Aurélio Cavaco é apicultor e proprietário da empresa All-Pouvar, localizada em Loulé. Com uma larga experiência na área da apicultura, aborda os desafios desta atividade e algumas curiosidades relacionadas com as abelhas e a extração do mel.

A Voz do Algarve (V.A.) - Qual é a especialização da All-Pouvar? Tem ainda outra empresa?

Aurélio Cavaco (A.C.) - Estamos aqui na sede da All-Pouvar e esta empresa é vocacionada principalmente para os projetos agrícolas. Contudo, eu tenho outra empresa, que é da apicultura, que se chama DNAS, da qual eu sou sócio, ao lado do Dinis, Nicolau e do Sérgio (as iniciais dos nossos nomes foram usadas para a sigla da empresa). Essa empresa surge, precisamente, porque o meu avô tinha quase 200 colmeias antigas, chamadas de cortiço. Quando o meu avô faleceu, ele tinha três herdeiros e as colmeias em cortiços foram divididas. Mais tarde, começou a surgir aquilo a que chamamos hoje de “apicultura móvel”, cujas colmeias são feitas em caixas, e o meu pai começou a fazer as suas próprias colmeias. Quando eu terminei o curso, em 1999, tornei-me jovem agricultor e comecei com 300 colmeias, comecei a exploração e projetos de cariz agrícola. Depois de cinco anos, percebi que estas atividades eram quase impossíveis de desempenhar em conjunto e sem ajuda. Foi então que, com esses três amigos, fizemos um projeto para jovens agricultores e conseguimos crescer para cerca de 1000 colmeias, o que já justificava pagar salários e ter viaturas. Trabalhámos os quatro durante 10 anos e, neste momento, somos apenas dois sócios. Diria que é quase um vício, desde pequeno que me recordo de estar perto das abelhas.

 

V.A. – Qual é a sua formação em termos académicos?

A.C. - Tirei um bacharelato em Beja de Engenharia Técnica e Produção Animal, depois fiz lá a Licenciatura e, mais tarde, comecei a trabalhar na questão dos projetos agrícolas e fiz um Mestrado na Universidade do Algarve em Hortifruticultura.

 

V.A. – É possível fazer da apicultura a atividade principal? Que despesas tem?

A.C. - De janeiro até outubro, temos 110 mil euros gastos de despesas efetivas com a nossa exploração agrícola, em cerca de 2000 colmeias. Gastamos este dinheiro porque temos de fazer tratamento para algumas doenças que poderão aparecer nas abelhas, abastecer viaturas, porque temos de ir ao campo todos os dias, o alimento para as abelhas (feito à base de açúcar) e, claro, a mão de obra. É importante referir que a apicultura é o parente pobre da agricultura, porque não temos muitos apoios para a nossa atividade.

V.A. – Fala-se muito na falta de mão de obra para a agricultura. Esta realidade reflete-se também na apicultura?

A.C. - Já é difícil arranjar mão de obra para a agricultura e, para a apicultura, diria que ainda é mais. O mel extrai-se nos meses de verão, então imaginemos as temperaturas altíssimas do Algarve, dentro de fatos muito quentes de proteção e a carregar pesos. Para além disso, muitas pessoas sofrem de alergias. Desde que tenho abelhas, já passaram por aqui cerca de 50 pessoas. Umas não gostam deste trabalho, outras acabam por ter oportunidades de emprego melhores e ainda existem outras que começam com as suas próprias abelhas. Queria destacar aqui um funcionário que está connosco desde o início e que é um pouco a alma da empresa. Temos depois outra pessoa, que contratamos este ano, mas é complicado… É um trabalho físico, que obriga as pessoas a sair da cama às 04h da manhã.

 

V.A. – Em média, quantas abelhas tem cada colmeia?

A.C. - Normalmente, uma colmeia bem povoada tem entre 50 a 70 mil abelhas e pode dar entre 40 a 50 quilos de mel. Estamos a falar da altura “alta” da primavera, porque no inverno, se uma colmeia tiver 15 a 20 mil abelhas é ótimo. A serra algarvia, eu tenho as colmeias, é muito complicada, porque a altura da floração é muito curta, porque não chove e as temperaturas altas vêm logo a seguir.

 

V.A. - Qual é a relação da abelha com o homem?

