Hoje, quem tem um crédito habitação ou está a pensar pedir financiamento para comprar casa acordou com boas notícias no que diz respeito às taxas Euribor, que voltaram a cair, reduzindo prestações da casa pagas em fevereiro. E perspetiva-se que as taxas Euribor possam cair ainda mais assim que o Banco Central Europeu (BCE) começar a descer os juros diretores - o que está previsto para o verão, embora dependa da conjuntura internacional. Mas como se comportou o mercado do crédito habitação em Portugal em 2023? A verdade é que o contexto continuou a ser marcado pelos altos juros e baixo poder de compra, o que gerou mesmo uma descida de novos contratos de crédito habitação. E quem decidiu avançar empréstimos comprou casas mais baratas que há um ano, apresentou melhores salários, deu mais dinheiro de entrada e optou, sobretudo, pela taxa mista, tal como se pode concluir a partir do relatório anual do idealista/créditohabitação.
O contexto económico marcado pelos elevados juros e alta inflação ao longo de 2023 acabou por influenciar as transações imobiliárias e o negócio do crédito bancário. Os dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), revelam que a venda de casas caiu na ordem dos 20% entre janeiro e setembro, face ao mesmo período do ano passado. E o Banco de Portugal (BdP) diz que a procura de créditos habitação continuou a diminuir no final de 2023, muito por culpa dos altos juros, mas também pela confiança dos consumidores e perspetivas para o mercado da habitação.
E apesar deste panorama desafiante - num momento em que também o arrendamento se tornou menos aliciante devido à escalada de preços - houve famílias que decidiram avançar na mesma para a compra de casa com recurso ao financiamento bancário. Desde logo, salta à vista que quem contratou crédito habitação em 2023 possui um rendimento médio de 5.181 euros, um valor 8% superior face ao registado no ano anterior (4.797 euros), tal como revelam os dados do relatório anual do idealista/créditohabitação em Portugal. Isto quer dizer que as famílias que avançaram com empréstimo habitação em 2023 têm melhores salários que há um ano: cerca de 53% tem rendimentos entre 2.000 e 6.000 euros (em 2022 a percentagem era de 46%).
Afinal, o contexto está ainda menos a favor de quem possui baixos salários (inferiores a 2.000 euros), tendo em conta a maior dificuldade de poupança devido à inflação. Além disso, as taxas de esforço tenderam a ser mais elevadas não só pelos altos juros, mas também pelo teste de stress que esteve em 3% até outubro de 2023 (altura em que baixou para 1,5% por decisão do BdP), impedindo muitos de aceder a financiamento bancário. Por tudo isto, verifica-se que quem tem vencimentos mais baixos contratou menos créditos habitação em 2023 do que no ano anterior.
Quem avançou com crédito bancário para comprar casa em 2023 apresentou, sobretudo, uma situação profissional estável, com 85% dos mutuários a ter contrato de trabalho permanente (mais 3 pontos percentuais que no ano anterior). E a grande maioria continua na faixa etária entre os 25 e os 45 anos, muito embora a idade média de quem contrata crédito habitação tenha descido dos 40 anos em 2022 para os 38 anos em 2023, revelam ainda os dados do idealista/créditohabitação. A explicar este facto poderão estar os novos prazos dos contratos consoantes as idades recomendados pelo BdP desde abril de 2022, que reduz o tempo máximo de pagamento do empréstimo quanto maior for a idade dos titulares.
Como se caracterizam os créditos habitação em 2023?
