CARTAS À QUINTA | PARA UM CUIDAR DA FRATERNIDADE

10:00 - 24/11/2024 OPINIÃO
Por: Padre Carlos Aquino | effata_37@hotmail.com
Caríssimos Grilos, estimados irmãos,
 
Enchei de música estas longas noites de inverno, antes de findardes o vosso peregrinar, ensinai-nos o canto do enamoramento e da paixão nos pátios sombrios da melancolia, da solidão e da tristeza que se abatem sobre o nosso espírito. Trazei-nos boa sorte e felicidade, vitalidade e fertilidade. 
Ressuscitai-nos dos nossos lamentos e murmurações mesquinhas. Curai as feridas desta terra, ensinando-nos a curar as feridas do nosso próprio coração. É justo reconhecer que tendes desempenhado um papel significativo em diferentes culturas ao redor do mundo, servindo como símbolo de boa sorte, prosperidade e proteção espiritual. Testemunhais a tranquilidade, a virtude e a sabedoria. Por isso, sois tão invejados, ao ponto de serdes olhados com cinismo, maledicência e indiferença. Muitos dos nossos conterrâneos vos consideram simplesmente repugnantes insetos. Não acreditam que a beleza do vosso canto, nascido pela humilde e fantástica fricção das vossas asas, dom do vosso empenho e generosidade seja sinal de boa sorte e proteção, anúncio de esperança e felicidade. Não raro sois até confundidos com os gafanhotos. 
 
Mas é tão bom saber que não viveis dobrados sobre os vossos tormentos, perdidos e absorvidos pelas tramas que constituem verdadeiros obstáculos no vosso caminho, que não emudeceis o canto e continuais alicerçados na fé e no amor, numa existência pacífica rodeados pelas pessoas que amais. Comove-me a vossa coragem, a coragem de assumirdes tantos riscos, porque principalmente no amor é necessário ter a coragem de dar um grande salto. Mas vós não cedeis aos medos e às inseguranças. Não sepultais os sonhos de um amor que desejais duradouro e verdadeiro. Estimados amigos, hoje vos escrevo para vos pedir na escuridão que ainda se apega à nossa vida: ensinai-nos a paciência como caminho para termos paz e aprendermos a tratar os outros de uma forma tranquila e respeitável; formai-nos nestes tempos difíceis, com criatividade e audácia, na coragem e na ousadia, para sabermos dar fecundidade bela aos nossos pensamentos e emoções e não nos deixarmos levar pelos impulsos que ferem; sede pedagogos do nosso canto, que ele permita não naufragarmos na lógica de tanta violência e confusão disseminada em nosso redor. Possa ele ser uma ponte entre esta terra e o divino que buscamos. 
 
A música que nos ensinais contribua para sabermos sempre acolher a urgência do amor, que cura e faz viver, nos ajude a sabermos partilhar o dom de nós próprios, seja uma porta aberta para o nosso mundo interior que possa trazer à luz a verdade do que pensamos e somos. Ela nos ajude a refletir sobre a nossa jornada, levando-nos a questionar o que realmente buscamos na vida, quais são nossos propósitos e quais são os desafios que precisamos superar para sermos mais plenos. Ela nos lembre que, no fundo, somos todos parte de uma mesma unidade e que, através do som, podemos nos aproximar uns dos outros e, ao mesmo tempo, do que é sagrado. Nos invernos dos nossos desertos sede nossos companheiros na viagem para a liberdade. Possa o nosso coração estar sempre aberto a vós, pequenos grilos, que nos segredais os mistérios da vida.