As três mulheres e os onze filhos de D. Afonso Henriques...

20:00 - 05/08/2025 OPINIÃO
Paulo Freitas do Amaral, Professor, Historiador e Autor
D. Afonso Henriques reinou durante cinquenta e sete anos, o mais longo reinado da História de Portugal. Foi mais do que um guerreiro ou um diplomata. Foi um construtor. Fundou o reino, afirmou a independência face a Leão e Castela, fortaleceu a ligação ao Papado, estabeleceu alianças com ordens religiosas e reconquistou território aos mouros com coragem, astúcia e persistência. Mas para lá da figura política e militar, existiu o homem: devoto, ambicioso e, como tantos senhores medievais do seu tempo, pai de muitos filhos — onze ao todo — de três mulheres distintas. Entre eles, um filho ilegítimo foi o mais velho, o mais corajoso e talvez o mais injustamente esquecido: D. Pedro Afonso.
 
Ao contrário da imagem simplificada que tantas vezes nos chega através dos manuais escolares, D. Afonso Henriques teve três mulheres conhecidas. Apenas uma foi sua esposa legítima: D. Mafalda de Sabóia, filha do Conde de Sabóia e descendente de famílias influentes do norte de Itália. O casamento realizou-se em 1146 e dela nasceram sete filhos legítimos: D. Henrique, que morreu em criança; D. Urraca, que foi rainha de Leão e mãe de Afonso IX; D. Teresa, que casou com Egas Moniz de Ribadouro; D. Mafalda, D. Sancho, D. Sancha e D. Branca — sendo estas últimas três figuras de vida religiosa, ligadas ao Mosteiro de Lorvão. Entre todos, foi D. Sancho I quem herdou o trono, tornando-se o segundo rei de Portugal, conhecido como “o Povoador”, por ter incentivado o repovoamento das terras conquistadas.
 
Mas antes de Mafalda, ou durante, Afonso Henriques teve outra mulher: Flâmula Gomes, dama da nobreza galaico-portuguesa. Com ela teve dois filhos: D. Afonso e, sobretudo, D. Pedro Afonso — o mais velho de todos. A sua ilegitimidade afastou-o da sucessão, mas não da História. Pedro Afonso distinguiu-se como guerreiro e administrador. Serviu o reino com bravura, governou terras com justiça e, apesar de ter ambicionado o trono após a morte da rainha D. Mafalda, nunca conspirou contra o pai nem contra o irmão. Foi leal até ao fim. O seu nome é apagado pelos séculos, mas o seu corpo repousa onde poucos têm esse privilégio: ao lado do próprio D. Afonso Henriques, no Mosteiro de Alcobaça. Um símbolo de reconciliação, honra e reconhecimento silencioso.
 
A terceira mulher foi Elvira Gualtar, figura mais discreta mas documentada como mãe de duas filhas do rei. Ambas casaram com nobres da corte, o que revela o papel estratégico destas uniões extramatrimoniais na afirmação da dinastia nascente e no equilíbrio de poder entre linhagens. De Elvira nasceram, segundo os estudos mais aceites, D. Urraca Afonso e D. Teresa Afonso — mulheres que, mesmo fora do casamento régio, serviram a política do reino através dos seus casamentos e descendência.
 
Ao todo, os onze filhos de D. Afonso Henriques espelham a complexidade e o pragmatismo do tempo medieval. Os sete filhos legítimos de D. Mafalda formaram a base da dinastia e da aliança com a Igreja. Os quatro filhos ilegítimos — Pedro, Afonso, Teresa e Urraca — ajudaram a consolidar o poder régio através da nobreza e da administração. Uns viveram como reis, outros como freiras. Uns morreram no silêncio das celas conventuais, outros tombaram nas campanhas da Reconquista. E houve um que, não tendo sido rei, foi digno de sê-lo: D. Pedro Afonso, o mais velho, o mais fiel e o mais ignorado.
 
D. Afonso Henriques foi o pai do reino. Não só pela espada, mas também pelo sangue. A sua descendência mostra-nos que a fundação de Portugal não foi apenas uma questão de batalhas e tratados — foi também uma rede de afetos, de lealdades e de escolhas difíceis. E se a História consagrou o rei fundador, talvez esteja na altura de reconhecer também o valor do seu primeiro filho. Não reinou, mas repousa com ele. E isso, na linguagem dos símbolos, diz tudo.