Desde a formação em Arqueologia, passando pela grande paixão pela Museologia, Dália Paulo é uma Diretora Municipal que acima de tudo aposta na equipa que coordena e cuja missão é implementar a estratégia definida pelo Executivo Camarário nas diferentes áreas que dirige.

Museóloga e Gestora Cultural. Comissária do Programa “365 Algarve”, integrou o Gabinete do Secretário de Estado da Cultura.

Mestre em História da Arte Portuguesa pela Universidade do Algarve. Pós-graduada em Arqueologia Romana e Licenciada em História, Variante de Arqueologia pela Universidade de Coimbra.

Dirigiu o Museu Municipal de Loulé, foi Diretora de Departamento de Desenvolvimento Humano e Coesão e ainda Chefe de Divisão de Cultura e Património da Câmara Municipal de Loulé.

Presidente da Direção da Acesso Cultura no Triénio 2016/2019. Membro da Direção da Comissão Nacional Portuguesa do ICOM no Triénio 2014/2017.

Foi Diretora Regional de Cultura do Algarve de 2009 a 2013. Foi Diretora do Museu Municipal de Faro (2002 a 2009) e Diretora da Revista MUSEAL de 2006 a 2009.

Foi uma das ideólogas e fundadoras da Rede de Museus do Algarve (2007) e da Rede AZUL, de Teatros do Algarve (2016). Especialista convidada da Universidade do Algarve em diferentes Mestrados.

Diretora Municipal na Câmara Municipal de Loulé, desde dezembro de 2017.

Participa na Rede Portuguesa de Museus onde Integra o Grupo de trabalho para repensar a Rede.

 

A Voz do Algarve - Como é o dia-a-dia de uma Diretora Municipal?

Dália Paulo – (risos) Eu diria que é um dia desafiante e muito interessante porque as Direções Municipais têm a beleza de abranger várias áreas pelo que o nosso dia não é nada monótono.

Estamos a fazer sempre várias coisas, ou seja, tanto posso estar a trabalhar com a biblioteca como posso estar a trabalhar com o Museu ou a trabalhar com a área do urbanismo ou da gestão de pessoas e, portanto, é um dia muito preenchido, mas é um dia como eu gosto.

Eu gosto de pessoas e gosto muito de mediação e de ser facilitadora, um Diretor Municipal é sobretudo um facilitador de projetos, de encontros entre pessoas, temos de ter a sensibilidade para perceber e juntar pequenos projetos para os transformar em projetos de maior relevo.

É esse muito o papel de um Diretor Municipal ter essa capacidade de ouvir de escutar e a partir daí construir, mas sobretudo construir behind the scene, ou seja, atrás do palco.

 

VA - Antes de ser Diretora Municipal, de vir para esta função, sabia que era assim ou tinha outra ideia deste trabalho?

DP - Sim, sabia que era assim. Sabia quais eram as funções, sabia que era uma função ao nível mais de estratégia do ponto de vista de execução da estratégia de um Executivo Municipal e de fazer acontecer aquilo que é essa estratégia.

 

VA - Fale-nos um pouco do seu percurso profissional, até chegar à função de Diretora Municipal da CM Loulé. Conseguiu concretizar sempre os seus objetivos e conseguiu deixar a sua marca por onde passou?

DP - Eu sou uma servidora pública e adoro, adoro, não me vejo a fazer outra coisa do que ser servir. E comecei muito cedo, comecei aos 21 anos na Câmara Municipal de Faro a ser servidora pública e o que eu tenho gostado sempre é de perceber aquilo que nós podemos transformar; os servidores públicos existem para pensar o território e como delegar várias vontades pelo bem comum e pelo bem público.

Tive a sorte imensa de ir trabalhar para a CM de Faro, mas para um Gabinete muito específico, que foram os Gabinetes criados nos anos 90 que se chamavam Gabinetes Técnicos Locais que trabalhavam as questões de reabilitação urbana e que eram compostos por Técnicos de diferentes áreas, que trabalhavam de forma multidisciplinar, ou seja, eu fui trabalhar para uma sala em que estava um historiador de arte, uma arquiteta, uma engenheira e eu, arqueóloga que é a minha formação base e isso foi muito importante, porque aqueles Gabinetes trabalhavam de forma holística o centro histórico, ou seja, nós víamos a questão das pessoas, do patrimônio, da arquitetura, mas nunca isoladamente, víamos sempre em grupo e sempre em conjunto.

