O Presidente da Câmara abre o livro do seu mandato ao Correio de Faro e deixa as linhas mestras do que poderá ser o futuro do nosso concelho.

Correio de Faro - Prestes a cumprir 3 anos, como resume o seu mandato?

Rogério Bacalhau - Divido este mandato em duas metades. Uma primeira em que tivemos a preocupação de recuperar as finanças e a credibilidade da Câmara; e uma segunda, em que começamos a atuar decisivamente na melhoria do território.

 

Correio de Faro - Comecemos pela primeira. Tem valido a pena o sacrifício?

Rogério Bacalhau - Creio que não há dúvidas. Nos últimos anos diminuímos a dívida total em cerca de 40% e hoje somos um parceiro credível junto dos outros agentes económicos, que sabem que pagamos tudo a tempo e horas. Efetivamente temos tudo em dia. Não deixamos nada para depois. Só isso, já é uma diferença colossal em relação ao que se fazia.

 

Correio de Faro - Pagar a tempo e horas não é uma obrigação de todos? O que faz disso uma conquista digna de ser assinalada?

Rogério Bacalhau - Durante muitos anos, os autarcas (aqui e em outros lugares), não tinham essa prática. O que queriam era deixar obra feita que pudesse ser apreciada pelos munícipes, mesmo que para isso tivessem que ficar a dever somas astronómicas. As autarquias acabaram por se endividar demasiado para levar a cabo investimentos nem sempre reprodutivos. Em Faro foi também o que aconteceu e o colapso foi inevitável.

 

Correio de Faro - Muitos consideram que esta é uma política míope, que pouco mais vê do que a frieza dos extratos bancários, dos indicadores de eficiência e dos procedimentos internos.

Rogério Bacalhau - Não concordo. Devemos fazer sempre boas contas. Se é assim que fazemos na nossa vida pessoal, porque havemos de fazer diferente na câmara? Pelo contrário, com os dinheiros públicos devemos ser ainda mais escrupulosos. Endividar hoje significa não ter condições de pagar amanhã e não ter capacidade de resposta para os problemas do futuro. Foi isso que aconteceu em Faro nos últimos anos e que tanto custou a corrigir. Hoje, felizmente, já temos alguma autonomia e capacidade de investimento.

 

Correio de Faro - Vamos então à segunda metade do mandato. Quais os aspetos mais relevantes?

Rogério Bacalhau - Destacaria a recuperação da rede viária da cidade e freguesias, na qual ninguém tocava há mais de dez anos, a requalificação da Baixa e Centro Histórico e o aumento considerável da notoriedade do concelho.

 

Correio de Faro - As “boas contas” possibilitaram a revisão orçamental aprovada, que vai permitir um investimento considerável no concelho. É assim?

Rogério Bacalhau - Efetivamente, há um reforço de mais de 4 milhões de euros, provenientes das contas de 2015, para investir em diversas áreas. Queremos continuar a apostar na melhoria da rede viária e equipamentos públicos, na recuperação do parque escolar e desportivo e na dinamização do nosso comércio. Ao mesmo tempo redobrámos os apoios ao associativismo e às juntas de freguesia. Essencialmente, o que estamos a fazer é investir nos munícipes os fruto do seu esforço.

 

Correio de Faro - O Programa Faro Requalifica vai continuar?

Rogério Bacalhau - Neste exercício e no de 2017 temos uma verba de cerca de dois milhões, consensualizada com todas as forças partidárias, para investimento na rede viária. Vamos assim dar continuidade ao que se fez no Programa Faro Requalifica, em que reabilitámos vias fundamentais da cidade como a Rua Serpa Pinto, a José de Matos ou a Rua da Alfândega. Recuperámos também as principais artérias em todas as freguesias. Para um concelho que esteve mais de dez anos sem fazer qualquer empreitada relevante de betuminoso, penso que foi um bom princípio.

 

Correio de Faro - O que se segue?

Rogério Bacalhau - Estamos já a lançar os procedimentos de algumas intervenções do segundo Programa Faro Requalifica. A verba a alocar será mais do dobro da que investimos no primeiro programa. Entre outras, iremos proceder à requalificação das principais entradas da cidade, toda a Av. Cidade Hayward e a Av. Dr. Gordinho Moreira. Vamos também proceder ao arranjo da Av. 5 de Outubro, melhorando a circulação de automóveis e peões. Neste plano continuaremos também preocupados com as freguesias que tão martirizadas foram ao longo dos últimos anos, nomeadamente arruamentos de Montenegro, Estoi e Gorjões.

