Jamila Madeira, deputada no Parlamento Europeu desde 2004 e natural do Concelho de Loulé, esteve no programa “Olha Que Dois”, com Nathalie Dias e Victor Gonçalves. A deputada fez um balanço do seu percurso no Parlamento Europeu, mas também de outros cargos que já ocupou na Assembleia da República e na Assembleia Municipal de Loulé, tendo começado o seu caminho na política pela Juventude Socialista.

A Jamila Madeira carrega sobre si a responsabilidade de herdar uma referência da política regional e nacional como o seu pai. Como foi e é ser reconhecida como filha dessa personalidade da política partidária algarvia e nacional?

Jamila Madeira – Devemos orgulhar-nos sempre da nossa história. Eu tropeço todos os dias com a história do meu pai, independentemente de ser em casa ou fora, e isso é um motivo de orgulho, porque as razões pelas quais tropeço são muito positivas e de reconhecimento. Enaltece-nos, deixa-nos orgulhosos e permite-nos prosseguir com mais convicção ainda.

 

Foi ele que a convenceu que a política poderia ser o seu futuro?

J.M. – Posso dizer que foi exatamente o contrário (risos). Sempre me incentivou a ir para uma coisa mais serena.

 

Queria que fosse para uma área mais séria?

J.M. – Não, não. Eu acho que a política é séria, mas tudo depende dos protagonistas, tal como em tudo, não só na política. Claro que os cargos políticos têm uma visibilidade e exposição maior, mas acho que isso é o padrão da sociedade. Há pessoas menos sérias em todo o lado. Os políticos, devido à sua exposição, têm que ser mais como “a mulher de César” porque estão mais expostos e são exemplo, tal como as figuras públicas da televisão. Há mais responsabilidade e não se podem acanhar, porque essas responsabilidades vão-lhe ser imputadas.

 

 O que reteve dele de importante para o seu percurso político?

J.M. – Tudo. A minha educação vem daí. Desde muito cedo a política sempre entrou pelas portas a dentro e fora. A grande curiosidade que nós tínhamos em relação à política era precisamente perceber o porquê do nosso pai passar tanto tempo fora. Foi aí que percebemos que as bandeiras, as lutas e as causas faziam sentido e, por isso também, desde muito cedo, me identifiquei e mobilizei politicamente. Desde cedo que quis saber o que mobilizava aquela pessoa que eu gostava muito e que me retirava tempo com ele. Depois foi saber escolher, se era esquerda ou direita e qual o partido.

 

Começou muito nova a interessar-se pela política, primeiro como Comissária Nacional da Juventude Socialista e depois Secretária Nacional da mesma. Deduzo que, para se destacar no seu partido, para além do mérito, a militância na Juventude Socialista (JS) terá contribuído para isso. A sua entrada na política partidária teve alguma influência pelo facto do seu pai ser na altura um político com carisma?

J.M. – Eu tive que fazer as minhas escolhas partidárias. O meu momento de escolha política foi no combate Freitas do Amaral contra Mário Soares. Eu era muito miúda, tinha dez anos e muita curiosidade em saber o que se passava e por que motivo o meu pai passava tanto tempo fora. Nessa altura eu já tinha claras essas razões, mas ainda não tinha percebido porque haveria de ser de um lado ou de outro, e esse combate foi muito marcado ideologicamente. Esse foi o momento de clique e mobilização, pois foram duas voltas muito crispadas e intensas e o debate também foi muito construído à volta do que os distinguia. A educação que temos em casa acaba por nos ajudar a ter esta visão mais clara, mas houve sobretudo uma curiosidade e um momento político que permitiu que fosse muito evidente.

 

Mas o que dizia a sua família e amigos dos seus pais de a Jamila Madeira já ter opiniões políticas aos dez anos?

J.M. – Achavam piada (risos).

 

Já era assertiva na altura?

J.M. – Sim, mas eu acho que na família somos todos muito assertivos, aqueles que fazem política mais fora de casa e os que fazem dentro.

 

Subiu na política degrau a degrau, começando pela JS, como Presidente da mesa da Comissão Política da Concelhia-Loulé, quando tinha 19 anos, foi membro da Comissão Política Distrital da JS/Algarve. Terá sido aí que traçou a sua já longa carreira política?

