CARTAS À QUINTA | PARA UM CUIDAR DA FRATERNIDADE

10:00 - 23/02/2025 OPINIÃO
Por: Padre Carlos Aquino | effata_37@hotmail.com
Caríssimas Formigas, estimadas irmãs,
 
Em um dia qualquer deste mês, sentado no jardim de uma praça, acolhendo a luz do benfazejo sol de inverno, observei uma fileira de formigas, atravessando o chão com a precisão de um exército disciplinado. Pequenas, incansáveis, cada uma carregava sua porção de alimento, cumprindo um papel que parecia maior do que sua própria existência. E então me ocorreu: não somos nós, humanos, versões ampliadas desses insetos minúsculos? E lembrei uma palavra contida nos Provérbios da Sagrada Escritura: “Observe a formiga, preguiçoso. Reflita nos caminhos dela e seja sábio”. Vós formigas estais habituadas a viver em colônias, trabalhais sem cessar, seguis caminhos traçados por outras antes de vós. Pareceis dar importância devida à memória e à Tradição. Construís um sistema onde cada uma de vós tem a sua função, onde o coletivo vale mais do que o indivíduo. Pensava: e nós, de terno e gravata ou de macacão de operário, de fato de marca e de treino ou com simples camisa a cobrir o corpo, não fazemos o mesmo? Quantos de nós também saímos cedo, encaramos trânsitos caóticos, apertamos botões, atendemos telefonemas, empilhamos papéis e digitamos relatórios.
 
Somos parte de uma engrenagem que não para, caminha vertiginosamente pela efemeridade da vida. Nas cidades, como nos formigueiros, há líderes e operários, arquitetos e soldados, exploradores e zeladores. Assim como as formigas constroem túneis subterrâneos de complexidades impressionantes. Nós também sabemos erguer arranha-céus que desafiam a gravidade. Também nos comunicamos de formas sutis. E como vós que, deixais por onde passais rastros químicos, também nós trocamos mensagens codificadas em impulsos eletrônicos, fruto de uma técnica que se desenvolve e de um progresso que não tem fim. E o que dizer da vossa persistência? Uma formiga carrega um peso muitas vezes maior que seu próprio corpo, assim como nós suportamos fardos invisíveis de responsabilidades, sonhos, frustrações.
 
Quando o formigueiro é destruído, recomeçais, sem hesitação. Nós também, diante de tantas nefastas tragédias e desastres, temos esse impulso de reconstrução e resiliência, abertos à esperança mesmo que feridos na carne. Mas há, na verdade, uma diferença crucial. Vós formigas trabalhais pelo bem do grupo, sem ambição pessoal, sem egocentrismos e ciúmes, sem intolerância, violência e concorrência desmedida e injusta. Nós, humanos, muitas vezes esquecemos que fazemos parte de um todo. Criamos fronteiras, construímos muros, competimos sem necessidade, acumulamos bens sem propósito. Invejamos e na ambição desmedida de poder ou status ferimos, matamos. No entanto, há algo em vós que nos inspira: a ideia de que o sucesso verdadeiro não está no que conquistamos individualmente, mas no que construímos juntos. Que belo e bom aprendermos a viver juntos, a caminhar juntos, a edificar juntos, a esperar o futuro juntos. Ao observar-vos, pequenas criaturas seguindo a vossa trilha invisível, me perguntei: se aprendêssemos com as formigas, seríamos mais humanos?