Depois de o ano passado não se ter podido realizar devido à chuva, a Paixão de Cristo, levada a cabo pela nona vez pela Comissão de Festas da paróquia de Pêra e pelo Centro Paroquial local, foi mesmo retomada depois da interrupção desde 2018 motivada pela pandemia de Covid-19.
A vila de Pêra voltou então a receber no último domingo à noite uma imensa multidão para acompanhar ao vivo aquela iniciativa que se assume como a maior do género a sul do Tejo e uma das maiores no país.
De facto, a cada dois anos, aquela realização, que conta com uma produção cada vez maior, atrai mais pessoas e no último Domingo de Ramos foram alguns milhares, incluindo vários estrangeiros, os que não quiseram perder um acontecimento que marca também a celebração da Semana Santa no Algarve.
Como fez questão de esclarecer o pároco de Pêra na introdução à via sacra, a iniciativa visa acompanhar os “passos de Jesus Cristo até ser condenado e pregado na cruz”. “Mas a seguir à cruz vem a Páscoa da ressurreição. Ele está vivo e quer estar no coração e na vida de cada um de nós”, completou o padre Manuel Coelho.
“Vamos procurar não só ver, mas viver aquilo que vai acontecer. Estamos aqui não para observar, mas para ver e tirar conclusões para a nossa vida”, prosseguiu o sacerdote que agradeceu a presença do bispo do Algarve e “também pela palavra de encorajamento que deu o ano passado” quando aquela iniciativa não se pôde realizar. O padre Manuel Coelho agradeceu também à Câmara Municipal de Silves “pela presença” e pela ajuda naquele e noutros eventos na paróquia.
O bispo do Algarve agradeceu “pelo esforço que este ano fizeram, apesar de tudo o que aconteceu o ano passado”. “Sabemos que foi muito difícil, mas felizmente hoje o São Pedro está convosco”, afirmou, agradecendo à paróquia de Pêra por “proporcionar uma vivência típica” da Semana Santa.
D. Manuel Quintas agradeceu também a todos os que ali se deslocaram por terem incluído no seu “programa de celebração desta Semana Santa” a vivência daquela via sacra. “A vossa presença é o primeiro reconhecimento e ao mesmo tempo estímulo para todos aqueles que vão participar, encenaram e se esforçaram, não apenas na encenação em si, mas também na preparação de todos os ambientes”, referiu.
O responsável católico reforçou que não estavam ali “para assistir a um espetáculo”. “Estamos aqui para nos deixar envolver por tudo aquilo que significa para nós, à luz da fé, esta Semana Santa: os passos dolorosos da vida de Jesus”, declarou, apelando ao “silêncio exterior” e ao “silêncio interior” para acompanhar aqueles passos de Cristo.
O bispo do Algarve desafiou ainda a, tal como Jesus, acolher as “cruzes” da vida “com amor”. “O amor transforma tudo, revoluciona tudo. Que esta via sacra e o acompanharmos os passos dolorosos da vida de Jesus signifique para nós um bom começo da celebração desta Semana Santa”, desejou.
A via sacra teve início no Largo 25 de Abril, onde foi recriada a Última Ceia com os discípulos. A dramatização dos últimos momentos da vida terrena de Jesus continuou no cenário do Monte das Oliveiras onde Cristo rezou e agonizou, desejando não ter de passar pela morte, instantes antes de ser traído por Judas quando o entregou aos soldados romanos.
Depois do interrogatório do sumo-sacerdote Caifás, do «julgamento» no pretório, protagonizado pelo governador Pilatos, e da flagelação executada pelos soldados, o encontro de Jesus com a sua mãe decorreu junto à antiga escola primária. Os momentos particularmente significativos continuaram pelo trajeto até ao Calvário, ao longo do qual o cireneu Simão ajudou Jesus a carregar a cruz e Verónica limpou-lhe, rumo ao amplo terreno, nas traseiras do Mercado Municipal, onde teria lugar a crucificação.
A Paixão de Cristo ao vivo contou ainda com a participação de um grupo coral da própria paróquia, composto por jovens, crianças e adultos, que ajudaram a assistência, oriunda de vários pontos do Algarve e não só, a interpretar os acontecimentos e a interiorizar os momentos de oração, bem como as reflexões proclamadas e as interpelações que lhe foram sendo dirigidas como proposta de conversão de vida e de adesão a Jesus Cristo.
“Toda a vida de Cristo é um ato de amor imenso pela Humanidade”, evidenciou-se, desafiando-se os presentes a seguirem o exemplo de Jesus que “continua a levar a cruz de cada homem que se encontra em necessidade”.
“Entre vós que o maior seja como o mais pequeno; e o que manda como aquele que serve. Sede todos para todos, sempre inteiros, prontos a vos servirdes uns aos outros na caridade. Podemos conhecer bem todos nós a catequese como a sua vida, fazer todos religiosamente bem o sinal da cruz e ressuscitar habitualmente as orações, receber o batismo e outros sacramentos, assistir à missa e comungar. Todavia, só isso não basta para ser um bom cristão, para sermos seus amigos. Sejamos como Simão de Cirene. Ajudemos os nossos irmãos a levarem a sua cruz e Cristo nos ajudará a levar a nossa”, apelou-se, lembrando que o próximo pode ser também o inimigo.
Foi ainda evocada a instituição da Eucaristia e do “dom” do sacerdócio e lembrado que, também “através dos sacerdotes, Cristo continua a sua missão salvadora”. Foram, por isso, lembradas “aquelas mães cujos filhos, fiéis a Cristo, foram escolhidos para Ele, para continuarem a sua paixão e redenção”, bem como “tantas mães dolorosas que perderam os seus filhos ou têm um filho doente ou em distantes terras”.
A multidão foi ainda exortada ao perdão. “Que ninguém saia daqui esta noite sem ter perdoado, de todo o coração e com toda a verdade, aos que o tenham ofendido”, pediu-se, desafiando cada um, “por maiores que sejam” os seus pecados, a aproximar-se de Jesus “com arrependimento e confiança”.
Por último, foi deixada uma mensagem de esperança aos presentes. “Todos os nossos sofrimentos, todos os nossos sacrifícios, a nossa morte são semente para a vida eterna. Depois de Sexta-feira Santa, vem sempre a Páscoa da ressurreição. Todo o sofrimento é fonte de libertação. A própria morte é semente de nova vida para os que seguem Cristo. Como a vida de Jesus não acabou no sepulcro, também a nossa não acaba na terra. Como Ele ressuscitou, também nós ressuscitaremos. E se vivermos como Cristo, fazendo a vontade de Deus e amando-nos uns aos outros, ressuscitaremos com Ele e seremos felizes no Céu, na Glória. Porque a vida não acaba com a morte, mas há-de mudar-se noutra vida melhor. Dissolvido e corrompido este nosso corpo, Cristo prepara-nos uma morada eterna e feliz no Céu”, concluiu-se.
No terreno, emprestado por uma particular para aquele efeito, já as duas cruzes dos ladrões se erguiam quando a multidão chegou seguindo Jesus. Cumpriu-se então ali o acontecimento maior da fé cristã: a crucificação e ressurreição de Cristo. Com recurso a efeitos sonoros e luminosos, depois de crucificado e sepultado, Jesus apareceu triunfante, ressuscitado no alto de um monte.
A iniciativa sem fins lucrativos voltou este ano a contar com a colaboração de cerca de 200 voluntários, entre eles personagens, figurantes, assistentes e leitores.
Folha do Domingo