Inquérito do Observatório Internacional de Microbiotas
Para Ana Santos Almeida, investigadora principal do Laboratório Translacional de Microbioma na Saúde e na Doença, GIMM, e professora na Universidade de Lisboa, esta é “uma oportunidade única” face a um recurso biológico acessível, não invasivo e que constitui uma “fonte extraordinária de conhecimento”.
De acordo com dados do terceiro inquérito do Observatório Internacional de Microbiotas, que envolveu a recolha de respostas de 11 países, 62% dos portugueses estão disponíveis para doar fezes para a investigação no âmbito da microbiota, nutrição e saúde, mais 3% do que a média dos restantes países. Portugal lidera também no interesse em integrar os testes de microbiota nos exames de rotina, como forma de prevenir ou atrasar a progressão de doenças.
Em vésperas de mais um Dia Mundial do Microbioma, que se assinala a 27 de junho, o Biocodex Microbiota Institute, plataforma internacional de referência e de especialização sobre a microbiota humana, divulga os resultados do novo inquérito internacional para chamar a atenção para a importância que os microrganismos têm no nosso corpo e que envolveu países como Portugal, França, Alemanha, Itália, Polónia, Finlândia, Estados Unidos da América, Brasil, México, China e Vietname.
Ana Santos Almeida, investigadora principal do Laboratório Translacional de Microbioma na Saúde e na Doença, (GIMM) e professora auxiliar da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa considera “surpreendente e, ao mesmo tempo, extraordinária” a abertura demonstrada pelos portugueses. Na sua opinião, a participação ativa das pessoas na ciência, como doadoras de amostras biológicas, ou integradas em projetos como os de ciência cidadã, é fundamental. Além disso, afirma que “ajuda a orientar a investigação para problemas concretos da sociedade e promove o pensamento crítico, a curiosidade e o conhecimento científico da população”.
De acordo com a investigadora, a criação de coleções de fezes em biobancos está em curso no nosso país. Contudo, revela que o maior desafio não é convencer as pessoas a doar uma única amostra, mas garantir doações ao longo do tempo, uma vez que essas são “as mais valiosas” em termos científicos. “Temos aqui uma oportunidade única: estamos perante um recurso biológico acessível, não invasivo e que é uma fonte extraordinária de conhecimento. Como costumo dizer, todos os dias temos à nossa disposição fezes, um material com enorme potencial para compreender melhor a nossa saúde”, sublinha Ana Santos Almeida.
Este interesse crescente reflete uma consciência cada vez maior sobre a importância da microbiota e o impacto que pode ter na nossa saúde. A microbiota é constituída por milhões de microrganismos — bactérias, vírus, fungos — que vivem em simbiose no nosso corpo. E não se limita ao intestino: existe também microbiota na pele, na boca, nos pulmões, no trato urinário e na vagina. Cada uma destas microbiotas desempenha funções específicas no equilíbrio do organismo. No caso da microbiota intestinal, núcleo essencial de regulação do sistema imunitário, qualquer perturbação, especialmente nos primeiros mil dias de vida, pode ter consequências irreversíveis na saúde futura.
O inquérito confirma também um interesse crescente pelos testes de microbiota: 62% dos portugueses mostraram-se disponíveis para fazê-los (média global: 61%) e 64% consideram que são úteis para um check-up de saúde (média global: 60%). No entanto, a investigadora alerta que, atualmente, a utilidade clínica dos testes de microbiota ainda é limitada. “Embora alguns já utilizem tecnologias de sequenciação de alta resolução, compreendemos ainda pouco sobre como modular espécies específicas da microbiota de forma segura e eficaz, e sobre como essas alterações podem impactar todo o ecossistema intestinal”, garante Ana Santos Almeida.
Como grande parte do microbioma humano permanece inexplorado, a aplicabilidade clínica individual dos testes de microbiota continua reduzida por falta de validação sólida científica. Contudo, acredita que, no futuro próximo, estes testes “poderão ter valor como ferramenta complementar de diagnóstico ou prognóstico”.
A investigadora explica que os avanços têm sido promissores em tratamentos baseados em estudos populacionais do microbioma, nomeadamente no contexto de infeções gastrointestinais e até na deteção precoce de alguns cancros. No entanto, frisa que os testes de microbiota disponíveis para o consumidor não têm valor clínico comprovado e não são regulados como os testes aprovados por entidades como a Agência Europeia do Medicamento e a congénere americana. “A ciência está a evoluir rapidamente e acredito que, num futuro próximo, estes testes terão um papel mais claro e fiável na medicina preventiva e personalizada”, salienta.
Interesse não se traduz em conhecimento
Apesar do interesse demonstrado pelos portugueses pela doação de fezes para investigação, o conhecimento sobre a microbiota em Portugal continua a ser dos mais baixos observados entre os países envolvidos no inquérito. Apenas 1 em cada 5 portugueses sabe exatamente o que significa a palavra microbiota (17%, valor estável face a 2023). Uma proporção inferior à média dos países inquiridos (23%). E mesmo os que sabem o que é e a importância que tem na saúde mostram-se menos disponíveis que os restantes países em adotar comportamentos que preservem a microbiota.
