Pedro Mendes Bastos, médico especialista em Dermatologia e Venereologia e Investigador Principal em Ensaios Clínicos para doenças imunológicas dermatológicas
O lúpus eritematoso é uma doença autoimune que pode afetar vários órgãos do corpo, incluindo a pele. A pele é um dos órgãos mais frequentemente envolvidos, seja de forma exclusiva ou num contexto de doença sistémica.
O envolvimento cutâneo pode ser a primeira manifestação da doença, constituindo, por vezes, um desafio diagnóstico pela sua diversidade. O lúpus cutâneo pode ocorrer em todos os tons de pele, sendo mais frequente em pessoas com pele negra e as lesões cutâneas apresentam-se de forma distinta conforme a pigmentação basal de cada indivíduo. As manifestações cutâneas de lúpus dividem-se em específicas e não específicas: as específicas são exclusivas desta doença, enquanto as não específicas podem ocorrer em várias situações clínicas.
As manifestações específicas incluem três tipos principais. O lúpus discóide crónico caracteriza-se por lesões bem delimitadas, descamativas ou com crostas, geralmente em áreas expostas à radiação solar, como o couro cabeludo, as orelhas e a face. A coloração destas lesões pode variar entre avermelhadas, acastanhadas, violáceas ou esbranquiçadas.
Evoluem ao longo de semanas a meses e podem originar cicatrizes persistentes com alterações de pigmentação e alopécia cicatricial (perda de cabelo definitiva). O lúpus subagudo manifesta-se por lesões avermelhadas ou rosadas em forma de anel ou círculos confluentes, que aparecem principalmente no decote, costas, peito e braços, podendo causar prurido (comichão). Evoluem ao longo de dias a semanas. O lúpus eritematoso agudo surge subitamente e geralmente está associado a outros sintomas sistémicos, como problemas renais, articulares e febre. Inclui a "erupção em asa de borboleta" na face e lesões vermelhas elevadas no corpo.
As manifestações não específicas podem ocorrer tanto no lúpus como em outras doenças inflamatórias/autoimunes. A sua presença pode ser uma pista para lúpus, mas cada situação clínica deve ser encarada individualmente. Exemplos incluem urticária/angioedema, vasculite cutânea, úlceras cutâneas e livedo reticular.
Para o diagnóstico, o exame dermatológico completo é o ponto de partida. Suspeitando de lúpus cutâneo, o dermatologista fará o exame dermatoscópico e a biópsia de pele para a confirmação do diagnóstico. O diagnóstico preciso é fundamental, pois várias doenças dermatológicas podem apresentar-se de forma semelhante às manifestações específicas ou não específicas de lúpus.
O envolvimento da pele pode ser a manifestação inicial do lúpus sistémico, e atrasar o diagnóstico pode ter implicações em outros órgãos. As complicações do lúpus cutâneo compreendem o impacto psicológico e social devido a lesões visíveis, cicatrizes e alopécia permanentes, alterações na coloração da pele e risco aumentado de cancro cutâneo, especialmente em lesões persistentes de lúpus discóide.
O lúpus cutâneo é uma doença complexa com várias manifestações que podem afetar significativamente a qualidade de vida dos pacientes. Reconhecer e compreender os diferentes tipos de manifestações dermatológicas associadas ao lúpus é crucial para o diagnóstico e tratamento adequado. Transmitir informação fidedigna e aumentar a consciência sobre as apresentações cutâneas do lúpus nos vários tons de pele são missões essenciais do dermatologista. Juntos, vamos ver além da borboleta, antecipando o diagnóstico e otimizando o tratamento do lúpus eritematoso cutâneo!