Com estas funções e, como tenho muitos defeitos e um deles é que gosto muito de trabalhar e sou uma apaixonada por aquilo que faço, as pessoas às vezes dizem “ai... mas tu fizeste tantas coisas diferentes, gostaste de tudo o que fizeste?” e eu só posso dizer que sim, pois gostei mesmo de tudo o que fiz nas diferentes áreas e nos vários sítios que fui passando.

 

VA - Mas nem todos encaixam nesse perfil…

DP – Claro, nem todos gostam, mas eu gosto muito de ouvir as pessoas e de as escutar e, portanto, a partir daí foi um percurso muito giro, pois estive um ano e meio nesse Gabinete e depois fui desafiada pelo meu chefe, ele não era o chefe formal, mas o informal, a chefe era a arquiteta Conceição Pinto e o chefe informal era o professor Francisco Lameira, bem conhecido por todos nós, pois era grande historiador do nosso Algarve, fomos convidados a ir para o Museu de Faro, isto um ano e meio depois, para fazer a reestruturação do Museu e, a partir daí a minha vida mudou.

 

VA - Mudou em que sentido?

DP – Mudou porque a partir daí apaixonei-me, eu era arqueóloga e fazia o trabalho de arqueologia, apesar de sermos uma equipa muito multidisciplinar, mas a partir daí encantei-me pela museologia, achei que realmente a museologia permitia-me fazer mais do que se fosse só arqueóloga.

A partir desse momento em que fui para o Museu de Faro comecei a investir na área da museologia e comecei a estudar, e depois tive a sorte de, com 26 anos, ser convidada para dirigir um Museu com mais de 100 anos, o Museu de Faro, e foi um desafio enorme.

Eu era das pessoas mais jovens da equipa, mas foi um desafio muito interessante e agradeço sempre à professora Helena Louro que foi a pessoa que me desafiou e confiou em mim e daquelas pessoas que sabe confiar, ou seja, dá autonomia de trabalho, que me deixou voar, o que fez que em 2005 o Museu de Faro ganhasse o prêmio de melhor Museu Português,

Fui convidada para a Direção Regional da Cultura (DRC) depois num momento muito difícil, os orçamentos eram baixíssimos e a Direção tinha perdido quase 100 pessoas. Quando chego lá a Direção Regional tinha 70 pessoas.

Eu estive na DRC de 2009 a 2013 e foi um grande desafio e é muito interessante e acho que todos deviam ter a possibilidade de pensar Local, depois Regional e depois pensar Nacional para perceber os vários níveis e perceber a beleza das diferentes administrações.

 

VA - Mas qual é a sua matriz?

DP - A minha matriz é claramente uma matriz Municipal porque é onde eu faço acontecer e vejo o sorriso e os olhinhos a brilhar das pessoas, porque quando eu estou a um nível Regional, estou a um nível mais distante é um nível mais estratégico e claro que, como eu venho da arqueologia sou uma pessoa de terreno não sou uma pessoa de Gabinete, sou uma pessoa que para conseguir pensar necessita de estar no terreno para ver.

 

VA - …não é teórica, ou Diretora de Gabinete…?

DP - Não, gosto das “mãos na massa” e gosto de estar no terreno e portanto os níveis Regionais e Nacionais são níveis mais estratégicos e mais distantes das pessoas, claro que, são importantíssimos, fazem coesão territorial e a coesão do País, mas é muito importante ter esta noção das várias escalas: a Local, a Regional e, depois a Nacional e eu tive a sorte de ter isso tudo porque depois da Direção Regional, vim para Loulé, estive em Loulé 2 anos e meio e depois tive que voar outra vez no sentido de abraçar um projeto Nacional chamado 365 Algarve. O maior desafio da minha vida, foi mesmo um desafio muito, muito grande, mas foi muito interessante e só foi possível fazer aquele desafio porque gosto muito de conhecer a realidade Regional mesmo trabalhando no local, ou seja, eu sempre que estou nas autarquias nunca consigo trabalhar só o território tenho que perceber o conjunto da Região para não dizer do País para não dizer do Mundo.

É sobretudo perceber que a Região só se fortalece se nós formos complementares. E faz todo o sentido sobretudo na área da Cultura perceber as dinâmicas Regionais para acrescentar valor às dinâmicas que já existem.

