Caríssimos Caracóis, estimados irmãos,
Foi no silêncio de uma capela, nesse intacto espaço onde se desfaz a distância que separa a terra e o céu, apenas perturbado pela música do vento e da chuva, ao ver alguns congêneres da vossa família, que entraram nessa casa sagrada pelas frestas de um vitral partido, permitindo também assim poder sentir o cheiro fresco das águas de outono, que decidi trazer-vos ao meu coração e dirigir-vos estas palavras, nascidas de um profundo e parado olhar em contemplação. Suspenso sozinho no teto, aventureiro aberto à esperança, deixava avistar apenas a sua concha, símbolo de um universo que ousa experimentar a prodigalidade do amor do divino, entretido a olhar o Cristo elevado no madeiro sendo também olhado por alguns dos seus, parados na frescura dos vidros, a anunciarem abundância e riqueza.
Nesse momento senti como que o cruzar-se do excesso do dom e a fragilidade do mundo e do seu chão. Quase se podia garantir no cruzamento desses olhares que reciprocamente se atraíam a prosperidade e a paz. Na sua humilde pequenez parecia ensinar-me que no caminhar peregrino da vida, quer se esteja a passar por bons ou maus momentos, deve seguir-se sempre em frente. A nossa existência não pode e não deve ser mantida por uma tépida e incapacitante indecisão, indiferença e conformismo.
Com confiança, devemos aprender a caminhar. Recomeçando sempre. Decididamente. Parecia me ensinar a ser humilde na vitória e nobre na derrota, e a compreender que o que sobe tem de descer. É sempre preciso ficar com os pés assentes na terra e não se deixar levar nem pela euforia do sucesso nem pela dor do fracasso. Calado ensinava-me a paciência e a resiliência. De facto, a vossa vida ensina-nos tanto! A não vivermos na pressa e na ansiedade, que não raras vezes, um ritmo lento, mas constante, perseverante, garante que não se tropeçará pelo caminho. Assim se evitam quedas e feridas. Vós nos convidais a que não nos esforcemos desnecessariamente para tentar acompanhar os outros, comparando-nos com eles, a cultivar invejas e ciúmes, porque cada um é único, necessário e importante. A cultivarmos pensamentos profundos e ao mesmo tempo muito intuitivos.
A trabalhar arduamente para alcançar estabilidade e segurança. Pareceis ser muito silenciosos e reservados, mas sois, na verdade, sensíveis e emotivos por dentro. Não mostrais aos outros o que realmente sentis tudo guardando na vossa concha, mas ensinais que para sair dela é necessário coragem e determinação. Que importa saber aproveitar o tempo e valorizar as pequenas coisas da vida. Vós nos incentivais permanentemente à introspeção e à autoconsciência. Não por acaso, a vossa forma espiral geralmente representa o caminho do crescimento e da evolução espiritual. Do alto, um dos vossos parecia segredar-me a importância de não gastar tempo apenas a vistoriar a terra, mas a saber perder os meus olhos na vastidão dos Céus, que o crucificado parecia abraçar e oferecer com os seus braços abertos. Nessa tarde, um pequeno e frágil caracol voltou a segredar-me, que a paciência tudo alcança, que Deus não muda, mas que é necessário tempo, fé, amor e perseverança.