Ser professor não é fácil nos dias que correm. Com salários abaixo do expectável, os docentes reclamam ainda a falta de condições na carreira, dificuldade na mudança de escalão, congelamento do tempo de serviço e, mais recentemente, as alterações do modelo de concurso de colocação. São os entraves de quem tem o sonho de ensinar, mas que se sente “abandonado pelo país”.
Ana Pereira tem 46 anos e há 23 que exerce a profissão de docente. Trabalha na Escola Secundária de Loulé, na área de Educação Física e Desporto. Ao nosso jornal conta que “no final do secundário decidi concorrer à Licenciatura em Ciências do Desporto e foi durante a mesma que optei pela via ensino. Percebi que poderia ter um impacto muito positivo no desenvolvimento físico e emocional dos jovens e queria sobretudo ser uma professora próxima dos alunos e que os estimulasse para a prática desportiva, a qual teve um papel muito importante durante a minha infância e adolescência”.
A docente considera que as greves “espelham a imagem de descontentamento dos professores e também dos não docentes relativamente à profissão”. Sobre os motivos das mesmas, identifica as seguintes razões: “não contabilização do tempo de serviço, a falta de transparência e o próprio processo de avaliação dos professores, fim das cotas de acesso ao 5º e 7º escalão, excesso de burocracia e constantes mudanças na organização dos programas e políticas de avaliação, para além da falta de professores e pessoal não docente”.
Atualmente, um quarto dos professores (perto de 28 mil) têm 60 ou mais anos. Estes dados são do relatório anual do Conselho Nacional de Educação, divulgado recentemente. Assim sendo, nos próximos seis a sete anos, estes docentes vão atingir a idade da reforma. Ana Pereira acredita que muitos dos seus colegas não abandonam a profissão porque “são pessoas que se encontram no final da carreira e já se encontram cansados e, de certa forma, desmotivados pois têm que continuar até cumprirem a idade da reforma para não serem penalizados”. Quanto a jovens professores, diz apenas que “os colegas mais novos são muito poucos, alguns encontram-se motivados e outros não”. E no meio do sentimento de abandono, a docente de Educação Física e Desporto reforça que os professores procuram “respeito” para a sua carreira, para além de “menos burocracia”.
Nuno Castanho, 30 anos, é docente da disciplina de Inglês há 7 anos e um dos mais jovens a lecionar no Agrupamento de Escolas Padre João Coelho Cabanita. Ao nosso jornal, conta que “sempre gostei bastante da disciplina que leciono, mas a escolha da profissão, no meu caso, foi quase acidental. Decidi experimentar e o ‘bichinho’ ficou’”. Nuno conta que os seus objetivos iniciais na profissão passam por praticar um ensino “dinâmico e atual”. Contudo, as “metodologias de ensino novas quase nunca têm lugar na sala de aula de hoje”. Acrescenta ainda que “também gostava de estar vinculado”.
Alteração do modelo de concurso de colocação
Atualmente, a maior luta dos professores passa pela alteração do modelo de concurso de colocação. Os docentes mostram-se contra as propostas de alterações ao modelo de concurso de colocação. O Governo pretende criar um novo modelo de gestão e recrutamento de docentes, baseado no seu perfil e necessidades do agrupamento. Deste modo, um professor pode dar aulas em várias escolas do mesmo concelho. Este novo modelo de contratação, segundo o Ministério da Educação, traria maior estabilidade aos docentes, uma vez que a sua integração seria decidida por conselhos locais de diretores, que não iriam contratar diretamente docentes.
Apesar das promessas de melhorias e reuniões com as organizações sindicais, as decisões tardam. Nuno Castanho considera que as greves dos professores são “extremamente necessárias face às condições que temos de momento na profissão". O docente de Inglês do Agrupamento de Escolas Padre João Coelho Cabanita aponta que os principais motivos das greves “são a criação de melhores condições de estabilidade na profissão. É ainda essencial que seja mais fácil o vínculo com uma instituição, mais justo e rápido subir de escalão, a não municipalização dos concursos e, embora não me afete diretamente, gostava de ver os meus colegas com todo o seu tempo de serviço contabilizado”.
As greves por distritos começaram no passado dia 16 de janeiro e prolongam-se até ao dia 8 de fevereiro. Em Faro, as reivindicações do passado dia 26 de janeiro reuniram cerca de mil professores e educadores de todo o distrito. A greve das oito organizações sindicais realiza-se em simultâneo com outras duas paralisações: uma greve por tempo indeterminado, convocada pelo Sindicato de Todos os Professores (STOP), que se iniciou em 09 de dezembro, e uma greve parcial ao primeiro tempo de aulas convocada pelo Sindicato Independente de Professores e Educadores (SIPE), que devem manter-se até fevereiro.
“Aos 44 anos, fiz a minha vida no Algarve, mas continuo a ser contratada e sem certezas nenhumas para o futuro” – Helena Bravo
“Desde pequena que juntava os bonecos e o meu irmão e dava-lhes aulas”. A frase é de Helena Bravo, 44 anos, professora de História e de Cidadania e Desenvolvimento, no Agrupamento de Escolas Padre João Coelho Cabanita. Com 22 anos de ensino, recorda o sonho: “mandava-os [aos “alunos”] estarem sossegados e calados para ouvirem a professora. Escrevia num quadro de ardósia uns rabiscos incompreensíveis, mas sentia-me a melhor professora do mundo”, conta, entre risos. E se o mais difícil das suas aulas de brincadeira era o barulho dos alunos, hoje, a realidade da profissão é outra. Helena Bravo revela que “quando iniciei a minha carreira, achava que pelos 30 anos estaria efetiva numa escola, de preferência perto de casa para poder formar uma família e organizar a minha vida. Hoje, aos 44 anos, fiz a minha vida no Algarve, mas continuo a ser contratada e sem certezas nenhumas para o futuro”.
A docente considera que “a situação dos professores é inaceitável neste momento. A união e a luta são fundamentais. A meu ver a existência de diversos sindicatos atrapalha a nossa causa. Deveríamos ter uma ordem de professores, penso que conseguiríamos ter mais impacto nas nossas reivindicações. Sinceramente estas greves não são a solução a meu ver. A paragem total das atividades letivas teria mais impacto”.
Confrontada com o que procuram os professores para a sua carreira, Helena Bravo é clara: “mais estabilidade, dignidade, respeito e reconhecimento de todos, mas principalmente do Governo”. A docente de História; Cidadania e Desenvolvimento recorda que “a Constituição Portuguesa consagrada no Artigo 73.º n.º 1. Todos têm direito à educação e à cultura e no n.º 2. O Estado promove a democratização da educação e as demais condições para que a educação, realizada através da escola e de outros meios formativos, contribua para a igualdade de oportunidades, a superação das desigualdades económicas, sociais e culturais, o desenvolvimento da personalidade e do espírito de tolerância, de compreensão mútua, de solidariedade e de responsabilidade, para o progresso social e para a participação democrática na vida coletiva”. No final, questiona: “Como fazer isto sem profissionais de educação?”
Ana Pereira, Nuno Castanho e Helena Bravo são apenas três dos rostos da educação. Dar a cara pode não ser tarefa fácil, mas a coragem que demonstram, acaba por inspirar os seus alunos. Questionados se o Ministério da Educação e o Governo abandonaram os docentes, a resposta é afirmativa. “A profissão está desvalorizada”, completam. As greves têm sido sentidas por todo o país e a região algarvia acompanha a tendência. Não há, para já, medidas efetivamente claras de mudança.
Por: Filipe Vilhena