“Continuamos a ter dificuldade em adotar hábitos benéficos (o que comemos, a quantidade e diversidade da alimentação, o sedentarismo, o tabaco, os níveis de stress, etc.). Não basta fazer um teste fecal e conhecer a composição da nossa microbiota, se não estivermos dispostos a mudar comportamentos. Não há comprimidos milagrosos”, avisa a investigadora.
A seu ver, “é fundamental que o estudo da microbiota humana seja integrado desde cedo na formação dos profissionais de saúde”. Para Ana Santos Almeida, “é essencial aproximar a investigação científica dos clínicos, para que a informação mais atualizada chegue rapidamente às práticas clínicas e, consequentemente, aos doentes”. De facto, entre os que receberam informação de profissionais de saúde, o conhecimento sobre microbiota sobe de 17% para 31%, e 82% mudaram comportamentos de estilo de vida a nível global de resultados (vs. 49% da população portuguesa).
Outros dados do inquérito em Portugal
A consciência sobre a microbiota em Portugal continua a ser das mais baixas, sem melhorias ao longo do tempo.
Apenas 1 em cada 5 portugueses sabe exatamente o que significa a palavra microbiota (17%, estável face a 2023), um valor inferior à média de todos os países inquiridos (23%).
A diversidade das microbiotas continua a ser subestimada e pouco conhecida:
Microbiota intestinal: 21% (+1 ponto face a 2023, vs. 26% média global);
Microbiota vaginal: 17% (estável face a 2023, vs. 20% média global);
Microbiota cutânea: 14% (-1 ponto face a 2023, vs. 18% média global);
Microbiota oral: 14% (-2 pontos face a 2023, vs. 20% média global).
Os portugueses continuam a mostrar pouca evolução na adoção de hábitos benéficos para a microbiota:
49% afirmam ter alterado os seus comportamentos para manter a microbiota equilibrada e a funcionar de forma eficiente (+2 pontos face a 2024, vs. 56% média global);
Apenas 9% referem ter mudado muito (+3 pontos face a 2024, vs. 16% média global);
27% praticam regularmente atividade física (+5 pontos face a 2024, vs. 32% média global);
26% mantêm de forma consistente uma alimentação variada e equilibrada (+2 pontos face a 2024, vs. 31% média global);
22% limitam ativamente o consumo de alimentos processados (+2 pontos face a 2024, vs. 23% média global).
O "Despertar da Microbiota": impulsionado pelos profissionais de saúde:
9 em cada 10 pessoas (89%) consideram os profissionais de saúde como a principal fonte de informação fiável sobre microbiota (+1 ponto face a 2024, vs. 78% média global);
A informação fornecida pelos profissionais de saúde sobre a microbiota continua limitada, mas está a aumentar:
34% afirmam já ter recebido informação sobre a microbiota, o seu papel e as suas funções (+8 pontos face a 2023, vs. 42% média global);
Entre os que receberam informação dos profissionais de saúde pelo menos uma vez: 31% sabem exatamente o que significa microbiota (vs. 17% na população portuguesa em geral);
82% alteraram os seus comportamentos (vs. 49% da população portuguesa).
Observatório Internacional de Microbiotas realizou 7500 inquéritos em 11 países: Portugal, França, Alemanha, Itália, Polónia, Finlândia, Estados Unidos da América, Brasil, México, China e Vietname. Os resultados estão disponíveis no website do Biocodex Microbiota Institute. Os inquéritos foram feitos online, entre os dias 21 de janeiro e 28 de fevereiro, com amostras representativas de cada país e com quotas definidas para género, idade, região e profissão.
Consulte em anexo os resumos do inquérito internacional e a partir de dia 27 de junho no website do Observatório.
*Microbiota e microbioma
Dá-se o nome de microbiota ao conjunto de microrganismos que habitam no nosso organismo. Microbioma é a comunidade de microrganismos que habitam um determinado ambiente, inclui os microrganismos e os seus genes1.
1. Berg G, Rybakova D, Fischer D, Cernava T, Vergès MC, Charles T, Chen X, Cocolin L, Eversole K, Corral GH, Kazou M, Kinkel L, Lange L, Lima N, Loy A, Macklin JA, Maguin E, Mauchline T, McClure R, Mitter B, Ryan M, Sarand I, Smidt H, Schelkle B, Roume H, Kiran GS, Selvin J, Souza RSC, van Overbeek L, Singh BK, Wagner M, Walsh A, Sessitsch A, Schloter M. Microbiome definition re-visited: old concepts and new challenges. Microbiome. 2020 Jun 30;8(1):103. doi: 10.1186/s40168-020-00875-0. Erratum in: Microbiome. 2020 Aug 20;8(1):119. doi: 10.1186/s40168-020-00905-x. PMID: 32605663; PMCID: PMC7329523.
Por: PR INFLUENCER