A questão das redes é-me muito cara e eu tenho muito orgulho de ter pertencido à fundação das duas redes. Existem de Bibliotecas e de Arquivos, mas há a Rede de Museus e a Rede de Teatros do Algarve, e eu ter estado na origem dessas duas, porque acredito mesmo que só assim é que nós podemos dar o contributo maior e, aliás trabalhar Cultura tem que ser trabalhado desenvolvimento da Região não posso trabalhar um só.

 

VA - Sendo a museologia e a arqueologia, áreas de difícil compreensão e interiorização para os menos interessados nesta matéria, acredita que consegue passar e descodificar a sua mensagem para que esta seja de fácil entendimento pela população em geral e pelos jovens levando-os no futuro a interessarem-se mais por estas temáticas?

DP - Eu acredito que tento fazê-lo. Se consigo ou não, não me cabe a mim dizer, mas tenho tido feedbacks muito engraçados. Dos primeiros trabalhos que fiz ainda no tal Gabinete Técnico Local, foram visitas guiadas ao Património do Concelho e aprendi logo muito com essas primeiras visitas porque nós achamos que estamos a explicar muito bem e eu estava a fazer uma visita guiada a Milreu, entusiasmadíssima, com os meus 21 aninhos,  com miúdos da primária ou do 5ºou 6º ano, a dizer aqui, ali, a explicar a casa e um menino chega-se ao pé de mim e diz-me assim: - “Olha, mas eles não tinham telhado?” , e eu pensei “ah, olha, que já aprendi aqui alguma coisa” e a partir daí claro que vamos reformulando o discurso, mas sempre foi uma coisa que me inquieta, mas que eu sempre acho que nós quando cumprimos a nossa função social e a nossa função social é passar a mensagem ou então não estamos a fazer nada.

Sempre fiz muita formação naquilo que é a linguagem clara para os Museus, sempre fiz muita questão de adaptar o meu discurso oral aos públicos que estão à minha frente.

Eu costumo dizer que o patrimônio tem de fazer o caminho que o ambiente fez.

O ambiente começou a conquistar pelos mais pequenos, pelas escolas e hoje em dia é quase uma realidade que todos nós defendemos.

O Patrimônio também tem muita questão da educação feita, mas ainda não está alargada como o ambiente e é fazer esse caminho, fazer o caminho de chegar às pessoas porque eu só consigo defender aquilo que amo e aquilo que conheço.

Eu não consigo amar aquilo que não conheço.

Se eu olhar para a Igreja Matriz e não tiver empatia com a Igreja Matriz eu não posso querer que as pessoas a defendam.

Ainda há muito trabalho a fazer, mas esse trabalho é muito interessante.

Eu costumo dizer como sou da Cultura e do Sporting tenho muita paciência estou acostumada às frustrações, mas sou muito feliz e não quero deixar de ser da Cultura e do Sporting… (risos).

 

VA - Qual o papel da museologia para o desenvolvimento do Turismo Cultural no Algarve?

DP - Acho que é fundamental, ou seja, a museologia pode ter aqui um papel determinante porque trabalha as questões de um Patrimônio que está cá 365 dias por ano, ou seja, eu posso vir ao Algarve visitar os Museus e ver o Patrimônio fora daquilo que se chama a época alta, portanto o trabalho dos Museus podemos dizer do Patrimônio Cultural em geral e se for bem trabalhado,  ele é um ativo de desenvolvimento fabuloso porque tem a questão do emprego, se eu trabalhar o Patrimônio cultural eu dou emprego qualificado portanto, atraio mais pessoas qualificadas à Região, os museus e os monumentos têm de estar visitáveis, acessíveis, com rotas para depois criar emprego do ponto de vista do turismo, ou seja, empresas que criem rotas.

 

VA – O turismo cada vez tem mais atrações, antes era só sol e praia, depois o Golfe, vieram os vinhos, depois a gastronomia… e entre outros, agora a cultura…

DP – Obviamente que ninguém quer acabar com o sol e a praia, mas nós que trabalhamos com as outras áreas, queremos ser complementares àquilo que é o sol e a praia.

Todos nós somos turistas, todos nós gostamos de ir à praia, mas houver outra coisa para além da praia, a pessoa também adere e, para os demais que preferem férias mais tranquilas, contam com uma oferta durante todo o ano.  Há aqui um trabalho que o 365 Algarve efetivamente pretendia também reforçar, que é contribuir para um desenvolvimento Regional que não seja assimétrico ao longo do ano e que possa ser regular.

