ENTRE O SER E O DEVER SER

10:00 - 14/09/2025 OPINIƃO
Por: Padre Carlos Aquino | effata_37@hotmail.com

“Quem não toma a sua cruz para Me seguir, não pode ser meu discípulo”

Há símbolos que atravessam os séculos sem perder a força, e nenhum parece carregar tanto peso antropológico e espiritual quanto a cruz. A cruz que atravessa o homem não é apenas madeira erguida no alto de um monte distante. Antes de ser objeto de culto, foi instrumento de morte. Antes de ser ornamento no peito, foi madeira áspera em ombros feridos. É sinal gravado na carne da história, cicatriz da humanidade. Um instrumento de suplício que, pela fé, se tornou linguagem de amor. Para quem crê, a cruz não é apenas um vestígio histórico, mas uma lente através da qual se lê a vida, o sofrimento e a esperança. Do ponto de vista antropológico, a cruz é a condensação de uma experiência humana universal: a dor que nos ultrapassa e, ainda assim, nos constitui. Povos diferentes moldaram rituais para enfrentar o limite da existência: a doença, a perda, a finitude. A cruz, no cristianismo, torna-se rito e narrativa que dizem: o sofrimento não é a última palavra! Aquele madeiro, não é só um registo da violência, mas também a promessa de que a vida pode nascer do impossível.

Na experiência espiritual, carregar a cruz não se reduz a suportar um fardo. É um convite à travessia. Para quem crê, o gesto de Jesus transforma o peso em caminho, o escândalo em revelação. A cruz deixa de ser só madeira: torna-se chave para a vida, abre portas de sentido onde só havia muro, faz florescer caminho onde tudo parecia fim. Ela abre a compreensão de que cada dor humana, por menor ou maior que seja, pode ser atravessada por sentido, se for acolhida na lógica do amor. E aqui se encontra a dimensão paradoxal: a cruz não anula o sofrimento, mas também não o idolatra. Ela mostra que o coração humano não foi feito para escapar da dor, mas para transfigurá-la. O homem não nasce para escapar da dor, mas para transformá-la em linguagem de amor. Carregar a cruz é aprender que o que parecia derrota pode ser lugar de fecundidade. É, em última instância, uma escola do viver: onde o limite encontra a esperança e onde o humano encontra o divino. No fundo, cada crente descobre que a sua cruz é única, mas nunca solitária.

A cruz maior, aquela erguida em Jerusalém, inscreveu-se na memória coletiva da humanidade como sinal de que nenhuma dor precisa ser muda, e nenhuma morte precisa ser definitiva. Para quem crê, a cruz não repousa apenas no altar, repousa na pele dos dias. É o peso invisível que se carrega no silêncio das madrugadas, é a ferida que não se mostra, é a lágrima que rega a terra dura da vida.

Na sua sombra, a dor humana deixa de ser acaso, torna-se lugar de encontro. Carregar a cruz não é apenas suportar. É atravessar. É deixar que o peso seja também abraço, que a madeira áspera ensine ternura, que o sangue derramado se converta em nascente. No madeiro, o limite se curva diante da esperança, a morte se dobra ao mistério da vida. E assim, cada crente descobre: a sua cruz é única, mas nunca solitária. Pois na cruz maior, aquela erguida no Gólgota, o humano e o divino se entrelaçaram para sempre.