Vivemos num tempo de olímpico analfabetismo cultural e religioso. Mas, por outro lado, sabemos e vamos experimentando que a cultura contemporânea, já não é marcada pela dimensão religiosa e muito menos pelo Cristianismo. Já pouco interessa para a vida que se deseja e constrói, esse magistério narrativo da fé, magistério das histórias onde se vai desvelando a verdade do mundo e do homem na “história de Homem” que é Jesus Cristo.
A filosofia ideológica que sub-repticiamente se vai impondo como uma outra cultura neste tempo complexo de convulsões, de crises e de vazios, mas sempre desafiador e em reconstrução, faz acreditar que Deus não é necessário ou que é mesmo pouco verosímil a possibilidade do divino na nossa história e nos nossos corpos, que cada um é dono e senhor de si mesmo e do seu destino. Perdeu sentido e importância a dimensão religiosa e cristã. Tudo isto trazido à luz pelo modo pagão da vida de muitos que se dizem religiosos e cristãos.
Esta proposta ideológica e já comportamental, tem vindo paulatinamente a esvaziar a alma da cultura e também dos valores personalistas que herdámos, potenciados não pela ditadura, mas pela proposta nova e fecunda do Cristianismo. A mesma tem sinuosamente inscrito nas nossas consciências uma nova realidade sobre a pessoa negando a sua transcendência, fazendo saborear a finitude e o prazer como valores absolutos e encantadores.
Trago estes pensamentos depois da grave, mas não inútil controvérsia provocada na abertura dos Jogos Olímpicos pela paródia insultuosa ao Cristianismo na interpretação da obra de Jan Harmensz Van Biljert sobre “O banquete dos deuses” ou “A festa dos deuses” datada de 1635, muito posterior a outras do género e que na verdade se enquadra numa provocação ao mesmo vivido no âmbito católico.
Encenada por Thomas Jolhy, a teatralidade kitsch daquele momento protagonizado por drag queens (que talvez tenha motivado cinicamente tanto alarido), parece segundo alguns comentadores não visar a representação da Última Ceia de Cristo, de Leonardo da Vinci, cuja moldura das personagens espontaneamente também parece evocar, mas uma recriação festiva desse encontro dos deuses Apolo e Dionísio, também conhecido como Bacus, o deus do vinho, numa perspetiva de aceitação e inclusão de todas as religiões e deuses sempre inscrito na matriz da França laica e revolucionária. Tudo isto originou, a meu ver, muito tristemente, uma tempestade desnecessária onde não se valorizou a arte, a cultura e a religião e a um julgamento precipitado, ignorante e intolerante quer da parte de quem se considerou ofendido (nas estradas dos MCS como os fundamentalistas religiosos, a direita histérica e puritana religiosa), quer por outro lado, o preconceito dos considerados arreligiosos, ateus ou agnósticos a respeito dos que se sentiram ofendidos. Infelizmente torna-se notório, que hoje parece desejar-se um mundo e uma cultura sem religião, particularmente sem o Cristianismo.
Todo o pensamento ou atitude que se afirmem com inspiração nos valores e doutrina cristã parecem ser colocados sob suspeita, não raras vezes ridicularizados, considerados medíocres e reduzidos no seu valor. Perdeu-se, cada vez mais, a capacidade da escuta, a humildade da compreensão, a verdade da tolerância e do respeito.
E perdeu-se o valor do humor. Não precisamos silenciar a riqueza de uns, empobrecendo, ridicularizando e maldizendo outros. A cultura, esse conjunto de ideias, comportamentos, símbolos e práticas sociais artificiais aprendidos de geração em geração por meio da vida em sociedade é feita de fé e de razão. A todos se exige verdade, beleza e autenticidade.