 

Correio de Faro - Ainda assim há quem afirme que Faro é “apenas” uma cidade de festas e de espetáculos.

Rogério Bacalhau - Os eventos em que apostámos têm tido um papel crucial na estratégia que definimos de valorização do território e de afirmação turística do concelho. Para além disto os eventos trazem um crescimento do sentimento de orgulho e da autoestima dos farenses em relação à sua cidade. Hoje podemos afirmar, sem complexos, que Faro é uma cidade viva e atrativa.

 

Correio de Faro - Esta aposta é então para continuar?

Rogério Bacalhau - Sim, na medida em que tanto o Festival F, como o Alameda Beer Fest, como a Festa da Ria Formosa como todos os outros eventos em cuja organização nos empenhamos, resultam em retornos importantes para o concelho sem onerar o Município. Todos os eventos do Município se pagam a si próprios e trazem retorno económico ao concelho.

 

Correio de Faro - Nestes últimos anos assistimos a uma recuperação assinalável do quadro económico e comercial do concelho. De quem é a responsabilidade?

Rogério Bacalhau - Essencialmente dos empresários e dos comerciantes, que fizeram investimentos acertados em boas lojas, unidades hoteleiras inovadoras e restauração de muita qualidade. O crescimento económico e social não resulta do investimento público direto. Resulta sim da capacidade e da confiança da iniciativa privada.

 

Correio de Faro - Mas o arranjo da Baixa é o resultado de investimento público…

Rogério Bacalhau - De acordo, mas essa é a responsabilidade das autarquias. Melhorar o espaço público, criando condições para que os privados invistam com confiança.

 

Correio de Faro - Foi assim com o projeto das telas de ensombramento que foram colocadas nas ruas pedonais da Baixa?

Rogério Bacalhau - Esse é um feliz exemplo de uma boa capacidade de entendimento entre o sector privado e o Município. A nossa preocupação tem sido ouvir os comerciantes e empresas, realizando intervenções consensualizadas e adequadas às necessidades do dia-a-dia. A Baixa é um ponto da cidade muito valorizado e todo o investimento que ali se realiza tem um efeito de alastramento às outras áreas da cidade. A partir daqui a alavanca está acionada. Têm a palavra os empresários e os consumidores.

 

Correio de Faro - O que está a autarquia a fazer para promover o crescimento económico e empresarial nas outras áreas do concelho?

Rogério Bacalhau - As regras que estamos a criar estão a preparar Faro para o investimento das próximas décadas e, todas as zonas do concelho. O Plano Diretor Municipal (PDM) é o documento que define o modelo territorial para os próximos dez anos, de acordo com a nova legislação em vigor e com as expectativas dos cidadãos. O atual PDM tem 20 anos e Faro não pode crescer à luz de um plano tão antigo. O crescimento que queremos para a próxima década deve ter respeito pelo meio-ambiente, com qualidade urbanística, espaços verdes, boa mobilidade, o apelo do mar e zonas de lazer. Temos os planos de urbanização do Areal Gordo, Bom João e Lejana e estamos na linha frente entre todas as cidades médias deste país, no que diz respeito às nossas áreas de reabilitação urbana e à forma como trabalhamos o nosso melhor património.

 

Correio de Faro - Que se antecipa para o Bom João?

Rogério Bacalhau - O Bom João é central nesta estratégia de crescimento. Todos reconhecem o potencial desta zona pela litoralidade. Gostaríamos no futuro de ali ter um porto de recreio e de conseguir toda a requalificação do cais comercial. Nesse sentido, devemos antecipar a adaptação da cidade a toda esta dinâmica. E queremos fazê-lo desde já.

 

Correio de Faro - Que papel joga o Litoral na estratégia?

Rogério Bacalhau - Um papel fulcral. Infelizmente, hoje há uma enorme diferença de qualidade entre a imagem que o centro da cidade oferece e a que é projetada pela zona ribeirinha. Por exemplo, o estado de degradação da doca exige que as entidades que gerem o litoral atuem já. Todos vêem os barcos em doca seca, o lixo acumulado, os muros da doca cheios de fissuras e as infiltrações de água nas artérias circundantes…

 

Correio de Faro - Essa responsabilidade não é da Câmara?