J.M. – Eu julgo que a base local é muito interessante e comecei logo a participar na JS antes mesmo de ser militante, tendo sido convidada para exercer um cargo quando ainda não o era. Houve um trabalho muito interessante e mobilizador relativo ao espaço educativo e associativo e, nessa altura, apesar de não me afetar, houve dois momentos de combatividade no meio escolar que tiveram a ver com a prova geral de acesso e com a prova de aferição. Aquilo ainda não me afetava, mas havia um grau de injustiça na forma como aquilo estava a ser organizado que mobilizou milhares de jovens em todo o País. A ponte com a JS e o trabalho político no quadro da comunidade onde eu estava inserida foram fazendo com que o bichinho fosse crescendo e quando nós sabemos aquilo em que acreditamos, temos que trabalhar para o defender. Não é uma questão de fé, mas sim de ação.

 

Passou depois pela Comissão Política Concelhia do PS/Loulé, pela Comissária Política Nacional do Partido Socialista e pela Secretária Geral da Juventude Socialista, tudo isto num espaço de três anos. São vários os cidadãos que apontam o dedo aos jovens que aparecem na política como familiares de alguns políticos. Ser filha de quem é teve alguma influência nessa ascensão?

J.M. – Poderia ajudar se incentivasse, como não foi o caso… O meu pai nunca me fechou portas para nada, mas foram passos e carreiras completamente distintos. Fui para a Assembleia da República no ano em que ele saiu e nunca estivemos ao mesmo tempo nesse ou nos outros órgãos, mas foi por acaso. Tenho amigos que têm antecedentes familiares e que estiveram ao mesmo tempo nos mesmos órgãos e muitas vezes em lados opostos, com opções diferentes. Faz parte.

 

São vários os cidadãos que se manifestam dizendo que temos cada vez menos gente com qualidade e preparação para assumir funções de responsabilidade na vida pública. A captação, recrutamento e formação dos chamados “jotas” para a política e para os partidos indicia que, mais tarde, o País poderá vir a ter gente menos preparada para ocupar cargos de responsabilidade nas estruturas partidárias, nas autarquias, na Assembleia da República e em outros cargos de nomeação politica. O que será necessário fazer para que tal não venha a acontecer?

J.M. – Eu acho que na vida, tal como na política, nós temos que afirmar aquilo em que acreditamos. É preciso autonomia de pensamento e de ação e para isso é preciso construir os pilares para essa autonomia dentro e fora do espaço político. Isso nem sempre é fácil, mas é importante. Os nossos dirigentes políticos devem ser autónomos de forma a estarem libertos de qualquer amarra, o que tem vantagens e desvantagens. Posso estar a ser parcial, mas não entendo que isso tenha a ver com o percurso de ser mais ou menos jovem, mas sim com o que nos trouxe para a política, o que nos permite prosseguir e afirmar as nossas posições. Ou seja, se a minha subsistência depender daquela pessoa que me nomeou para aquele cargo político e a minha família fica sem pão por eu ser contrária àquela pessoa, eu não acho bom. Mas isso não está associado a ter vindo ou não de um percursos ligado a juventudes, tem a ver com o antecedente que o trouxe à vida política. A política é uma carreira e não o é: não é o no sentido profissional, em que a exercem durante muito tempo, mas é a maior prestação de serviços que existe e tem que ser sempre renovada. Não podemos fazer depender a nossa autonomia de outra pessoa que não os cidadãos. Cabe a eles decidir se concordam ou não que nós continuemos e, não devemos ficar dependentes de um dirigente que tente amordaçar aquele que foi eleito pelos cidadãos. Este é um ponto muito ténue, mas acho que não tem propriamente a ver com a idade nem com o percurso, mas sim o que nos levou ou a vida que tivemos antes de entrar na política.

 

Hoje em dia, cá dentro e lá fora do Parlamento, parece que não se fala tanto como antes se falava com nomes como o Mendes Bota, Filipe Abreu e muitos outros. A Assembleia quase que parecia algarvia nessa altura. Hoje falta garra. Por que motivo?

Hoje em dia parece que não se fala tanto do Algarve no Parlamento, e mesmo fora dele. Será falta de garra? Qual será o motivo?

