O meu avô

20:34 - 11/01/2025 OPINIÃO
Joaquim Bispo, escritor diletante, http://vislumbresdamusa.blogspot.com/
Um avô meu morreu, quando eu tinha dois anos. Como nos relacionaríamos se o encontrasse hoje, ele parado nos cinquenta e tal anos da fotografia da parede, bem mais novo do que eu agora, e convivêssemos durante, digamos, um mês? A sua ascendência prevaleceria, ou a minha maior idade fá-lo-ia reverente, vindo ele de um tempo em que o respeito pelos mais velhos era norma?
Se bem o vislumbrei, melhor o fantasiei. O meu avô acompanhou a minha família em todos os momentos, desde os de lazer caseiro, aos da azáfama dos afazeres citadinos, e fui-lhe mostrando as maravilhas do meu tempo. Levei-o velozmente pelos lisos tapetes das autoestradas do país, mostrei-lhe a ponte de dezassete quilómetros sobre o Tejo, mergulhámos de metro no ventre da cidade em hora de ponta, guiei-o pelas avenidas dos grandes centros comerciais e outros formigueiros.
Ele parecia um pouco confuso, mas ia-se adaptando. Gostou da televisão por cabo e devorava sobretudo as notícias. Embora se admirasse com os telemóveis, a Internet e o GPS, ficava particularmente desconfiado com o microondas. Apreciou o serviço de aconselhamento médico pelo telefone, a que tive de recorrer. Achava piada às pessoas nos ginásios. Ver-me a pedalar em seco levava-o às lágrimas. Gostou de encontrar roupa pronta a vestir e prateleiras carregadas de mil e um produtos alimentares em embalagens ligeiras. Admirava a utilidade de conservação do frigorífico e a frescura das bebidas.
No dia em que o prazo planeado acabava, disse-me: «Joaquim, meu velho neto, o teu mundo é admirável, mas difícil de compreender para um homem do meu tempo. Talvez os homens tenham ido à Lua, desvendado as entranhas da vida, criado tantas maravilhas tecnológicas, mas parecem-me menos solidários com os próximos e mais ferozes com os estranhos. Em inúmeros pontos do planeta, matam-se com guerras e fomes. As cidades estão atulhadas de carros, cheias de fumo e sobrepovoadas. As pessoas amontoam-se em pequenos espaços, trabalham toda a vida para pagar a casa, quase não veem os filhos. Era um mundo assim que idealizavas? Diz-me: és feliz?»
Antes que eu tivesse tempo de responder, deu-me um abraço e foi-se embora. Melodramático, este meu avô, mas perspicaz. Gostava de ter estado mais tempo com ele!