Quem decidiu avançar com crédito habitação em 2023, fê-lo de forma diferente, ajustando as condições do contrato à atual conjuntura marcada pelos elevados juros e baixo poder de compra. E, neste cenário, foram observados vários movimentos no relatório anual do idealista/crédito habitação, que são úteis para entender o atual comportamento do mercado e antecipar tendências:
- Compra de casas mais baratas: no final de 2023, as famílias compraram a sua primeira habitação pelo valor médio de 223.953 euros, um valor 13% inferior face ao quarto trimestre de 2022 (257.868 euros);
- Pedir menos crédito habitação: também no final do ano, o valor médio do empréstimo foi de 160.713 euros para a compra da primeira habitação, menos 11,6% do que no mesmo período do ano anterior, quando o montante médio foi de 181.771 euros;
- Taxa mista ganha peso: com a Euribor em alta, as famílias passaram a pedir mais empréstimos a taxa mista, representando 43% dos contratos intermediados pelo idealista em 2023 (em 2022 só 21% dos contratos foram assinados a taxa mista). Isto também acontece porque os bancos começaram a adaptar as suas ofertas de crédito habitação a taxa mista de forma a captar mais clientes (reduzindo spreads, por exemplo);
- Mais valor de entrada: destaca-se “uma menor percentagem em financiamentos entre 80% e 90% (34,1%), a favor de 70-80% (30,9%)” em 2023, revela o relatório. Já no ano anterior as percentagens mais elevadas de financiamento correspondiam a 41,4% dos contratos. Por detrás desta tendência podem estar as condições dos bancos e a possibilidade de dar mais dinheiro de entrada para pagar menos juros, até porque as famílias que contrataram créditos têm maiores salários, podendo poupar mais. Ainda assim, para a compra da primeira casa a faixa de financiamento de 80-90% representa 51% das escrituras no quarto trimestre de 2023, tendo uma percentagem aproximada ao longo do ano.
O que também continuou a prevalecer em 2023 é a contratação de créditos habitação para a compra de primeira habitação (representam 43,2% do total de contratos), em detrimento de não residentes, transferências e para compra de segunda habitação. E, além disso, a maioria dos créditos contratados (78,6%) foram inferiores a 200 mil euros, indicam ainda os dados do documento.
Euribor a descer: quais os efeitos no crédito da casa em 2024?
Os dados do relatório anual do idealista/créditohabitação mostram, assim, que os empréstimos da casa foram contratualizados em 2023 de forma diferente face ao ano anterior, ajustando-se ao contexto de elevados juros. Mas como é que se perspetiva a contratação de créditos para comprar casa em 2024, numa altura em que a Euribor já está a dar sinais de descida?
O BCE tem melhores perspetivas sobre a procura de financiamento para comprar casa, já que pela primeira vez desde o início de 2022, os bancos esperam uma pequena recuperação da procura de créditos habitação no primeiro trimestre de 2024. Já a este respeito, o BdP apenas disse no inquérito aos bancos que espera que haja uma “ligeira diminuição” da procura de crédito pelos particulares em Portugal nos primeiros três meses deste ano. Isto porque, apesar de os juros nos novos contratos estarem a diminuir, continuam em patamares bem elevados para os bolsos de muitos portugueses, sobretudo os que auferem salários médios e baixos.
De qualquer forma, a trajetória em baixa dos juros já foi iniciada. Depois de o BCE ter mantido a taxa de refinanciamento em 4,5% nas suas três últimas reuniões, as taxas Euribor começaram a dar sinais de descida, estando abaixo dos 4% para todos os prazos. E estas são boas notícias para as famílias que querem contratar crédito habitação, já que vão pagar prestações da casa ligeiramente mais baixas, nomeadamente em fevereiro. Uma tendência que, a confirmar-se nos próximos meses, pode também ajudar a incentivar a procura de financiamento bancário para comprar casa, até porque a inflação em Portugal continua baixa, pressionando menos o poder de compra, apesar de ser subido para 2,3% em janeiro, devido aos preços da eletricidade e fim do IVA Zero.
Além disso, também os bancos estão a ajustar as suas ofertas de crédito habitação para atrair mais clientes, reduzindo os spreads (a sua margem de lucro). No final de 2023, observou-se uma “ligeira diminuição do spread” nos empréstimos da casa, sobretudo nos de risco médio devido à concorrência entre os bancos, apontou o BdP no inquérito aos bancos. Mas no início de 2024 o regulador liderado por Mário Centeno espera que os spreads subam um pouco nos créditos habitação.
Mas quando é que as famílias vão sentir maior alívio na carteira? As perspetivas do mercado estão mais otimistas para 2024. Ao que tudo indica, tanto a Euribor como as prestações da casa só vão cair de forma mais expressiva quando houver uma descida dos juros do BCE, que está prevista para o verão de 2024 (embora Mário Centeno defenda que este primeiro corte pode acontecer antes). A líder do BCE Christine Lagarde diz que é “prematuro” antecipar o corte dos juros diretores para antes do verão, porque quer ter a certeza de que a inflação na Zona Euro está estável nos 2% (o objetivo do regulador) e quer ainda conhecer a evolução dos salários, bem como o desenrolar dos conflitos na Ucrânia e no Médio Oriente, que têm efeitos diretos na economia por via do aumento dos preços da energia.
Por: Idealista / News