Igualdade adiada: a longa marcha das mulheres pelo poder em Portugal

15:00 - 12/08/2025 OPINIƃO
por Irina Mendes Martins (Advogada e Feminista por necessidade)

Desde o 25 de Abril de 1974, as mulheres em Portugal conquistaram direitos fundamentais que antes lhes eram negados — o voto livre, a liberdade de expressão, o acesso à educação e ao trabalho. Mas, meio século depois da Revolução, a verdade é incómoda: a igualdade plena continua adiada. A democracia abriu caminho, mas não escancarou as portas do poder. Hoje, ser mulher em Portugal é, muitas vezes, sinónimo de estar presente em todo o lado, menos onde se tomam as decisões.

As mulheres são a maioria da população, representam quase metade da força de trabalho e ultrapassam os homens em níveis de qualificação académica. Em 2024, mais de 59% dos trabalhadores com ensino superior eram mulheres, e cerca de 52% dos cientistas e engenheiras também. No entanto, esta presença esmagadora não se reflete nos lugares de decisão: apenas 34,7% dos cargos de gestão em Portugal são ocupados por mulheres, valor que, embora igual à média europeia, revela uma realidade estrutural — o poder continua desigualmente distribuído.

Na política, o cenário não é muito diferente. Apesar da existência de leis de paridade que obrigam a uma representação mínima de 33% nas listas eleitorais, as mulheres ocupam apenas 36% dos assentos na Assembleia da República. E mesmo nos governos que se dizem progressistas, a proporção de mulheres em cargos ministeriais raramente ultrapassa os 30%. Em cargos executivos de topo — sejam públicos, empresariais ou académicos — as mulheres continuam a ser exceção. Ainda são raras as reitoras, as CEOs, as presidentes de câmara.

Mais gritante ainda é a desigualdade salarial. Em 2024, uma mulher portuguesa ganhava, em média, menos 242 euros por mês do que um homem na mesma função — uma diferença que aumentou quase 72% na última década. A chamada “penalização da maternidade” agrava este fosso, penalizando mulheres que escolhem ser mães com salários mais baixos, menos promoções e uma carreira mais lenta. E mesmo entre as mulheres sem filhos, o tratamento desigual persiste. O que nos dizem estes números? Que o problema não é apenas cultural, é económico, estrutural, e sistematicamente ignorado.

Não basta apontar os avanços, é preciso reconhecer os bloqueios. A igualdade de género em Portugal existe no papel, mas falha na prática. Persistem barreiras invisíveis — o famoso “teto de vidro” — que impedem a ascensão feminina nas estruturas de poder. Ao mesmo tempo, um “chão pegajoso” mantém milhares de mulheres presas a funções subalternas, com pouco reconhecimento e menos perspetiva de progressão. E isto apesar de décadas de políticas públicas, discursos inspiradores e campanhas de sensibilização. A igualdade foi prometida, foi legislada, foi usada como bandeira política — mas, na prática, continua por cumprir

Portugal encontra-se hoje em 15.º lugar no Índice de Igualdade de Género da União Europeia. Não somos os piores, mas também estamos longe de ser exemplo. E o mais preocupante é que, ao ritmo atual, a paridade real poderá demorar mais 30 ou 40 anos a ser atingida. Estão a pedir-nos que aceitemos viver metade da vida em desigualdade, para que talvez a próxima geração conheça o que devia ser um direito garantido?

A resposta tem de ser política, institucional e cultural. Exige-se transparência salarial obrigatória, com sanções reais para empresas e entidades que discriminem. São necessárias quotas não apenas nas listas eleitorais, mas nos cargos de decisão executiva — tanto no setor público como privado. As universidades e centros de investigação devem comprometer-se com metas de paridade na liderança, e as políticas de conciliação trabalho-família têm de deixar de ser um favor e passar a ser um direito estruturado.

Acima de tudo, é preciso abandonar a ideia de que “as coisas estão melhores”. Melhor não é suficiente! Nenhuma democracia pode dizer-se completa enquanto mais de metade da sua população estiver ausente dos lugares onde se molda o futuro.

 

Portugal já esperou demasiado. Está na hora de fazer da igualdade uma realidade — não apenas um discurso.

Porque igualdade que se adia é desigualdade que se aceita.