O português que descobriu a Gronelândia...

20:01 - 24/06/2025 OPINIÃO
Paulo Freitas do Amaral Professor, historiador e autor
Em 1500, o navegador português Gaspar Corte Real, ao serviço da Coroa de D. Manuel I, atingiu a costa da Gronelândia, após explorar a região da Terra Nova. Este feito, praticamente ausente dos manuais escolares e do discurso político nacional, inscreve-se no contexto das navegações portuguesas do século XVI, que não se limitaram às rotas africanas, indianas e brasileiras, mas também alcançaram o Atlântico Norte e as zonas hoje pertencentes ao Canadá e ao território autónomo da Gronelândia, sob soberania dinamarquesa.
 
A expedição de Gaspar Corte Real representa um dos episódios mais ignorados da História de Portugal. Filho de João Vaz Corte Real, também ele navegador que terá visitado terras do Novo Mundo antes de Colombo, Gaspar terá sido um dos primeiros europeus a alcançar aquelas latitudes geladas. A historiografia internacional atribui a Portugal a exploração inicial de parte significativa da costa nordeste da América do Norte. Cartas náuticas portuguesas da época assinalam terras como “Terra do Labrador” e “Terra dos Corte Reais”, sugerindo um reconhecimento geográfico sistemático. Alguns estudiosos acreditam que a expedição de 1500, e a posterior de 1501, terão incluído incursões pela costa sudoeste da Gronelândia.
 
Este facto tem implicações que ultrapassam o plano simbólico. Se os países europeus reivindicam legitimidade cultural e histórica sobre territórios longínquos com base em episódios de presença passada — como a França em África, a Espanha nas Caraíbas ou o Reino Unido em partes da Ásia —, Portugal não pode abdicar de reconhecer e afirmar a sua própria presença no Atlântico Norte, realizada com séculos de antecedência sobre outras potências coloniais.
 
A Gronelândia, que nos últimos anos foi objeto de atenção internacional devido à proposta de aquisição por parte dos Estados Unidos durante a administração Trump, encontra-se hoje no centro de disputas estratégicas e económicas, nomeadamente pela sua posição geográfica e pelos recursos naturais por explorar. Neste contexto, importa lembrar que a presença portuguesa naquelas paragens é anterior à de qualquer outro Estado europeu moderno. Esta realidade não pode ser esquecida no plano da memória histórica, nem ignorada quando se discute o papel de Portugal no mundo.
 
A tradição diplomática portuguesa, construída sobre séculos de presença atlântica e diálogo intercivilizacional, deve ser acompanhada de uma política de afirmação histórica. Não se trata de alimentar revisionismos anacrónicos, mas de recordar que Portugal esteve presente, foi pioneiro e moldou a geografia do mundo com conhecimento, sacrifício e visão. A Gronelândia faz parte desse mapa alargado da nossa memória, e Gaspar Corte Real merece o reconhecimento devido por ter levado a bandeira portuguesa às extremas latitudes do planeta.
 
Em vez de esquecermos a nossa História, devemos estudá-la, documentá-la e valorizá-la, não como um instrumento de orgulho vazio, mas como expressão da nossa identidade e responsabilidade histórica. A Gronelândia, redescoberta hoje pelas grandes potências por razões estratégicas, foi descoberta por um português — e isso deve ser conhecido e afirmado com a dignidade que o facto merece.