Joaquim Bispo, escritor diletante, http://vislumbresdamusa.blogspot.com/

Desde pequeno que Armindo era metido consigo. Deambulava pela mata de Montes Claros ou então isolava-se na biblioteca do Centro Paroquial, a ler poesia. Nas costas do cartão de leitor escrevera:

“Vagueio por um mundo que me não conhece

A minha alma anseia o além”

Pelos dezanove anos, começou a namorar uma vizinha, que achava graça ao seu ar desajeitado. Certa tarde, sob uma tília, ele recitou-lhe um poema seu, como se fosse de Cesário Verde. Começava assim:

“Olhaste-me graciosa e prazenteira

Como se eu fora de todos o mais nobre…”

Passado um ano, Alcina passou-se para o filho do dono da serralharia. Foi um rude golpe para Armindo. Alguns diziam que foi aí que o moço desatinou e passou a andar sempre com um bolso cheio de rolhas de cortiça. Por essa altura, escreveu numa folha de tília:

“O poema só brota nos peitos esfacelados”

Uns meses depois, um tio entusiasmou-o para jardineiro do Jardim Tropical. O contacto com as plantas e os animais, a perceção dos seus ciclos, faziam-no sentir-se em comunhão com o mistério da Natureza. Escrevia:

“Deixa a palmeira para a algazarra dos pardais

e a araucária para o bulício dos demais!

Na paz do dragoeiro faz, melro, o teu poleiro!”

Em breve o encarregaram dos viveiros, onde pode trabalhar sozinho, como gosta. Prepara as leiras, semeia e cobre as sementes, identifica as plantações; quando germinam, rega as pequenas plantas, transfere-as para vasos ou canteiros e cuida delas até serem mudadas para o ar livre.

Enquanto isso, a sua mente arquiteta frases, avalia rimas e sonoridades, sobretudo ausculta o coração. Depois, à hora de almoço, senta-se num banco e verte num caderninho o que o íntimo lhe inspira:

“Todo o caule por minhas mãos tange

O aloendro murmura e range”

No fim do dia, à beira-Tejo, enrola a folha com o seu pequeno poema, ata-a com um junco seco, mete-a numa garrafa de vidro e veda-a com uma das rolhas. Então, atira-a com força ao rio. Solene, fica a observá-la, primeiro com o gargalo a esbracejar, depois, num suave gesto de adeus a deslizar lentamente em direção ao mar.

À noite, gosta de imaginar que, lá longe, numa praia remota, alguém, vagueando ao sabor dos seus pensamentos solitários, encontra uma das suas garrafas e lê:

“Pensa em mim, assim nos vamos encontrar!”

E adormece mansamente.