J.M. – Como sabe, não tenho estado a exercer funções, mas gostava de salvaguardar que quem neste momento está no Parlamento tem muitas mais restrições. A política é a arte do possível, num contexto de enorme contenção orçamental, em que é preciso responder aos desafios das pessoas e ainda assim respeitar um conjunto de restrições que vêm de fora. Mesmo depois de o orçamento ser feito, depois das eleições, com toda a lógica de compromisso e mudança de paradigma, temos comentários que fogem um pouco das responsabilidades que a própria União Europeia tem sobre o controlo orçamental dos Estados-Membros. Eu acho que se calhar estão a comentar de mais, no entanto essas restrições são-nos sempre impostas e tentam cercar-nos. Temos de ter a capacidade, habilidade e agilidade de perceber até que ponto são ultrapassáveis ou inevitáveis. Para o anterior Governo, tudo o que viesse dito de fora era a inevitabilidade, nem sequer pensavam em caminhos alternativos, que só não existiam porque essa era a doutrina que eles queriam aplicar e era um bom pretexto dizer que vinha de fora. Como a Europa é, neste momento, maioritariamente à direita, convinha-lhes que este discurso fosse aplicado e as costas quentes ficavam salvaguardadas. No contexto atual, o problema é que temos um conjunto de restrições e queremos fazer omeletes mas com poucos ovos. Há a consciência de que não é possível fazer grandes números em termos de investimento, mas em termos de ação é possível.

 

Em 1999 é eleita deputada para a Assembleia da República, onde esteve durante sete anos. Tendo em conta que foi eleita pelo Algarve, pergunto-lhe quais os requerimentos e propostas de lei por si apresentados que terão sido implementados na nossa região?

J.M. – Muitos! Em primeiro lugar, participei em todos os orçamentos de estado, onde houve múltiplas iniciativas para a valorização das regiões de baixa densidade, o que permitiu a localização de um conjunto de atividades económicas. Isto aconteceu logo em 1999 e foi muito importante, porque o Algarve já na altura estava num processo de saída das regiões de convergência e a ficar fora da medida de António Guterres para fixar e dinamizar as zonas de baixa densidade. Foi possível, com um trabalho de formiguinha, reconstruir toda essa proposta de maneira a que toda essa zona e parte do barrocal ficasse considerada nesse contexto. Salvo erro, só houve uma freguesia com a qual ficámos um pouco frustrados, porque nos critérios já não cabia, que foi Moncarapacho, o que teve a ver com o facto de ter muito pouca população e alguma muito afortunada e, portanto, desequilibrava qualquer critério. Em todos os Orçamentos de Estado há a possibilidade de fazer medidas que seja direcionadas para resolver os problemas das pessoas.

 

Alguns ex-deputados queixaram-se que os partidos e os vários governos não passam cartão aos requerimentos e às propostas de alguns deputados. Tem a mesma opinião?

J.M. – Durante muito tempo e até à última reforma do Parlamento em 2007, era assim. Depois da reforma, foi possível criar regras. Antes não havia limites. Por exemplo, em Bruxelas, a Comissão tem 30 dias para responder e em Portugal agora também têm um tempo para responder, há sempre prazos. Claro que podem não o fazer e isso é depois tratado no âmbito das instâncias legais, pois o deputado pode queixar-se fora do Parlamento, nos tribunais. O que eu sei é que os Governos do PS têm-se pautado por responder e cumprir esses prazos, podendo ficar satisfeitos ou não com essas respostas. Aquilo que sei dos colegas que estiveram lá na última legislatura é que alguns dos Ministros não foram propriamente cumpridores, mas também não sei se houve queixas junto do tribunal.

 

Outra situação criticada por esses deputados é a existência de negociatas de fora para dentro do parlamento, por forma a serem aprovados alguns diplomas de grande utilidade para benefício dos interesses de alguns empresários e empresas. Alguma vez se apercebeu de coisas estranhas no Parlamento que cheirassem a arranjinhos para beneficiar alguns interesses através das bancadas parlamentares?