Rogério Bacalhau - Não. Essa responsabilidade é da Docapesca que é a entidade pública que faz a gestão das docas e marinas. Nós temos feito chegar à Docapesca a nossa insatisfação. A resposta é sempre a mesma: “a doca velha será intervencionada quando se efetuarem os trabalhos da marina exterior”. O problema é que nós não podemos esperar por circunstâncias que não dominamos. Enquanto esperamos, o que se verifica é uma cidade a crescer a duas velocidades: no casco urbano verifica-se um desenvolvimento assinalável, reconhecido por todos; no litoral continua a degradação e o abandono. Por isso, os farenses exigem e com razão, que a Docapesca atue já, independentemente da configuração de projetos futuros.

 

Correio de Faro - O caminho-de-ferro continua a ser um constrangimento?

Rogério Bacalhau - Em certa medida sim, mas não serve de desculpa para tudo. Posso adiantar-lhe que o Plano de Mobilidade e Transportes (PMT), que estamos a preparar juntamente com o novo Plano Diretor Municipal (PDM), prevê uma solução possível para a linha do Caminho-de-ferro. Com o plano concluído, iremos exigir junto das Infraestruturas de Portugal as necessárias intervenções.

 

Correio de Faro - O PMT está já finalizado?

Rogério Bacalhau - Falta pouco. Concluímos mais uma fase de recolha dos contributos dos munícipes. Agora estamos a preparar um documento final que será debatido nas sedes próprias. A mobilidade é um ponto crucial para o desenvolvimento do concelho. Não só a rodoviária, como a ferroviária, a marítima e também os chamados modos suaves – peões e veículos não motorizados. Queremos o concelho moderno, móvel e sustentável.

 

Correio de Faro - O que pode antecipar?

Rogério Bacalhau - O plano é conjunto e não pode ser lido parcialmente. Posso dizer-lhe que há duas intervenções essenciais que serão antecipadas por força do PMT. A criação de uma rotunda no cruzamento entre a Av. Gulbenkian e a EN2 [Estrada de S. Brás] e o desenvolvimento da rede de ciclovias, através dos trajetos Faro Olhão e Faro / Aeroporto.

 

Correio de Faro - Um plano que enquadra também a nova Variante, que abriu durante este mandato.

Rogério Bacalhau - Sim. Felizmente as pessoas já nem se lembram de como era circular em Faro sem a Variante. Mas eu lembro-me bem do que penámos para que se verificasse o recomeço efetivo das obras que haviam ficado interrompidas no dia 24 de Março de 2012. Foram longos os 903 dias de impasse, mas a Variante está hoje ao serviço de todos. Só falta a ligação à A22.

 

Correio de Faro - O novo acesso à Praia de Faro também é já uma realidade.

Rogério Bacalhau - Sim, mas será sempre um acesso incompleto enquanto a atual ponte continuar ao serviço. Recordo que esta ponte tem 60 anos e é o único meio de acesso rodoviário à Ilha de Faro. Os estrangulamentos são evidentes.

 

Correio de Faro - Continua a defender o projeto da nova Ponte para a Ilha?

Rogério Bacalhau - Claro. Nesse sentido, cumprimos com a nossa obrigação de financiar 30% da verba necessária. Falta à POLIS cumprir com a sua parte.

 

Correio de Faro - Que diz aos que afirmam que a nova ponte tem apenas uma faixa de circulação e que, por conseguinte, não resolve nenhum estrangulamento?

Rogério Bacalhau - Quando o debate resvala para a politiquice e para a demagogia, devemos recorrer à matemática para compreendermos os factos. E os factos são simples. O tabuleiro atual tem 4,70m de largura e apresenta uma faixa de rodagem de 2,70m de largura; o novo projeto prevê um tabuleiro com 11,5 metros de largura…

 

Correio de Faro -Mas só prevê uma faixa para automóveis…

Rogério Bacalhau - Esse é o espaço que temos disponível. Veremos depois como o poderemos utilizar e quais as melhores soluções para a sinalização horizontal. O que é importante é que as pessoas saibam que a atual ponte tem 60 anos e que recebeu a última reforma importante há cerca de 20, que tem custos de manutenção elevados e que no futuro apresentará questões sérias de segurança. Em contraponto, a nova ponte é muito mais larga e funcional, é ambientalmente correta e definidora de uma melhor paisagem. Tem projeto e financiamento definidos. Penso que estes são os factos que devemos discutir.

 

Correio de Faro - Como é presidir uma câmara sem maioria na vereação?