A.C. - Pessoalmente posso dizer que estou a ficar alérgico às abelhas, portanto tenho um já um pouco de medo. Contudo, acho que quanto mais agressivas as abelhas forem, melhores serão na produção do mel. Mas tem um lado muito positivo, que é aquele lado que cativa e que é apaixonante, em que vemos o processo todo a decorrer.

 

V.A. - Qual é o processo desde que o mel é produzido, até chegar ao consumidor?

A.C. - Primeiro temos de perceber se o mel está “maduro”, ou seja, se tem uma camada fina por cima, denominada de opérculo. Em meados de junho, colocamos as alças no armazém e damos início ao processo de extração do mel, onde os quadros são todos desoperculados. Passam depois para os extratores, que num processo de centrifugação fazem o mel escorrer para as paredes. O nosso mel não tem químicos e, portanto, o processo é totalmente “natural”. O mel vai depois para decantar, onde as impurezas e a cera ficam à tona e, posteriormente, essa camada é limpa. Entretanto, o mel está pronto para venda, porque nós o vendemos em bidons. É ainda importante referir que produzimos aqui 3 toneladas de pólen em média, vendidas em embalagens de 25 a 50 quilos.

 

V.A. - Como funciona a criação da abelha Rainha?

A.C. - Na primavera, as abelhas andam atarefadíssimas a tirar pólen e néctar para dentro da colmeia e a Rainha produz e põe ovos com base naquilo que ela sente que chega da natureza. Quanto maior for a quantidade de pólen e néctar, mais ela produz. Quando a Rainha põe muitos ovos e a colmeia começa a ficar sem espaço, as abelhas sentem vontade de enxamear, que nada mais é do que a vontade de sair dali. Então, a Rainha e um número considerável de abelhas saí daquela colmeia em busca de um novo espaço. Por sua vez, essa Rainha, denominada agora Rainha-velha, deixa condições na outra colmeia para a criação de novas Rainhas.

A Rainha saí e vai “namorar”, fazer o voo nupcial, onde é fecundada por vários zangões – este processo acontece apenas num dia e os machos vão morrendo após o processo. Existe uma espécie de bolsa dentro da abelha, a espermateca, que armazena o esperma dos machos. Na colmeia, ela vai fecundar os ovos com aquele material armazenado durante toda a sua vida, que são cerca de quatro a cinco anos. É essa abelha que decide se vão nascer machos (zangões) ou fêmeas (as chamadas obreiras). Se o ovo for fecundado, nasce uma fêmea, se não for, nasce um macho. Há um pormenor muito importante, porque não há um ovo de Rainha, há apenas de fêmea, a diferença é se “torna” Rainha, a abelha que for toda a vida alimentada de geleia real. Quando uma abelha come pólen e mel (o chamado “pão de abelha”), ela fica impedida de ser rainha, será sempre obreira. Só por curiosidade, porque é algo que ainda não fazemos, já é possível fazer inseminação artificial de Rainhas, com materiais específicos.

 

V.A. - Como se distingue um apiário legalizado de um não legalizado?

A.C. - A lei obriga a que todos os apicultores, no mês de setembro, façam o registo das suas colmeias numa plataforma, que se chama IFAP – Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas. Nesse registo, colocamos as coordenadas exatas de onde estão as colmeias. Todos os apiários legalizados a nível nacional, são do conhecimento do Estado. A lei diz ainda que cada apiário tem de ter o número do apicultor a que pertence. Creio que a maioria dos apicultores terá os seus apiários legalizados.

V.A. - O “trabalho” das abelhas e a sua importância é valorizada pela sociedade?

A.C. - Já temos a internet e o Facebook a dizer diariamente que as abelhas fazem falta, mas as políticas não traduzem isso. A apicultura é a única atividade agrícola que não tem praticamente apoios nenhuns. Refiro-me a “praticamente”, porque existe um apoio para a aquisição de medicamento. Contudo, com 10% do custo do medicamento, conseguimos tratar as nossas colmeias. A ajuda necessária era talvez colocar os preços dos produtos mais baratos. Não queremos ser subsídio dependentes, mas queremos ter acesso aos mesmos apoios que todas as atividades agrícolas. Se realmente a apicultura é importante, reconheçam a sua importância.

 

                                                                                                                                       Por: Nathalie Dias