 

VA - Como Diretora Municipal, que áreas coordena e quais os seus principais objetivos?

DP - Os meus objetivos não são meus, são do executivo. Na minha área tenho a Direção Municipal constituída basicamente por 4 áreas distintas. A Direção Municipal é sobretudo aquele cargo que faz acontecer a estratégia do executivo. Tenho duas áreas, muito internas, que são o jurídico-administrativo e o financeiro e a administração no financeiro, onde está também a divisão de gestão de pessoas, portanto a massa interna da Câmara. Nessas áreas o que podia destacar é também na Direção Municipal o Plano de Prevenção de Corrupção e Infrações Conexas, o Plano de Igualdade de Gênero e não Discriminação todas as questões ao nível das medidas de conciliação entre a vida pessoal, profissional e familiar, todas as questões ao nível do que é a segurança do trabalho e a realização de ações para que as pessoas tenham mais conforto no trabalho destacaria essas como internas e como estão na área da Direção Municipal sendo que depois elas têm todas os seus dirigentes eu sou apenas a mediadora e facilitadora para as coisas acontecerem. Tenho também nesta Direção Municipal o Urbanismo, o Departamento de Administração e Planeamento do Território, onde destacaria a questão do PDM. Esse trabalho já está finalizado, foi muito interessante, é um trabalho de auscultação, ouviu-se professores, associações, a sociedade civil ao nível das associações culturais e desportivas, depois no dia-a-dia dos processos de urbanismo que permitem dar resposta aos investidores no território. Isso é fundamental porque não há território sem investimento, falta ainda referir o departamento de informática que também está na Direção Municipal.

Esses são os Departamentos, os quatro Departamentos que estão nesta Direção Municipal, e depois temos as áreas da Cultura, que não têm Departamento e que estão diretamente relacionadas com a Direção Municipal, onde temos a Divisão de Biblioteca, Divisão de Arquivo e Documentação, a Divisão de Economia Local, Comércio e Turismo, a Divisão de Cultura, Museu e Património, a Unidade Operacional da Arqueologia e Museologia e a Divisão de Eventos.

 

VA - E como é que saltamos para o Cineteatro? Tendo em conta as suas vastas funções enquanto Diretora Municipal, o que significa para si o trabalho que está a desenvolver no Cineteatro?

DP - O Cineteatro é um dos que até há bem pouco tempo não estava diretamente comigo, não tinha unidade orgânica. Agora está dependente da Divisão de Eventos e Cineteatro.

O Cineteatro anteriormente estava na Divisão de Cultura, Museus e Património, portanto, foi logo uma das funções que tive quando cheguei à Câmara pela primeira vez.

O Cineteatro é um cartão de visita desta cidade, é a nossa sala de visitas.

É uma sala de visitas que tinha reaberto há muito pouco tempo. Reabriu em 2010 após obras de profunda remodelação, com um trabalho que era de muita qualidade. Temos de ter a capacidade, quando chegamos a algum sítio, de perceber o nível onde as coisas estão e perceber daqui para cima onde as podemos fazer crescer e não ao contrário. Não podemos destruir tudo o que já foi feito para depois, quando sairmos, ainda estarmos no mesmo nível. Foi muito bom pegar no Cineteatro porque ele tinha efetivamente um trabalho já de excelência e desse ponto de vista identificamos duas áreas que precisavam de ser intensificadas, que era na relação com a comunidade, havia ainda um distanciamento muito grande, quer da comunidade artística local, quer do público em geral, mas também isso só significa que o Cineteatro só tinha dois anos de estar reaberto e, portanto, não se fazem públicos em dois anos. É preciso ter consciência disso.

A questão das associações locais também foi outra questão interessante, retomámos a bolsa de apoio ao teatro, que, entretanto, tinha sido interrompida, porque estávamos naquela fase que todos nós não queremos recordar e abrimos a sala do Cineteatro também às associações locais e isso foi muito importante.

E depois ganhamos também aqui com o trabalho do Cineteatro e com um bocadinho do trabalho da Câmara na área da cultura em geral, uma felicidade muito grande que é aumentarmos as companhias profissionais no território.

Neste momento temos cerca de 6 espetáculos por temporada com língua gestual portuguesa e audiodescrição. E isso tem sido fundamental para atrair os públicos, ou seja, para desmistificar um bocadinho a questão da arte.

