André Magrinho, Professor Universitário, Doutorado em Gestão | andre.magrinho54@gmail.comAndré Magrinho, Professor Universitário, Doutorado em Gestão | andre.magrinho54@gmail.com
A criação de um Ministério da Reforma do Estado no segundo Governo de Luís Montenegro representa um gesto simbólico de renovação. No entanto, a realidade impõe-se com crueza: a reforma do Estado, no seu sentido mais amplo, é urgente, mas muito difícil de concretizar. A complexidade estrutural, os entraves legais e a resistência de grupos de interesses, a par de uma cultura de organização perversa baseada em “silos”, tornam-na quase inalcançável.
É essencial distinguir entre reforma do Estado e reforma da Administração Pública. A primeira envolve a redefinição do papel do Estado e das suas áreas de atuação. A segunda, mais concreta e urgente, foca-se na organização interna dos serviços públicos e na sua relação com os cidadãos e empresas, sobretudo na redução da burocracia, na simplificação de processos e licenciamentos, entre muitos outros. Apesar dos investimentos e na digitalização e modernização, o número de funcionários públicos continua a crescer, sem que haja uma redistribuição eficaz dos recursos humanos, dando a sensação de haver, ao mesmo tempo, funcionários a mais (que não são necessários) e funcionários a menos (que o Estado e a Administração Pública não conseguem atrair).
O verdadeiro desafio não é tanto tecnológico nem financeiro: é sobretudo humano. A Administração Pública precisa urgentemente de atrair e reter talento qualificado, algo incompatível com o atual modelo rígido de carreiras. O sistema atual protege, muitas vezes, a mediocridade e desmotiva a excelência. Jovens qualificados, que valorizam propósito, flexibilidade, reconhecimento e evolução, não se revêm numa carreira pública estática e burocrática. Para estes, a estabilidade não é um atrativo, mas sim um obstáculo à realização profissional. Nenhuma reforma será eficaz sem uma mudança profunda de mentalidades. A sociedade portuguesa construiu-se, nas últimas décadas, sobre uma perceção desequilibrada entre direitos e deveres. A crença de que tudo é devido, sem contrapartidas de esforço, responsabilidade ou ética, é insustentável.
A reforma possível e inadiável passa por premiar o mérito, reconhecer o desempenho, flexibilizar carreiras, quebrar a burocracia e reeducar para a cidadania ativa e responsável. Só assim será possível construir uma Administração Pública moderna, eficiente e capaz de servir verdadeiramente os cidadãos. Além disso, é fundamental valorizar a “inteligência do Estado”, a sua capacidade de análise, planeamento e decisão estratégica, como ativo essencial para o desenvolvimento. Um Estado inteligente é aquele que sabe usar dados, conhecimento e talento para antecipar riscos, proteger os seus interesses e garantir a segurança económica e estratégica do país. Num mundo instável e competitivo, esta dimensão é tão vital quanto a eficiência administrativa. Ultrapassar a cultura de “silos” onde departamentos e entidades operam de forma isolada, com pouca partilha de informação, exige plataformas digitais integradas, governação transversal com base em dados, projetos interministeriais, formação colaborativa e orçamentação por resultados. Só assim se constrói um Estado mais ágil, transparente e centrado no cidadão.