Joaquim Bispo, escritor diletante, http://vislumbresdamusa.blogspot.com/
Um dia, de manhãzinha, a Castanha disse adeus às duas irmãs no ouriço familiar e partiu em direção a sul. Pelo caminho, foi encontrando outras viajantes.
- Sou a Avelã e vou para a cidade. Quero arranjar trabalho.
- Eu sou a Noz e esta minha amiga é a Amêndoa e vamos para a cidade estudar - respondeu a mais encorpada. - Estamos fartas de ser cascas-grossas.
Em boa galhofa, chegaram à cidade e encontraram um jornal com anúncios.
- Olha este - disse a Amêndoa. - «Precisa-se amêndoa para fábrica de doces conventuais». Se for um “part-time”, posso ganhar uns trocos e ter tempo para estudar.
- Boa, este é para mim! - entusiasmou-se a Avelã - «Chocolataria procura avelã grada. Paga bem». Se o ordenado for bom, compro um pulverizador à minha mãe.
- Hum - disse a Castanha, carregando o sobrolho - «Castanhas nacionais e estrangeiras. Quentes e boas!». É capaz de ser uma empresa de trabalho temporário.
À tarde, voltou a Noz muito zangada. No anúncio para Segurança, tinham-lhe dito que era um estágio não remunerado.
- Lá na terra, muito ou pouco, pagam a quem trabalha.
Da Amêndoa e da Avelã, nem sinal. Foram responder ao anúncio para a Castanha.
Aproximaram-se do local de trabalho envolto em fumo e ficaram à espreita. O patrão, de rosto boçal, pegava nas castanhas, rasgava-lhes a casca de um golpe e atirava-as para um pote esburacado que tinha sobre brasas.
Só então, horrorizadas, se aperceberam do cheiro a castanhas assadas e as viram amontoadas num grande tabuleiro. Estavam irreconhecíveis. A casca golpeada embranquecera e abrira-se pela ação do calor, deixando ver o delicado véu interior e o corpo dourado.
Os homens aproximavam-se de olhos lúbricos, pagavam o preço combinado e, apossando-se dos objetos do seu apetite, esmigalhavam o resto de tule que ainda cobria as castanhas. E, depois de completamente descascadas, de uma só dentada comiam-nas. Inteiras.
Escapou-se-lhes um «Oh!» involuntário. Várias cabeças voltaram-se. Sentindo o perigo, fugiram dali tão depressa quanto conseguiram. Ao virarem uma esquina, quase foram esmagadas por um carro. Atiraram-se para o lado às cegas e caíram numa sarjeta. No escuro, húmido e fétido, só três pares de olhos brilhantes guinchavam.