O ciclo Libertar a Memória #2 decorre este ano no Armazém Regimental de Lagos, nos dias 31 de Outubro e 14 de Novembro às 19h, com entrada livre, enquadrado na programação do Museu de Lagos | Rota da Escravatura e conta com 2 exibições de documentários portugueses, seguidos de debate e também uma oferta de livros selecionados no contexto do programa.
Nesta edição, dá-se continuidade ao uso do cinema como instrumento de discussão, de linguagem transformadora, de educação e conhecimento sobre um tema tão desconfortável quanto necessário: fala-se da História, de escravatura, do passado colonial e pós-colonial e das suas consequências que perduram até hoje num Portugal ainda com dificuldades em abordar estes assuntos bem como pensar o seu impacto na construção da atual sociedade portuguesa.
Assim, procura-se, através deste programa, suscitar o debate, colocar questões e abrir o diálogo ao público e à sociedade em geral.
Fazê-lo em Lagos tem especial relevância, uma vez que se assume como local emblemático na História da expansão portuguesa e também como o primeiro porto de desembarque europeu de pessoas escravizadas na costa ocidental africana. Na atualidade, a relevância da descoberta em 2009, de 158 ossadas de africanos escravizados, enterrados onde, dos séculos XV a fim XVI-inícios do XVII, havia uma lixeira urbana (no Valle da Gafaria), durante trabalhos arqueológicos preventivos da construção de um parque de estacionamento, veio confirmar as fontes documentais que referem que em Lagos aconteceu a grande primeira venda de pessoas escravizadas da Época Moderna. Esta descoberta é considerada a mais antiga de grandes dimensões conhecida na Europa, sublinhando o papel desempenhado pelos navegadores lacobrigenses comerciantes de pessoas escravizadas, tratadas como quaisquer outras mercadorias, na dramática abertura do tráfico esclavagista transatlântico.
Questiona-se então, se a História, tal como a aprendemos, nos tem sido bem contada - o que se escolhe ensinar em detrimento do que se oculta? O que realmente sabemos sobre este assunto? E que vozes não foram ouvidas até agora que ainda é necessário ouvir?
Para trilhar este desafio, exibe-se no dia 31 de Outubro, o documentário “Debaixo do Tapete” da jornalista Catarina Demony, algarvia, cujos antepassados, os Matoso de Andrade e Câmara, foram dos maiores comerciantes de pessoas escravizadas em Angola entre o século XVIII e XIX, fazendo fortunas à custa de seres humanos retirados das suas terras à força.
Segue-se o debate moderado pela cineasta, investigadora e artista Patrícia Leal, com os convidados Apolo de Carvalho, Mestre em Politique et Développement en Afrique e dans les Pays des Sud, pela Sciences Po Bordeaux e Nuna, multi-premiada actriz, ativista tendo por base o Afrofuturismo, tendo colaborado com as Nações Unidas, União Europeia, presidência Portuguesa entre outras instituições.
No dia 14 de Novembro, exibe-se o documentário Visões do Império, da investigadora e realizadora Joana Pontes em que, através da análise de registos fotográficos, torna-se possível reexaminar de forma crítica a História de Portugal e das antigas colónias, usando a fotografia enquanto objeto indispensável neste processo de conhecimento e reflexão.
O debate será moderado por Débora Pinho Mateus, antropóloga visual, formadora, produtora e programadora do FICLA - Festival Internacional de Cinema e Literatura do Algarve [2019 -2022] e membro da direção do Cineclube de Tavira. As convidadas são Marta Lança, jornalista, investigadora, programadora e editora - fazendo regularmente projetos nos PALOP. Tem investigado sobre questões pós‑coloniais, disputas de memória e produção de conhecimento em plataformas colaborativas e Lúcia Furtado uma das fundadoras da Femafro - Associação de Mulheres Negras, Africanas e Afrodescendentes em Portugal onde exerce a função de Presidente da Direção, esteve envolvida na Campanha por uma Outra Lei da Nacionalidade, no grupo que pretendia a Recolha de Dados Étnico-Raciais nos censos de 2021.
Para completar as exibições, haverá também uma curadoria literária da responsabilidade de Marta Lança e do projeto Buala - livros escolhidos para enquadrar, desafiar e abrir novos caminhos e consciência para estes temas e que poderão ser adquiridos em cada sessão.
Libertar a Memória é um projeto promovido por O Corvo e a Raposa - Associação Cultural, com a coordenação e direção artística de Luísa Baptista, apoiado pela CCDR Algarve, I.P., tendo como parceiro o Município de Lagos, Museu de Lagos | Rota da Escravatura. Conta com o apoio de Cineclube de Faro, BUALA.org, Museu Zer0 e a livraria A Internacional
O Corpo e a Raposa