Portanto, temos a comunidade, temos a mediação e a terceira área que é uma das mais difíceis de trabalhar que é a dança.

A dança também era uma área pouco programada e temos arriscado sobretudo num conceito de dança mais alargado, não só na dança clássica, mas também na dança contemporânea.

Recordo que no Dia Mundial da Dança no passado dia 27 de março a Olga Roriz, fez a sua estreia no Cineteatro onde envolveu mais de 50 pessoas da comunidade, ou seja, estavam 50 louletanos a dançar com os artistas profissionais.

 

VA - Quantas pessoas trabalham diretamente consigo e em particular no Cineteatro Louletano?

DP - Somos uma equipa... é uma equipa maravilha. É uma equipa apaixonada, que adora o que faz. Temos em permanência 8 pessoas, mais os técnicos de luz e som que é uma contratação à parte.

Desde a programação à produção, aquilo tem uma linha, é quase como se fosse uma linha de montagem de uma fábrica.

A equipa é toda muito diferente e temos a capacidade de discutir ideias, ou seja, pomos tudo em cima da mesa, e não há ideias certas nem erradas, ou seja, há caminhos.

 

VA - Qual a importância de ter um Cineteatro numa cidade/ localidade?

DP - É fundamental, diria eu. Começando pelo Cineteatro é, sobretudo, cumprir a constituição que é o acesso à Cultura.

Loulé é um sítio com muita relação com a cultura, aliás se há coisa que distingue Loulé de muitos outros Municípios, é o salutar Bairrismo que eu acho lindíssimo.

Um amor muito grande à terra e é muito bonito de ver e é muito bonito construir. Construir esse orgulho louletano, porque isso vai-se construindo, as novas gerações já têm orgulho de ser Louletanos...

Foi muito giro quando fizemos a exposição em Lisboa no Museu Nacional da Arqueologia, ver as memórias e identidades, ver miúdos e graúdos, os comentários que nos deixavam lá ou aqueles que nos diziam logo nas visitas orientadas, ... as pessoas ficavam cheias de orgulho da sua terra, é lindo ouvir... Nós somos isto, nós temos isto...

É um orgulho imenso e foi muito giro. E é dessas pequenas coisas que nós temos de ir fazendo a identidade, porque a identidade constrói-se a cada dia, não se compra e nem é imposta. A identidade é uma coisa que vai nascendo dentro de nós.

 

VA - Após 90 anos de existência, como se tem adaptado o edifício a nível estrutural e de acessos para conseguir continuar a desempenhar a sua nobre função?

DP - Só em 2005 é que a Câmara comprou o Edifício do Cineteatro, apesar de já fazer a gestão do mesmo há muito tempo.

O Cineteatro nasceu da vontade dos homens bons da Terra, de querer dar a Loulé aquilo que viam noutras cidades, porque eram homens viajados, comerciantes, empresários, que viajavam muito e que quiseram trazer para Loulé duas coisas fundamentais; A Avenida José da Costa Mealha e o Cineteatro Louletano.

Esta Avenida não existia noutras cidades, era uma Avenida completamente diferenciadora, marcava Loulé e onde é que se implementa o Cineteatro Louletano? Na Avenida. Claro,

O Cineteatro sempre foi muito importante para a vida cultural louletana.  Por aqui passaram desde a primeira hora os artistas de renome nacional que vinham a Loulé e que vinham a este nosso Cineteatro.

Portanto, houve aqui uma mudança antes do Cineteatro e depois do Cineteatro. Loulé passou a fazer parte da vida cultural do Algarve e do País logo desde muito cedo.

Fez 90 anos em 2020, quando nós tínhamos uma programação espetacular... pela primeira vez tínhamos conseguido ter a programação para todo o ano, até tínhamos um livrinho lindo de morrer com a programação para o ano. Mas infelizmente veio o Covid...

 

VA – … e como fizeram… conseguiram reprogramar os eventos?

DP - Sim, tivemos espetáculos até o ano passado que ainda vinham desde 2020 e depois remarcar agendas e as agendas dos artistas. Foi complicado…

 

VA – É Algarvia de onde… de Faro?

DP - Sim, de Faro. Tenho muito orgulho de ser algarvia. Mas sou uma algarvia “estranha”, já que o meu pai era de Lisboa e a minha mãe cresceu na Aldeia Nova de São Bento. A única família algarvia que eu tenho é o meu avô do Ameixal.

