DOAÇÃO DE IMÓVEIS EM VIDA

09:29 - 12/05/2025 OPINIÃO
Cíntia Andrade Advogada, Licenciada em Direito e Mestre em Ciências Jurídico-Civilísticas

Nos termos do artigo 940.º do Código Civil, a doação é um negócio jurídico “pelo qual uma pessoa, por espírito de liberdade e à custa do seu património, dispõe gratuitamente de uma coisa ou de um direito, ou assume uma obrigação, em benefício do outro contraente.”

 

A realização de uma doação de imóvel em vida (v.g. pai para filho) obriga que seja tido em conta as regras do direito das sucessões, nomeadamente no que toca à conservação da legítima dos herdeiros. Estas regras dizem, por exemplo, que só é possível dispor livremente de uma parte dos bens (quota disponível).

 

1.  Quota Legítima e Quota disponível

1.1 A quota legítima é a parte dos bens que terá de ser entregue aos herdeiros legitimários (v.g. cônjuge, pais e filhos). A proporção que cabe a cada um dos herdeiros, está estabelecida por lei. Estes parentes terão sempre salvaguardada a sua parte da herança.

1.2 Já a quota disponível diz respeito à parte dos bens de que alguém pode dispor livremente.

1.3 A doação em vida deve respeitar esta proporcionalidade da quota legítima e não pode beneficiar um herdeiro em detrimento de outro. Se, por exemplo, tiver dois filhos e se doar um imóvel a um deles, na partilha dos bens, este terá de devolver à herança o imóvel doado. Esta restituição, legalmente designada como colação, procura igualar a partilha entre os descendentes, quando tenham sido doados bens em vida a um deles.

1.4 No entanto, a colação pode ser dispensada pelo doador no ato da doação. Nesse caso, a doação é imputada na quota disponível da herança.

 

2. Usufruto

2.1 O doador tem a possibilidade de reservar para si, ou para terceiro, o usufruto dos bens doados, de acordo com o artigo 958.º do Código Civil.

2.2 Em termos práticos, o imóvel doado passa a ser propriedade do donatário, no entanto, o doador pode usufruir do mesmo, vitaliciamente.

 

3. Nulidade da Doação

3.1 É exigida escritura pública ou documento particular autenticado para a doação de bens imóveis, nos termos do artigo 947.º do Código Civil. Caso contrário, a doação é nula de acordo com o artigo 220.º do Código Civil.

3.2 Nos termos da legislação aplicável, são nulas as seguintes doações:

 

  1. Doações entre cônjuges quando o regime do casamento é o da separação de bens (artigo 1762.º do Código Civil);
  2. Doações feitas por maiores acompanhados aos respetivos acompanhantes ou administradores legais de bens (artigo 2192.º ex vi artigo 953.º do Código Civil);
  3. Doações feitas por alguém doente ao médico ou enfermeiro envolvido no seu tratamento (artigo 2194.º ex vi artigo 953.º do Código Civil);
  4. Doações feitas por um cônjuge à pessoa com quem cometeu adultério, exceto se à data da doação já estava dissolvido o casamento, ou os cônjuges estavam separados judicialmente de pessoas e de bens ou separados de facto há mais de seis anos.

 

4. Revogação da Doação

4.1 As doações podem ser revogadas pelo doador enquanto não forem aceites pelo donatário, conforme dispõe o artigo 969.º do Código Civil. Uma doação também pode ser revogada em caso de ingratidão ou quando se verifique alguma das ocorrências que justifique a deserdação (artigo 974.º do Código Civil).

 

5. Impostos

5.1 Do lado do doador a doação não está sujeita a impostos, mas da parte do donatário está sujeito ao pagamento de imposto de selo que correspondente a uma taxa de 0,8%, acrescida da taxa de 10%.

5.2 No entanto, é dispensado o pagamento da taxa de 10% se a doação do imóvel for feita ao cônjuge ou unido de facto, a descendentes ou ascendentes diretos.

 

6. Doações de Bens Móveis

6.1 Por sua vez, de acordo com o artigo 947.º, n.º 2 do Código Civil, a doação de bens móveis “não depende de formalidade alguma externa, quando acompanhada da tradição da coisa doada”.