros artigos relativos a apontamentos genealógicos, recorremos sempre que possível a fontes manuscritas originais, dispensando as fontes manuscritas secundárias bem como as fontes orais, pelas inevitáveis apreciações de caráter muito subjetivo que podem produzir, dado que a experiência tem-nos demonstrado, vezes sem conta, que os erros que essas fontes podem conter, em nada contribuem para o rigor que este tipo de apontamentos exige.

Na verdade, há uma certa literatura errada (escrita de forma bastante apaixonada, diga-se de passagem) acerca do local onde nasceu o Almirante Gago Coutinho, incluindo também erros acerca da naturalidade do seu pai bem como acerca do seu apelido Coutinho.

Com efeito, existem diversos artigos publicados sobre a vida do Almirante e verifica-se, de uma forma geral, que há erros que se repetem de artigos para artigos, pois que uns são a fonte de outros e, praticamente, nenhum neles é sustentado pelas fontes manuscritas originais, como são, neste caso, os registos paroquiais relativos aos casamentos, aos batismos e aos óbitos. Desta forma, os erros sucedem-se e têm persistido no tempo os quais, com tanta repetição em inúmeros documentos, acabam por iludir o leitor menos atento, criando-se assim fantasias acerca do local do nascimento do distinto Almirante e, sobretudo, Homem da ciência, que foi Gago Coutinho.

Acresce que tais erros sobre o local onde nasceu a Almirante estendem-se, também, a algumas teses de mestrado de reconhecidas Universidades Portuguesas, o que não se compreende, pois que, nestes casos, a investigação não recorreu às fontes manuscritas originais, o que nem é muito difícil de aceder já que, atualmente, o Arquivo Nacional da Torre do Tombo disponibiliza tais documentos através de acesso online.

2. O CASAMENTO DOS PAIS DO ALMIRANTE GAGO COUTINHO

Efetivamente, muito se tem falado sobre a genealogia do Almirante Gago Coutinho bem como o local exato onde teria nascido. A dúvida sobre esse local radica no facto de se pretender atribuir-lhe a naturalidade algarvia a partir da naturalidade dos seus pais, os quais são, inequivocamente, naturais da cidade de Faro e não de S. Brás de Alportel, conforme é descrito no seu registo de casamento realizado na Igreja da Sé da capital algarvia, em 6 de julho de 1867 (Assento do casamento com o n.º 14) no qual se refere que o pai do Almirante Gago Coutinho, José Viegas Coutinho, é “da idade de 33 anos, solteiro, marítimo, natural e baptizado nesta Parochial da Sé”. No documento consta ainda que a nubente, sua mãe, Fortunata Maria, é “da idade de 32 anos, solteira, sem profissão, natural desta cidade, moradora na Rua de S. Francisco, desta Sé”.

O registo descreve ainda que José Viegas Coutinho (pai do Almirante) é filho legítimo de Manuel Viegas natural da freguesia de S. Brás de Alportel e de Maria do Carmo, natural da cidade de Faro. Quanto à noiva, mãe do Almirante, é descrita como filha legítima de Pedro da Cruz e de Fortunata Maria, naturais de onde constar [1].  

Mais se descreve neste registo que o nubente (José Viegas Coutinho) não compareceu no seu casamento tendo passado procuração de representação ao Illmo. Sr. João Velloso Pessanha Cabral, casado, proprietário, residente da cidade de Faro, referindo-se ainda que o nubente é morador na Rua do Embaixador, número setenta e sete, loja, na freguesia de Santa Maria, concelho de Belém[2].

Foram testemunhas do casamento, João Velloso Pessanha Cabral Júnior (que à data era estudante de Direito na Universidade de Coimbra, matriculado em 2 de outubro de 1866 [3]) e António Alexandre Pereira Pinto, empregado público, residentes na cidade de Faro.

3. O REGISTO DE BATISMO DO ALMIRANTE GAGO COUTINHO

O que consta no seu registo de batismo [4] é inequívoco: Carlos Viegas Gago Coutinho nasceu às 3:30h da manhã do dia 17 do mês de fevereiro de 1869, filho legítimo primeiro da geração de José Viegas Gago Coutinho, marítimo, natural de Faro e de Fortunata Maria Coutinha, natural de Faro, recebidos na Sé de Faro e paroquianos na Calçada da Ajuda, n.º 5, neto paterno de Manuel Viegas Gago Coutinho e Maria do Carmo Cruz e materno de Pedro da Cruz Cabeleira e de Fortunata Maria. Foi padrinho Ângelo Joaquim José da Silva, casado, Cabo de Lanceiros da Rainha, n.º2, morador na Calçada da Ajuda n.º5; e Madrinha Joaquina da Ressurreição, casada, moradora na Calçada da Ajuda n.º5.

Ou seja, os padrinhos moravam justamente na mesma casa que o pais de Gago Coutinho o que explicará o facto de a mãe do Almirante ter estado sempre acompanhada durante a gravidez enquanto o seu marido andava “embarcado”, não necessitando de estar em Faro, na companhia dos seus pais, para que estes lhe pudessem prestar todo o apoio que poderia necessitar durante o período de tempo da gravidez.

Nesse mesmo registo consta que o almirante Gago Coutinho faleceu na freguesia de Santa Engrácia de Lisboa, pelas 18 horas e 5 minutos do dia 18 de fevereiro de 1959.

Assim, perante tais dados torna-se evidente que o Almirante Carlos Viegas Gago Coutinho nasceu em Lisboa e que os seus pais são naturais da cidade de Faro.

No próximo número descreremos a árvore de costados do Almirante e demonstraremos as ligações ao concelho de Loulé, mais propriamente à freguesia de Salir.

(Continua no próximo número)

 

 



[1] Perante esta imprecisão acerca da naturalidade dos avós maternos do Almirante, recorremos à leitura dos respetivos registos de nascimento donde se pode extrair que Pedro da Cruz nasceu na freguesia da Sé, Faro, a 01-11-1791 e que a sua avó, Fortunata Maria, nasceu igualmente na freguesia da Sé, Faro, a 09-04-1802

[2] Convém assinalar que Belém foi concelho autónomo a partir de 1852, criado por Decreto do Ministério dos Negócios e do Reino, de 11 de setembro, no âmbito da Reforma Administrativa do Concelho de Lisboa. A Câmara Municipal de Belém foi extinta em 1885 através da Carta de Lei de 18 de julho desse, em resultado de uma nova reforma do concelho de Lisboa).

[4] Cfr. imagem PT-ADLSB-PRQ-PLSB32-001-B14_m0844.jpg de https://digitarq.arquivos.pt/viewer?id=4817460