Mas eu sou Algarvia, nós somos de onde nascemos. Eu nasci no Algarve.

 

VA - Falando da Dália Paulo como mulher e mãe, como tem sido possível conciliar todas as funções que tem vindo a desempenhar ao longo do seu longo percurso profissional?

DP - A Dália Paulo é sobretudo mãe da Constança. Essa é a coisa que mais me define. Se eu tiver que definir alguma coisa é ser mãe da Constança.

Na minha biografia, para além de falar do Sporting e da Poesia, já que sem o Sporting e sem amar a poesia, eu não vivo, mas, termino a minha biografia a dizer, acima de tudo, o que eu sou é efetivamente mãe da Constança.

Há 19 anos, que é a idade que a Constança tem, que a minha vida se pauta pela vida da Constança e por aquilo que eu acho que é o bem-estar e a felicidade dela.

Todas as minhas recusas ou aceitações de trabalhos ao longo destes 19 anos, foram sempre a pensar no bem-estar dela e sobretudo no que eu acho que é uma boa educação. A educação é também mostrar a dificuldade da vida e é também mostrar que nós temos capacidade de fazer as duas coisas e sobretudo de dar tempo de qualidade, que é uma coisa que eu acho que às vezes falta, que as pessoas não dão.

Como mulher... sinceramente acho que nunca pensei muito nisso…

Como tenho uma filha de 19 anos e às vezes temos algumas conversas, hoje penso mais nessas questões. Mas depois ponho-me a pensar o que foi a minha vida profissional. Nunca senti discriminação por ser mulher, nem nunca senti que tinha que mostrar mais por ser mulher. Sempre ocupei cargos desde muito jovem e isso talvez me tenha dado vantagens e desvantagens…

Depois há aqui uma coisa que eu normalmente gosto de fazer: Que é não dizer “nim” às pessoas, ou é, sim, ou é não, ou digo, vou ver se tenho a capacidade de ir ver. E tem-me acontecido coisas muito engraçadas, quando eu estava na Direção-Geral de Cultura do Algarve, chegou lá uma senhora com uma ideia e eu respondi-lhe que a mesma não “tinha pernas para andar”. Zangadíssima comigo, encontrava-me nos eventos e a senhora mal me falava. Ao fim de uns 6 meses, veio ter comigo e diz-me assim; - Tenho que lhe agradecer, você foi a única pessoa que teve a coragem de me dizer que não, que este projeto não ia a lado nenhum, todas as outras pessoas disseram-me "nim", e eu acreditei nas outras e não acreditei em si…. Pronto aí está!… Porque, eu ponho-me no lugar das pessoas, quando saio de uma reunião com alguém, se a pessoa me disser não, eu vou à minha vida, mas se a pessoa me disser “nim”, eu vou ficar naquela angústia, naquela ansiedade.

 

VA - Como vê a situação da mulher na sociedade atual e na política? O que acredita que ainda falta fazer para que a mulher tenha um posicionamento equitativo relativamente às várias funções que desempenha?

DP – Falta fazer muito... Apesar de eu nunca me ter sentido discriminada, acredito que há muito ainda por fazer, ainda hoje, em mesas de Congressos ou de Eventos, a maioria das vezes são só homens. Não há uma mulher, ou seja, a mulher neste momento já tem mais habilitações que o homem, em termos percentuais. Neste momento, ao nível das chefias intermédias, já há mais mulheres que homens, mas nas chefias de topo, ainda não.

Mas explica-se em parte pelo papel que a mulher tem na maternidade e nos anos em que a mulher se dedica, sobretudo, à família e faz muitas escolhas em que a família está em primeiro lugar e depois não vai subir na carreira porque a família está primeiro, estamos em 2023, mas infelizmente, eu acho que falta muito ainda por fazer...

 

VA - E acredita que se chega lá?

DP – Eu sou otimista, acho que se tem que chegar lá, temos que chegar lá.

Talvez nas novas gerações, o papel do homem e da mulher esteja mais equilibrado e partilhado na sociedade futura, aliás, em alguns países isso já acontece, em Portugal é que ainda não.

 

VA - Uma mensagem final para os jovens, a nível cultural, o que se pode dizer?

DP - Sejam curiosos, nunca percam o espanto e inquietem-se muito. E depois tentem, através da arte, dar resposta às nossas inquietações diárias.

 

Nathalie Dias