Rogério Bacalhau - Trabalho com qualquer força partidária desde que haja lealdade no processo. Esta é, ainda assim, uma experiência diferente. Lembro que nem as competências administrativas foram delegadas nos nossos vereadores. Assim, uma simples transferência de uma licença de táxi de uma viatura para outra, é matéria que tem que vir à Reunião de Câmara pública semanal, que acaba por ter ordens do dia demasiado extensas.

 

Correio de Faro - Isto não diminui a velocidade da resposta do Município?

Rogério Bacalhau - Diria que se perdeu em flexibilização e capacidade de resposta aos problemas imediatos, mas ganhou-se em diálogo. São contingências ditadas pelo Eleitorado, que é soberano. Devemos respeitar e fazer tudo para que no futuro os nossos argumentos possam vingar de uma forma mais conclusiva.

 

Correio de Faro - Tomaria decisões diferentes se estivesse em maioria na Câmara?

Rogério Bacalhau - Sim. Por exemplo, o abatimento de prestações do PAEL, que nos foi indicado como condição de viabilização da revisão orçamental, é algo que neste momento eu não faria se estivesse com maioria absoluta. Porque parte do pressuposto errado que ela possibilitará a descida dos impostos. Ora o IMI encontra-se na taxa máxima por força do plano de reequilíbrio financeiro implementado em 2010 e não por culpa do PAEL. É pena, porque é cerca de 1 milhão de euros que podiam servir para investir no concelho.

 

Correio de Faro - Quais os grandes projetos que este Executivo apresenta para o médio prazo?

Rogério Bacalhau - Temos três desígnios fundamentais. O primeiro é a Capital Europeia da Cultura 2027, que se enquadra numa estratégia de afirmação da região e dos seus agentes culturais.

 

Correio de Faro - E quais os outros?

Rogério Bacalhau - A criação do conceito de Cidade Ribeirinha, através da requalificação de todo o litoral, do Bom João até ao Montenegro, com a colaboração de todos os intervenientes.

 

Correio de Faro - E o terceiro?

Rogério Bacalhau - A requalificação da zona Baixa da Cidade, entre o Teatro das Figuras e o Largo de São Francisco. (final)

 

Correio de Faro - O que espera que fique da sua passagem pela Câmara?

Rogério Bacalhau - A assunção de que Faro tem futuro e a certeza que o Município perdurará pelos anos fora, muito depois de nos termos ido embora.

 

Correio de Faro - O que se passa com os espaços verdes do concelho? Porque tem a Câmara tantas dificuldades em assegurar a sua manutenção?

Rogério Bacalhau - Não o escondemos. A manutenção dos espaços verdes da cidade caiu-nos no regaço em Agosto de 2013, por decisão de Tribunal de Contas. Com as restrições do reequilíbrio financeiro decretado em 2010, a câmara não pôde aumentar o seu efetivo de pessoal nem apetrechar o serviço com maquinaria e equipamentos adequados. Assim, estamos com 12 funcionários e material obsoleto a tratar das necessidades de todo o território afeto à Freguesia da Sé e São Pedro – as outras juntas de freguesia aceitaram as competências delegadas pela câmara nesta matéria. Claro que nos períodos em que há mais férias e baixas, os problemas se acentuam.

 

Correio de Faro - O que pretende fazer?

Rogério Bacalhau - O nosso plano é simples e foi aprovado em Câmara e Assembleia Municipal. Fizemos uma revisão orçamental que nos vai permitir concessionar esta prestação a empresas especializadas. Até à abertura desse concurso, que tem trâmites legais e burocráticos pesados, estamos a preparar um plano de salvaguarda que nos vai permitir atuar já nos pontos mais sensíveis.

 

Correio de Faro - Que se passa com as fontes da cidade?

Rogério Bacalhau - As pessoas pensam que se liga uma torneira e as fontes ficam a funcionar. Não é assim. Há maquinaria que tem que ser substituída e isso importa um investimento considerável. A fonte do Largo de S. Francisco exige um arranjo de cerca 100 mil euros e nada nos garante que não volte a avariar porque está em zona de cheias; depois há a Fonte do Pé da Cruz, que é muito antiga e pede um trabalho de restauro minucioso; a do Teatro das Figuras apresenta questões de conceção; e ainda há todas as outras, com os seus problemas próprios.

 

Correio de Faro - O que podem os farenses esperar nesta matéria?

Rogério Bacalhau - Para já, estamos a contratualizar restauro da Fonte do Pé da Cruz, procurando recriar as suas características originais. Depois vamos atuando passo a passo na resolução das outras situações.

 

Por CMF