Durante anos, viveram sob a ameaça de perderem as casas na Praia de Faro e a maioria convenceu-se de que não aconteceria. Agora, há 116 construções consideradas ilegais na ilha para irem abaixo em 2015, mas muitos proprietários recusam sair.

Augusta Pudim é o rosto da desolação quando fala do que aí vem, quase dez anos após a aprovação do plano de demolições na Ria Formosa.

Tal como outra centena de pessoas com casas de segunda habitação ou anexos nos núcleos piscatórios da Praia de Faro, recebeu a última carta do programa Polis Ria Formosa, que intima os proprietários a desocuparem as casas até 05 de janeiro, mais um mês do que a data prevista inicialmente.

"A mágoa é muita. É uma vida de trabalho e uma vida de tudo, estão a querer tirar-me isso, a mim e aos meus", diz à Lusa a mariscadora, de 59 anos, que passa a maior parte do ano na casa que tem na zona nascente da ilha, de onde só sai "no rigor do inverno" e de onde promete não retirar "coisíssima nenhuma".

Apesar de não usar a casa como apoio à atividade profissional, como Augusta, José Teixeira, com casa de férias comprada por 30 mil euros, há 15 anos, na zona poente - a mais afetada, com 73 construções sinalizadas -, também se recusa a retirar os bens e acusa a sociedade Polis de agir de forma abusiva.

"Esta operação não tem base sustentável de legalidade absoluta porque devia ter sido decidida em Assembleia Municipal e não foi", refere, defendendo que se o Estado quer avançar com as demolições deve indemnizar as pessoas, porque foi "esse mesmo Estado" que permitiu que os proprietários tivessem água, eletricidade e pagassem impostos à autarquia.

José Teixeira integra um grupo de 40 proprietários, dos extremos poente e nascente, que estão a preparar uma ação judicial para tentar travar o processo e impedir a posse administrativa das edificações, marcada para 07 de janeiro, entre as 10:00 e as 17:00.

Contudo, segundo a carta enviada pela sociedade Polis Litoral Ria Formosa a 18 de novembro, a que a Lusa teve acesso, se terminar o prazo fixado sem que a decisão tenha sido "voluntariamente acatada" pelos proprietários, os custos da demolição "correrão por conta do interessado".

Numa primeira fase, a Polis prevê demolir 800 construções ilegais nos ilhotes e ilhas-barreira da Ria Formosa, entre casas de segunda habitação e anexos de apoio à pesca. Numa segunda fase, serão as casas de primeira habitação na Praia de Faro a ir abaixo, mas só com realojamento garantido.

De fora ficam, por enquanto, as casas situadas na faixa central, território desafetado do Domínio Público Marítimo e concessionado à autarquia.

Para José Teixeira, é "uma grande injustiça" manter umas casas e derrubar outras, até porque quando o mar galga de um lado ao outro da ilha é sobretudo na zona central e não nos extremos. A fragilidade do cordão dunar, acrescenta, foi acelerada pela construção do molhe da marina de Vilamoura, que dificulta a passagem natural de areias.

João Barreto, reformado emigrado em França que comprou casa a um pescador há 32 anos, na zona poente, também se recusa a retirar os bens e pretende lutar até ao fim contra as demolições, até porque, refere, os critérios não estão bem fundamentados e há "erros grosseiros" na avaliação dos casos.

Há 13 anos a viver na área nascente, Carlos Estêvão, pescador profissional e mariscador, diz mesmo que não tem para onde ir, porque aquela é a casa onde vive.

"Não vou retirar nada, tenho tudo aí. Não tiro nada, nada. Eles têm que ter uma solução para resolver o meu problema", desabafa, acrescentando que a sua casa foi considerada como segunda habitação pelo facto de a mulher ter outra casa, em Faro, onde vive o filho do casal.

Em declarações à Lusa, o presidente da Câmara de Faro, Rogério Bacalhau, lembra que sobretudo a zona poente é uma zona "de grande risco", onde nos últimos anos o mar já levou quatro casas, apesar de compreender que a ligação afetiva àquelas zonas faz com que seja mais difícil aceitar a decisão.

"Até ao momento, todas as situações podem ser revistas. Apelo àquelas pessoas que achem que os critérios não estão a ser cumpridos para que reclamem mais uma vez", concluiu.

 

Por: Lusa