J.M. – Eu, felizmente, nunca tive essa experiência, quer de contactos comigo ou que tenha sido percetível em discussões do orçamento. Lembro-me da famosa vírgula, uns anos antes de eu entrar para o Parlamento. Mas a questão que está aí subjacente é a dos lobbies. Em Portugal, vive-se um bocadinho a pressão dos lobbies e da cunha, porque estes não são transparentes e acessíveis a todos e não é obrigatório o contacto universal. Eu digo isto com toda a noção de que no Parlamento Europeu os lobbies e grupos de interesse registam-se, têm acesso, são consultados para tudo e podem ser vigiados. Aqui é tudo visto como uma massa obscura e ninguém consegue controlar. Em Bruxelas, desde o cidadão que defende a formiga-branca até aos grandes grupos de defesa da indústria automóvel, todos se pautam pelas mesmas regras e são mobilizados da mesma forma. Aqui, só chega lá quem tem o contacto ou o amigo que influência. Se não temos todos os mesmos canais, há uma distorção, perdem-se canais de comunicação e criam-se favoritismos. Quem tem mais poder económico tem mais facilidade em chegar e em fazer chegar a sua mensagem. Estes pequenos interesses, de cidadãos e da sociedade, têm que ser igualmente ouvidos e calibrados e são da mesma forma vistos como obscuros. Naturalmente isso é prejudicial para a legislação.

 

Não acha que essas situações dúbias, que terão ocorrido no Parlamento, têm contribuído para a desilusão dos portugueses em relação à política e a alguns políticos?

J.M. – Quando elas acontecem, sim. Temos de nos assegurar de que, quando estamos a fazer ação política, estamos de facto a fazer alguma coisa e não só para o nosso ego. Temos que responder aos desafios que os cidadãos nos colocam - que nem sempre são fáceis e possíveis-, dar responsavelmente essas respostas e produzir esse caminho. Às vezes temos também que dizer ao cidadão que as coisas não foram possíveis e por que motivos. Não temos que fugir às respostas.

 

Há muito que se fala da existência de demasiados deputados na Assembleia da República e de que, por isso, se devia reduzir significativamente o seu número. É da opinião que com menos e mais capazes seria melhor do que ter lá muitos?

J.M. – Eu não acho que o problema do Parlamento se resolva pela diminuição do número de deputados e tenho muito receio porque, à parte de Lisboa e Porto, todos os outros ficam muito prejudicados se se reduzir o número de deputados. O Algarve recentemente cresceu para mais um, mas se formos ver Beja, Évora, Portalegre, Castelo Branco ou Braga, ficam com muito poucos ou nenhuns se isso acontecer. Nesses casos, já se exprime muito pouco os cidadãos, se reduzirmos para um ou nenhum vamos ter partes do país que não são representadas. Mesmo Lisboa e Porto, que têm 230 deputados, se lhes são retirados 50 vão também reclamar porque há desequilíbrio tendo em conta a sua população. Este ponto de equilíbrio não se consegue reduzindo o número de deputados mas sim dando-lhes responsabilidade diferente. Isso já estava de certa forma inerente na última reforma do Parlamento, mas a verdade é que alguns dos instrumentos que estão lá advertidos nunca chegaram a ser utilizados e é importante fazê-lo para conseguir essa dinâmica de contacto e responsabilidade com os cidadãos, que eu acho que é inultrapassável.

 

Nos últimos anos, são muitos os que vêm de fora encabeçar as listas de deputados pelos partidos no Algarve, como se os de cá fossem menos capazes. Acha bem a forma como são constituídas as listas de candidatos para as legislativas?

J.M. – Sempre fui apologista que os candidatos devem ter uma ligação ao círculo pelo qual são eleitos e essa ligação, se não é permanente, deve ser pelo menos estimulada. A base local é muito importante. Hoje em dia os cidadãos querem escolher os candidatos e aproximar-se deles. Nas primárias, com a escolha do Primeiro-Ministro, é uma hipótese. E outra, de que eu sou bastante apologista, é de, independentemente da lista, os cidadãos poderem votar no seu candidato. Ou seja, numa lista que é apresentada pelo partido, o cidadão tem a responsabilidade de escolher e votar no cabeça ou em qualquer outro da lista, para o bem e para o mal. Deve sempre existir uma etiqueta e um astro de responsabilidade, o que temos que salvaguardar é que o cidadão pode de facto escolher entre esses, aqueles com quem se identifica.

 

Os portugueses estão cada vez mais a afastar-se da política. Como justifica esse afastamento e indiferença?

