As afirmações foram do arquiteto Eduardo Souto Moura, no programa "Primeira Pessoa", da RTP.
“Não me parece que a legislação seja um luxo. Seria um luxo cumpri-la. (…) Quem tem responsabilidade devia perceber que não vive sozinho, que vive numa sociedade diversa”, diz à Lusa Rui Machado, psicólogo, de 38 anos, que tem uma doença neuromuscular.
Vive sozinho, mas só logrou o desejo de viver autonomamente há cerca de ano e meio, com o projeto-piloto de assistência pessoal do Centro de Apoio à Vida Independente (CAVI).
“Foi sempre complicado encontrar uma habitação acessível e prática”, conta, destacando o apoio de uma agente imobiliária “que vivia também, com o filho, a questão da deficiência”.
A primeira casa onde viveu tinha uma rampa, mas logo a seguir um degrau, “o que fazia com que tivesse de entrar sempre pela garagem”, e um elevador muito pequeno.
Na casa atual, em Ermesinde, tem de ser transportado do quarto até à casa de banho, porque nenhuma das duas casas de banho tem dimensões que lhe permitam entrar.
Rui Machado luta pelo direito ao acesso e destaca como tudo é cansativo: “Tudo na nossa vida, absolutamente tudo, é planeado”.
Cláudio Poiares, 39 anos, é tetraplégico desde 1997, depois de ter fraturado a cervical na sequência de um mergulho.
Na altura, aos 15 anos, vivia com os pais, que, num processo “muito difícil”, adaptaram a casa onde viviam.
Mudou-se, depois de casar, para o apartamento onde vive com a mulher e o filho, em Vila Nova de Gaia, num prédio onde só pode entrar pela garagem e que tem um elevador muito pequeno.
Para entrar precisa sempre do apoio de outra pessoa e tem de fazer a viagem numa posição que “não é saudável para as articulações”.
“Quase tenho de fazer a espargata para subir e descer. Se não tivesse assistente pessoal, não conseguia entrar e sair de casa”, disse.
O técnico de multimédia diz que “as casas portuguesas não cumprem, e a própria legislação está mal feita, não beneficia as pessoas com deficiência”, defendendo a substituição dos degraus por rampas e dimensões mínimas dos elevadores para utilização autónoma por pessoas com cadeiras de rodas elétricas.
A sua irmã, Tânia Poiares, de 33 anos, anda à procura de casa e não encontra uma que tenha condições para receber Cláudio.
“Acho que não existe. O mercado não está sequer preocupado com essa situação”, lamenta.
Os custos de uma casa perto dos requisitos são altos, porque são, geralmente, casas mais recentes.
Para Cláudio, Rui e outras 13 pessoas na Área Metropolitana do Porto, a autonomia tem a ajuda do Centro de Vida Independente, um projeto-piloto financiado por fundos comunitários que presta assistência a pessoas com deficiência.
À Lusa, a vogal e coordenadora da direção do CAVI do Porto, Ana Catarina Correia, conta que, “antes de o projeto estar em cima da mesa, no caso das pessoas com deficiências físicas e dependências mais significativas” era notório que “ou as pessoas continuavam dependentes de família e amigos (…) ou da institucionalização”.
Para a dirigente, “a legislação não é um luxo. Do ponto de vista teórico e do que prevê até é muito boa, mas não é regulamentada nem aplicada na sua verdadeira aceção, porque não é vista a dimensão do espaço para todos como um direito”.
“Um dos problemas estruturais em Portugal é a questão da pobreza”, aponta, referindo que “a maioria das pessoas com deficiência, e quanto maior o nível de dependência mais se acentua, vive na pobreza, apesar de algumas prestações sociais”.
O problema é potenciado pela falta de acesso “ao mercado de trabalho, às mesmas respostas de educação e acesso à informação, com custos acrescidos na sua sobrevivência”, entre os quais a habitação.
Segundo Ana Catarina Correia, a Câmara Municipal do Porto tem “alguns fogos que já são acessíveis”, mas “as questões são mais profundas do que isso”.
“De que adianta uma câmara dar habitação acessível a uma pessoa com deficiência se ela não tiver serviços de assistência pessoal, emprego, acessibilidades nas redondezas para que se possa deslocar, transportes públicos acessíveis?”, questionou.
A resposta passa, muitas vezes, por “estruturas residenciais autónomas e específicas, que são medidas de habitação para as pessoas com deficiência”, que a técnica vê como uma segregação.
“Para nós, isso é institucionalização. Queremos reverter este paradigma”, afirma.
Questionada pela agência Lusa sobre as respostas habitacionais para pessoas com deficiência, a Câmara Municipal do Porto adiantou que tem cerca de 800 fogos com acessibilidade no seu parque habitacional.
“Desde 2015 e até à data, vivem em habitações sociais do município mais de 450 famílias, cujos agregados integram, pelo menos, um elemento com deficiência ou incapacidade permanente”.
Há, neste momento, “cerca de 200 famílias com pelo menos um elemento que apresenta incapacidade e/ou necessidade de ocupar habitação com acessibilidade” à espera de uma casa, informa a Câmara.
Também a Ordem dos Arquitetos (OA) tem uma preocupação com estas questões, tendo criado uma Comissão Técnica de Acessibilidades, da qual faz parte Susana Machado, que garante que “a legislação está a ser cumprida, tem de estar”.
A presidente da Secção Norte da OA, Conceição Melo, pede “flexibilidade na aplicação das normas” e, falando de espaço público, refere que a “acessibilidade universal para todos e a tudo é impossível no mundo”.
“Tendencialmente, era o que gostaríamos, mas não conseguimos chegar a todos os sítios em todos os momentos da vida”, considera a responsável.