A Voz do Algarve (V.A.) – Fale-nos mais sobre o seu percurso profissional.
João Carlos Santos (J.S.) - Estudei na Universidade do Algarve, onde fiz parte do curso de Património Cultural. Depois, em 2012, editei o meu primeiro livro “Quarteira - O Topónimo e a Povoação (Séc. XIII ao XIX)”, que era a minha tese de licenciatura. Mais tarde, em 2013, lancei o livro “Quarteira: Um Pequeno Centro Cosmopolita (Século XIX e XX)” e, mais recentemente, decidi entrar por uma temática diferente, relacionada com o mar e as pescas.
V.A. – A sua ligação à história está relacionada com a sua área. Contudo, como é que a escrita aparece na sua vida?
J.S. - A minha mãe é doméstica e o meu pai é pescador. Na minha família, eu e dois primos, fomos os primeiros a ir para a Universidade. Sempre tive interesse pela escrita, comecei por escrever pequenos poemas, relacionados com situações do quotidiano que achava inspirador. Mais tarde, através de um desafio do meu orientador de tese, o Professor António Rosa Mendes, tomei a iniciativa de apresentar a história de Quarteira. Nessa altura, já tinha escrito um pequeno texto para um concurso, mas não sabia ainda o resultado e decidi colocar esse texto no meio de outros e entreguei ao meu orientador de tese. Após ler o texto do concurso, incentivou-me a publicá-lo. Fui juntando depois textos, relacionados com memórias, a comunidade e a pesca em Quarteira. Mais tarde, quando já ia para o mar, abordei também situações que presenciava e estados de espírito. Comecei a perceber que existia uma carga espiritual no dia a dia de um pescador (que para eles era normal) e que o mar tem uma série de complexidade, mas para quem domina o assunto, este acaba por ser uma atividade de repetição que transmite muita calma e que ajuda a abstrair de problemas. Isto é algo que reúne em si uma grande riqueza. No meu livro “Ronceana de Salitre: Diário de Um Pescador” tento transmitir ideias e a psique do homem do mar.
V.A. – Sempre teve um sonho de ter um livro publicado?
J.S. - Não foi uma ambição minha. Contudo, senti que existia a necessidade de haver um documento desta natureza.
V.A. – Como realizou o trabalho de pesquisa para os livros “Quarteira- O Topónimo e a Povoação (Séc. XIII ao XIX)” e “Quarteira Um Pequeno Centro Cosmopolita (Século XIX e XX)”?
J.S. - O trabalho nestes livros foi feito ao nível da investigação científica e histórica, onde acabo por recolher todas as fontes sobre Quarteira, porque considero que temos um problema: há um documento, datado do início do século XXI, de Joaquim Manuel Vieira Rodrigues, “Da Mítica Carteia ao Cosmopolitismo dos Anos 60”, que se pode considerar o primeiro grande resumo da cidade de Quarteira. O problema é, precisamente, que fazia falta um documento que fosse mais pormenorizado sobre a história do local. Em certa medida, quando comecei a reunir informações e percebi que noutros livros/textos não existia muito sobre Quarteira, entendi que a única forma de saber o que se passou, era consultar os jornais da época. No segundo livro, fiz então esse esforço e fui descobrir em vários jornais, entre eles “A Voz de Loulé”, toda uma vivência e uma comunidade que se inicia como um polo piscatório e com componentes de agricultura, que rapidamente passam para um local de receção de turistas. Quarteira cresceu desta forma e a única maneira de saber isto, foi ir a instituições e locais relacionados, precisamente, com o turismo.
V.A. – É motivo de orgulho para si ter duas obras publicadas que vão ser utilizadas para futuros trabalhos de pesquisa?
J.S. - Sem dúvida. Quarteira é a minha terra e é uma cidade com muita história. Temos apenas o problema de esta ser uma terra muito sazonal (em termos de trabalho), o que a impediu de reunir “grandes elites intelectuais”. Sempre foi uma terra de trabalhadores e podemos dizer que Quarteira não tem nomes que se “destacam”, portanto, o sujeito ativo da história de Quarteira é o coletivo – o pescador anónimo, o agricultor e, mais tarde, com os pequenos investimentos, surgem famílias que se destacam. Estes empresários não podem ser considerados elites, comparativamente com os nomes que temos em Loulé, por exemplo. Contudo, é interessante mencionar que tivemos republicanos (alguns quarteirenses e outros que apenas tinham aqui negócios) a lutar para a construção da Freguesia de Quarteira.
V.A. – Em junho de 2022, lançou a obra “Ronceana de Salitre: Diário de um Pescador”. Como correu a apresentação?
J.S. – Exatamente. O meu livro foi lançado a 15 de junho de 2022 e fiz uma apresentação no Hotel Dom José, ao qual agradeço a cedência do espaço. Cerca de 80 pessoas assistiram e o feedback foi excelente, para além de me questionarem muito. Realço que a Pilar Santos fez a apresentação do meu livro. Em tempos foi escrivã da Capitania do Porto de Faro, foi condecorada pela Marinha, coordenadora do Departamento Marítimo do Sul e é uma poetisa.
V.A. – Existem aqui várias curiosidades acerca do seu livro. Primeiramente, ele tem aqui três homenagens. Para quem são? E em segundo lugar, o que é “ronceana”?
J.S. – Sim, este livro reúne três homenagens: a fotografia da capa é do meu pai; tem uma homenagem à memória do Professor António Rosa Mendes, que leu o meu texto “escondido” no meio dos restantes na altura da tese de mestrado e, por fim, uma homenagem ao pescador. “Roncenana” é um dizer muito próprio dos pescadores, que se refere ao aparecimento de uma aragem e se sente humidade no ar, com o mar querer ganhar alguma dimensão. Quando esse conjunto de características está reunida, começa a dizer-se que o “mar está a roncear”.
V.A. – A obra fala de um pescador. “Ronceana de Salitre: Diário de Um Pescador” é um livro de ficção ou um autoretrato do João?
J.S. - No princípio do livro, encontra-se o João. Contudo, no decorrer na narrativa já não. É óbvio que tem vivências minhas, mas também vivências de outros, pegando em episódios que assistia. Há um encanto pela força do trabalho e das agruras destes homens [dos pescadores], que para eles é algo normal.
V.A. – Quando vai para o mar, já vai com a ideia de recolher alguma história?
J.S. - Diria que não penso em recolher histórias. Quando vou para o mar, deixo tudo fluir de forma natural. Naquele momento estamos atentos a tudo à nossa volta. No meu caso, as minhas ideias para escrever surgiam quando estava no mar, pelas 3h da manhã. Quando chegava a terra, descarregava no meu computador as minhas ideias e depois ia trabalhando.
V.A. – Tem algum projeto em vista na área da literatura?
J.S. - Se eu escrever algo mais, será na categoria de ficção científica e relacionado com o Algarve. É uma área que gosto muito e já tenho algumas ideias.
V.A. – A quem gostaria de deixar uma mensagem de agradecimento?
J.S. - Agradeço a todos os meus amigos e conhecidos que sempre fizeram questão de me apoiar, assim como aos meus alunos da Universidade Sénior e a toda a população de Quarteira. Para este tipo de iniciativas acontecerem, tem de existir alguém que dê o tiro de partida, mas também tem de haver apoio para que os escritores continuem a criar conhecimento e conteúdo. Só assim podemos dar um salto qualitativo, nomeadamente, em matérias de património e história.
Por: Filipe Vilhena