O cónego Mário de Sousa alertou que «sem a oração da escuta não há conversão» e que «sem conversão não há jubileu».
O sacerdote da Diocese do Algarve, que apelou à libertação de “escravidões”, de “cegueiras que ainda vedam a alma” e de “grades que ainda circundam o coração”, foi o protagonista da segunda de três noites de reflexão no âmbito da proposta diocesana de preparação para o Jubileu de 2025, promovida pela Igreja algarvia, que desta vez teve lugar, no passado dia 12 deste mês, no salão da paróquia da Luz de Lagos.
“As peregrinações que seremos convidados a fazer, mais não são do que um chamamento à verdadeira peregrinação que é necessário realizar, que é a do caminho interior que nos transporta à «porta santa» que verdadeiramente importa e que não é em Roma. É no coração de cada um de nós porque a verdadeira «porta santa» de que essas são sinal é o próprio Senhor”, advertiu.
“As peregrinações exteriores e a peregrinação em direção a uma porta santa não têm qualquer sentido se não forem sinal desta peregrinação interior a caminho da verdadeira «porta santa» que é o Senhor, que, escancarando seu coração, nos faz passar pela outra dimensão da vida”, prosseguiu o sacerdote que abordou o tema “O Jubileu na História da Salvação e à luz da Palavra de Deus”.
O biblista começou, precisamente, por lembrar que “o ano jubilar tem raízes bíblicas”. “O Jubileu que celebramos a cada 25 anos é um acontecimento que tem a sua origem na Sagrada Escritura, mais concretamente no capítulo 25 do livro do Levítico onde o Senhor ordena que de 50 em 50 anos se proclame um jubileu ou ano santo”, introduziu, acrescentando: “é necessário entendermos o que significa o Jubileu na Bíblia para também podermos saborear e viver, também individualmente e como comunidade, esta graça que nos é concedida”.
O sacerdote contextualizou que “o jubileu ocorria no contexto da teologia do sábado – shabbat – que significa descanso, dia em que cessa toda e qualquer atividade laboral, não só para que o ser humano possa restabelecer as forças, mas sobretudo para sublinhar a sua umbilical dependência em relação a Deus”. Segundo o cónego Mário de Sousa tratava-se, portanto, de “saber parar para fortalecer a relação pessoal e comunitária com o próprio Deus”.
O sacerdote acrescentou que “as leis do ano sabático foram ampliadas, nomeadamente no que diz respeito à libertação dos escravos e ao perdão das dívidas”, pois “a pessoa era escrava para o resto da vida, a não ser que um familiar pagasse a dívida para o libertar, resgatar, redimir”.
O cónego Mário de Sousa prosseguiu explicando que “depois da dramática experiência do exílio na Babilónia, é instituído o ano jubilar ou ano santo que está intimamente relacionado com o ano sabático”. “O jubileu destacava em primeiro lugar o caráter inalienável da dignidade do ser humano, sublinhando a sua dependência exclusiva de Deus e, por isso, tinha como finalidade libertar o homem e a mulher de toda a espécie de opressão. Esta era a grande finalidade do jubileu: libertar o ser humano de toda a espécie de opressão”, realçou, acrescentando que “terá havido grande resistência ao cumprimento desta norma divina” porque “ninguém tinha interesse em perder o usufruto das terras e muito menos em perder o trabalho gratuito dos escravos”.
O orador referiu que face ao incumprimento das leis sabáticas e jubilares, o povo começa a intuir que “o verdadeiro ano santo só acontecerá pela intervenção de Deus” e que esta “não se destinará apenas a restituir bens ou liberdade exterior como até então, mas a tratar corações despedaçados, consular os que vivem mergulhados na tristeza, libertar de toda a espécie de escravidão, a resgatar/redimir o cidadão de tudo aquilo que lhe rouba a dignidade”.
O sacerdote evidenciou então que “Jesus veio para libertar o ser humano de toda a espécie de opressão e escravidão”, para “salvar o homem de tudo aquilo que o escraviza e lhe rouba a dignidade, a esperança e a alegria”. “Os Evangelhos não falam já do Ano Santo, referindo-o a terras, a propriedades ou a dívidas. Jesus veio para a verdadeira libertação do grande opressor que é o poder do mal que domina o mundo e a natureza humana e do qual o homem não é capaz de se libertar a não ser pela intervenção de um redentor”, sustentou.
“Quando permitimos que o Senhor nos subtraia do poder do mal, da morte e das trevas, para nos transportar para essa realidade em que Deus é verdadeiramente Senhor dos nossos desejos, das nossas expetativas, critérios de vida, opções, acontece o verdadeiro ano santo porque se realiza a verdadeira libertação”, alertou.
O orador exortou cada paróquia a mergulhar em “águas profundas”, “onde é preciso que a barca da Igreja vá, a fim de trazer para porto seguro tantas vidas que se sentem naufragar”. O cónego Mário de Sousa considerou assim que o Ano Santo é tempo de abertura à esperança. “A esperança brota de um coração confiante de quem sabe que à popa, lugar onde se encontra o leme, está Jesus, mesmo que, às vezes, pareça que está a dormir”, acrescentou.
Folha do Domingo