Fotos: Samuel Mendonça
Pastoral Prisional da Diocese do Algarve trabalha também com as famílias dos detidos

20:00 - 01/03/2025 FARO
A equipa da Pastoral Prisional da cidade de Faro tem procurado incluir as famílias dos detidos no seu serviço. Esse trabalho que tem estado a ser feito sobretudo nos últimos dois anos no Estabelecimento Prisional (EP) de Faro resultou do aprofundamento da relação com os reclusos que acompanham.
A responsável do Setor da Pastoral Prisional da Diocese do Algarve explicou ao Folha do Domingo que o próximo passo desse trabalho será a participação de famílias de detidos no Jubileu das Famílias que terá lugar na Sé de Faro, no dia 31 de maio deste ano.
Corinna Cappozzo explicou que, no final dos encontros semanais que a equipa de Faro da Pastoral Prisional realiza com os presos, estes lhe pediam para contactarem os seus familiares mais próximos. “Cada vez mais podemos mergulhar no calvário das mães, das mulheres e dos filhos dos nossos irmãos detidos”, testemunha aquela italiana que há seis anos visita o EP de Faro.
Pertencente ao Movimento dos Focolares, Corinna Cappozzo trabalhou antes de vir para o Algarve, durante cerca de quatro anos, na Pastoral Prisional do Patriarcado de Lisboa. Visitava a cadeia de Alcoentre. Quando chegou a Faro, tinha outras prioridades, mas, a pedido do bispo da diocese, acedeu continuar o trabalho com a comunidade prisional, que é feito em articulação com outras confissões religiosas.
 
No passado dia 14 de fevereiro, D. Manuel Quintas recebeu a equipa da Pastoral Prisional da cidade de Faro que lhe pediu uma audiência. “Há muitos momentos em que parece que vamos desistir porque há uma resistência aos direitos humanos e ao amor de Jesus. Sentimos que precisamos de uma força maior. Então pedimos a audiência ao senhor bispo para que nos dê uma bênção para conseguirmos juntos, de forma mesmo sinodal com a comunidade, enfrentar o mal que existe e levar a luz com a certeza de que o amor vence tudo”, explicou a responsável do Setor Diocesano da Pastoral Prisional, organismo que tem como assistente o cónego Carlos César Chantre, que também integra a equipa de Faro dedicada àquela pastoral.
Corinna Cappozo testemunha que muitos detidos manifestam o medo que sentem de que lhes possam fazer mal. “A cadeia não é um local de grande segurança”, reconhece, temendo que muitos dos que por lá passam acabem por adquirir uma “especialização no crime”. “Não queremos esquecer estes irmãos que, às vezes, são os últimos da sociedade”, assegura, contando que na última celebração ecuménica, realizada no EP de Faro, dois participantes “pediram espontaneamente o sacramento da Confissão”. “Voltaram com um sorriso que nunca tínhamos visto a dizer que se sentiam leves e livres”, testemunhou.
Lembrando que em Silves “está a fazer-se também um trabalho muito bom” na área da Pastoral Prisional sob a responsabilidade do padre Rafael Rocha, Corinna Cappozzo deixa um convite a toda comunidade católica algarvia. “Convido toda a comunidade diocesana à oração para que Deus toque em profundidade não só os irmãos detidos, mas também os irmãos da Polícia Judiciária, os guardas prisionais, etc”, pede.
A equipa da Pastoral Prisional, que por vezes também visita o EP de Olhão, realiza encontros que contam com uma média de participação de 10 reclusos. “Nas celebrações do Natal e Páscoa costuma participar mais gente, cerca de 25”, refere aquela responsável, garantindo que a direção, que é comum aos dois EP, tem um “empenho muito grande” em que os presos “adquiram outras ferramentas”. Exemplo disso diz ser a escola de língua portuguesa ou os ateliês de teatro ou ioga que ali se realizam.
 
Para o encontro com o bispo do Algarve, a equipa da Pastoral Prisional de Faro fez-se acompanhar de uma das mães dos reclusos que assiste e de um dos desses detidos com quem trabalhou nos últimos tempos. O homem de nacionalidade italiana, que esteve um ano em prisão preventiva e que aguarda agora em liberdade a decisão judicial, reconhece-se como católico. “Estudei muitos anos num colégio dominicano e, depois de crescido, nunca reneguei a minha fé”, explicou ao Folha do Domingo, considerando, no entanto, que esta “era fraca” e que vivências como a que teve “abrem os olhos”.
O homem considera assim que o serviço prestado pela Igreja algarvia durante o período em que esteve preso foi “essencial” para lhe garantir a esperança. “Estamos muito isolados na cadeia e não temos esperança porque não sabemos quanto durará a pena”, disse, explicando que, devido à sua idade, foi colocado sozinho numa cela. “Foi duro. Estás 24 horas por dia numa cama e nada mais. Quando estás na prisão, estás num estado de isolamento. Não sabes quanto tempo ficarás preso, não sabes qual será o teu destino, não sabes verdadeiramente a gravidade do que fizeste”, desenvolveu.
Aquele beneficiário da Pastoral Prisional diz que para muitos detidos a religião não é uma prioridade, mas “uma descoberta”. “Quando recebes estas pessoas descobres a bondade de um coração que está ligado à religião. Ainda que não sejas muito religioso, entendes a ligação que existe entre uma coisa e outra, entre a generosidade, a disponibilidade e o apoio que proporcionam na fé. Portanto, ficas agradecido e segues o exemplo”, declarou, considerando que os reclusos saem “marcados” dos encontros. “Posso falar e contar os meus problemas. Ouvem-nos, não nos julgam e entendem. E o apoio que te dão é através da fé. É um apoio que serve porque no fim não existe mais nada. Dizem-nos: «rezamos por ti» e sentes essa força que está a acontecer lá fora e que não te deixa sentir só”, sustenta, realçando que “não estar só é uma coisa muito importante”.
 
O homem realça ainda o trabalho com as famílias. “Também é um apoio para as pessoas que estão fora, para os familiares e isso também é muito importante. Quando estive detido, durante muito tempo a minha mulher não sabia nada de mim”, refere, explicando que “no princípio é muito difícil ter contacto com a família” porque “há uma burocracia interna”.
Aquele designer gráfico de formação foi o autor de alguns dos desenhos enviados ao Papa, resultantes de um workshop levado a cabo o ano passado, e que mereceram resposta de Francisco.
A mãe de um detido no EP de Faro “por consequências do consumo de droga”, que também integrou o grupo que se encontrou com o bispo do Algarve, testemunhou o trabalho feito com o filho. “São pessoas maravilhosas que lhe têm dado um apoio enorme, uma força enorme, um incentivo. Ele liga-me a dar conta dos encontros. Dão-lhe uma alegria e uma força tão grande. É preciso continuar”, refere.
Aquela mulher conta que o filho, que também já esteve detido em Vale de Judeus, foi ali batizado pelo padre Ricardo Jacinto, assistente da Pastoral Prisional naquela penitenciária. “É uma pessoa que o tem apoiado sempre”, acrescenta, considerando ser preciso dar continuidade a este acompanhamento após o cumprimento da pena. “Da mesma forma que existe este voluntariado também é preciso que, depois de eles saírem, tenham onde se dirigir”, refere, lembrando que “não é muito fácil arranjarem logo trabalho” porque “têm as portas fechadas”. “É preciso que eles sejam muito amados e que lhes seja dada muita força”, pede.
 
 
Folha do Domingo