J.M. – As pessoas não conseguem agarrar o seu candidato. Ou seja, quem é o meu candidato? Nesta lista, o partido escolheu e eu não posso escolher para além disso. Em alguns países, em particular do norte da Europa, são apresentadas listas corridas e quando o cidadão vai votar diz que vota neste partido e o seu candidato é este e isso é ponderado no resultado final. Muitas vezes, o resultado da eleição não tem a ver com a ordem, a não ser que nenhum cidadão se tenha pronunciado sobre essa ordem, e tem um peso no resultado eleitoral muito expressivo. As opções do partido são muito diferentes das dos cidadãos e o partido depois também aprende e se ajusta a isso.

 

Vivemos hoje um período de grandes alterações vivenciais, com uma sociedade de gerações que têm amigos às resmas, sem nunca os terem visto em carne e osso e com os quais só falam por mensagens ou através de e-mails. Por outro lado, vemos no dia-a-dia alguns pais com os filhos à mesa de um qualquer restaurante e todos com o telemóvel na mão, a conviverem não uns com os outros, mas sim com um outro lá bem longe. Que futuro é este e até onde nos pode levar esta tendência?

J.M. – Eu acho que as novas tecnologias têm muitas vantagens: aproximam-nos quando temos milhares de quilómetros de distância e permitem alguma facilidade de contacto. Eu própria uso desde sempre para o contacto com as populações, quer em Bruxelas ou aqui, via Facebook ou página da internet, onde as pessoas mandam e-mails e permite-nos facilmente ter uma ponte e uma relação de comunicação. Mas isso não substitui a presença física, apenas complementa. Conhecer a pessoa, vivenciar aquela realidade é insubstituível. É aquele famosos lema “sentados no Terreiro do Paço acham que conhecem tudo porque leram nos livros”. Hoje, veem no Facebook e acham que já conhecem os problemas. Isto ajuda a alertar e a conhecer um bocadinho das coisas, mas não chega, é preciso vir ao terreno e conhecer as pessoas.

 

O que se poderá fazer para ajudar a dependência cada vez maior por essas tecnologias que vêm escravizando a malta nova, aquela que menos se apercebe e mais fácil é de agarrar ao excesso?

J.M. – Como todos os excessos, é educação. Criar alternativas de convívio. Na minha infância e adolescência nós estávamos na rua e convivíamos uns com os outros, era confortável e seguro. Hoje em dia, os pais, com medo de tudo, assim que saem da escola metem-nos em casa. Não sei se é exagero, até porque a sociedade é hoje muito mais pressionada e já não há a lógica do vizinho a vigiar como antes, os bairros são gigantes e as pessoas não se conhecem. Há muitas coisas que os pais não conhecem e por isso fecham-nos mais em casa. No processo educativo devemos calibrar e não jogar essa responsabilidade só para as escolas, porque as mesmas também não conseguem responder a todos os desafios, mas têm um papel importante, com vigilantes permanentes.

 

A Europa, depois de uma grave crise económica, vê-se confrontada com outra, a dos refugiados. Que danos pode essa situação trazer para a Europa?

J.M. – A crise dos refugiados acabou por se tornar muito visível nos últimos tempos, mas é uma crise que existe há muito tempo. É uma crise à qual a Europa nunca deu uma resposta a uma só voz, os países nórdicos davam uma resposta expressiva e o resto da Europa não. A Europa sempre optou por fazer pontes, diálogo e cooperação com estes países e houve uma série de vicissitudes que levaram a que esses programas não terminassem bem. Mas esta é uma crise gravíssima, que obrigou os estados-membros a conversarem a sério sobre isso. Não se resolveram todos os problemas, não se sabe se vai ser possível travar esta dinâmica de fluxo e isto é como uma bomba-relógio, é necessário pegar-lhe com muito tato. É preciso reforçar aquilo que a Europa tem estado a fazer, que é investir nos pontos de origem e assegurar que os investimentos têm um impacto direto nas populações. Se não o fizermos, estamos a tornar-nos numa europa-fortaleza e uma fortaleza de portas abertas porque é tão fortaleza que rebenta com as portas. 

 

Esta entrevista foi realizada por Nathalie Dias e Vítor Gonçalves no Programa “Olha que Dois”, uma parceria da “Total FM” com “A Voz de Loulé” emitido no dia 23 de março.

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