Carta aberta já dirigida aos Deputados do PSD eleitos pelo Algarve, Cristóvão Norte, Rui Cristina e Ofélia Ramos, em jeito de desabafo mas sobretudo de retrato do sentimento atual de muitos empresários algarvios e seus colaboradores, para os quais as ajudas não chegarão a tempo.

As guerras não se fazem sem baixas. Seremos uma delas.

Os números, medidas e prazos do Governo são coerentes, legítimos, seguros mas sobretudo carregados de boas intenções - para muitas empresas e para os seus trabalhadores ficar-se-ão por aqui. Uma narrativa bem construída, disposta a auxiliar um tecido empresarial saudável antes da chegada de rompante do vírus. Outras, como nós, estão à partida condenadas a encerrar, sem conseguir amparar as famílias que de si dependem, não por falta de vontade determinante na manutenção dos postos de trabalho e dos rendimentos dos seus colaboradores que, mesmo que amputados em 1/3, são imprescindíveis para a sua subsistência. Sim, partilhamos com os legisladores desta crise essa mesma vontade, mas as medidas de apoio às empresas deixam-nos já a 31 de março excluídos dos critérios de elegibilidade que em pouco mais de 15 dias se tornaram in cumpríveis.

Poderíamos apresentar-nos em detalhe – dizer por exemplo que somos uma empresa do sector da restauração, com 7 restaurantes todos localizados a sul, particularmente expostos de forma crónica à sazonalidade; que dependíamos da receita diária para fazer face aos compromissos com fornecedores, trabalhadores, bancos e, naturalmente, com o Estado Português na prestação dos devidos impostos e contribuições; que de nós e da nossa operação diária dependiam (e ainda dependem) 112 famílias, maioritariamente residentes no Algarve, cuja principal indústria é o Turismo e que não terão, nos próximos meses, qualquer alternativa de trabalho disponível; que já antes da crise sanitária, vivíamos sim uma situação financeira fragilizada, sem almofadas de tesouraria, mas economicamente viável e em crescimento, com boas perspetivas de sairmos desta linha de água já a partir da próxima Páscoa, momento que marcaria o início da época alta e nos daria o folgo definitivo. Mas o COVID-19 chegou a Portugal pouco depois do carnaval e o nosso calendário promissor foi drasticamente interrompido.

A 11 de março, com o mapa de pagamentos a priorizar já a dia 15 o pagamento do IVA, no nosso caso mensal, o prenúncio da pandemia e do estado de emergência nacional traz-nos de forma imediata uma quebra de faturação não de 20, nem de 40, números que durante alguns dias de revestem de extrema importância, mas sim de uns expressivos 80% - daqui aos 100% de total paralisação passam poucos dias, antecipando mesmo o decreto de 20 de março, antes do qual já não existiam nem clientes, nem receitas. Mas o calendário continuava a avançar em direção ao fim do mês, com os trabalhadores já afastados dos seus postos de trabalhado entretanto encerrados, com muitas inquietações e dúvidas cujo esclarecimento procuravam angustiadamente junto da sua «entidade patronal» que, também angustiadamente, lhes pedia alguma serenidade pois não tinha respostas – a única certeza comum era que o fim do mês de aproximava dia após dia, a um ritmo diferente, vertiginosamente mais rápido, do que as respostas concretas de que todos precisávamos.

Em meio às incertezas partilhadas e anúncios de medidas que geravam ainda mais dúvidas e incertezas, carecendo de reajustes, clarificações, revisões, o fim do mês chegou. E com ele algumas certezas que não as melhores para nós. Certeza número 1 - dos critérios de acesso às medidas, há um comum e intransponível, quer na aplicação do famoso Layoff simplificado, quer na candidatura às linhas de crédito: as empresas têm de ter a sua situação fiscal e contributiva regularizada. Tudo bem; afinal as empresas tinham beneficiado da suspensão do pagamento das contribuições à segurança social a 20 de março, cuja data de pagamento seria anunciada mais tarde, o que no nosso caso concreto seria imprescindível para cumprirmos com o critério. É então que chega o anúncio da Certeza número 2 – o pagamento de 1/3 das contribuições que tinham ficado suspensas, às quais se soma o devido e intocável pagamento das quotizações dos trabalhadores, têm de ser liquidados até dia 31 de março (no nosso caso concreto, correspondente a uns bons milhares de euros).

Ainda na ótica dos pagamentos imprescindíveis para sermos admissíveis às linhas de apoio Covid-19, temos a Certeza número 3 – a situação de créditos bancários também tem de estar regularizada, sem registo de moras ou incidências. Impõem-se portanto mais umas quantas obrigações de pagamento ainda no já longo mês de março, sem as quais somos excluídos dos apoios.

E se o mês já parecia demasiado longo, sem entradas de receitas que permitissem ir acomodando as obrigatoriedades de pagamento, imediatas e inadiáveis, eis que nos chega a Certeza número 4 - as transferências ao abrigo do Layoff chegarão a 28 de cada mês, com início em Abril, aliás, como de resto se tornou evidente no calendário das medidas anunciadas. Só em finais de Abril estará disponível a uma parte das empresas o acesso aos apoios que apregoam a necessária liquidez “imediata” de que tanto carecem, e isto num bom cenário de processos agilizados, submetidos sem entraves e sem negociações com a banca.

Finais de abril portanto. Estamos a 30 de março. Temos salários para pagar. Famílias que dependem deles porque, tal como nós, também não têm almofadas financeiras de tesouraria. As moratórias dos empréstimos à habitação e o impedimento da suspensão dos contratos de arrendamento são uma realidade para quem está num regime “formal” e todos conhecemos a precariedade das condições de arredamento generalizada de boa parte das famílias.

Estamos a 30 de março. Não temos dinheiro para pagar salários. As dúvidas que, apesar de inquietantes, comportavam réstias de esperança ficaram duramente esclarecidas.

Não estamos ON. Estamos OFF. Vamos parar.

 

Daniela Nogueira

Empresária. Co-proprietária junto com o marido de uma empresa de restauração sedeada em Faro. Grávida de 7 meses e com o nascimento da 3ª filha previsto para o pico da epidemia em Portugal. Até lá, continuarei a lutar pela continuidade da empresa e pela manutenção dos seus postos de trabalho.

 

Por: Wow Foods