“Em primeira instância, está sempre o pombo. Temos de o proteger. Para quem não conhece a columbofilia, é um pássaro. Para nós, é muito mais do que isso. Não digo que seja como um filho, mas é um animal que faz parte de nós. Afinal, são 365 dias por ano a tratar deles”, partilhou à agência Lusa o diretor desportivo federativo Almerindo Mota.
Os pombos serão soltos em simultâneo às 06:30 (hora de Lisboa), junto ao autódromo Ricardo Tormo, em Cheste, perto da cidade espanhola de Valência, para regressarem em voo a Portugal, onde chegarão aos respetivos pombais, dispersos por vários distritos do país.
“Há algumas teorias, mas ainda não temos uma explicação concreta para que estas espécies se orientem e venham embora. Sabemos é que têm uma inteligência tremenda, sabendo que chegam ao local de partida num camião completamente fechado. Por exemplo, se me deixassem em Valência, não chegava a casa sem tabuletas”, ilustrou.
Para a costa leste de Espanha viajaram 61.003 aves inscritas, em representação de 14 associações distritais, 400 clubes e 8.000 columbófilos, capazes de percorrer uma distância média de 750 quilómetros e completar os seus voos entre oito e 10 horas.
“Como é uma solta desde Viana do Castelo até Faro, tentámos enquadrá-la num local central, com distâncias mais ou menos idênticas para todas as associações. Em situação normal, regressam todos a casa. Contudo, pode haver cabos de alta tensão ou aves de rapinas, que, neste momento, são um flagelo da columbofilia”, frisou Almerindo Mota.
O transporte decorreu na madrugada de quinta-feira por 14 camiões TIR, equipados com os cuidados necessários para o bem-estar das aves, ao nível do abeberamento, controlo da temperatura interior e alimentação, sendo autênticos atletas de alta competição.
Para trás ficou um minucioso estágio, até porque tiveram de ser privilegiados “pombos robustos, com uma asa muita bem ventilada e características de fundo”, num conjunto de derradeiras decisões que a família Barros teve de considerar durante a tarde desse dia.
“Como para qualquer circuito desta dimensão, selecionámos previamente 24 aves para serem tratadas e alimentadas separadamente da restante equipa. Ao mostrarem aquilo que querem e gostam ao longo dos anos, concluímos que esses pombos nos darão garantia para fazer uma boa prestação”, explicou à Lusa Fernando Barros, de 56 anos.
A sua residência em Penafiel comporta um pombal com quase 120 aves, algumas delas em acasalamento à parte, mas todas vacinadas duas vezes por ano, servindo de base para treinos diários e diluindo o risco de doenças com higienização de manhã e à tarde.
“Eu faço aos pombos o que não faço a mim. Somos um bocado veterinários, treinadores, psicólogos, um bocado de tudo. Fazemos treinos graduais ao longo da semana, mas nunca os meto a voar acima de 40 minutos. Valência é o ex-líbris das provas nacionais. Títulos? Venci velocidades, fundos e gerais, mas continua a faltar o meio-fundo”, contou.
O mentor do vício da columbofilia de Fernando Barros foi o seu filho, Marcos, com quem esteve a analisar os 24 exemplares prediletos para Valência, para prescindir de quatro e levar um máximo de 20, que ganharam nome próprio mal foram aduzidos à reprodução.
“São todos diferentes, mas cada um especial à sua maneira. Fomos trocando impressões durante a semana e temos as nossas convicções. Terça-feira à noite ou quarta de manhã já temos a equipa fechada. Na hora de encestar, normalmente somos surpreendidos pela positiva, mas podemos reparar em algo novo”, aludiu à Lusa Marcos Barros, de 30 anos.
Enquanto cada pombo saía do ninho para ser alocado em três caixas de transporte, pai e filho tiveram de fazer uma troca de última hora, sem deixarem de enviar apenas fêmeas nascidas entre 2016 e 2019, “mais adaptáveis às condicionantes” das provas de fundo.
“Escrevemos numa folha o número da anilha associada à pata de cada um e verificamos vários aspetos: se as asas estão bem ou mal, a cor e a densidade da pele por baixo, tentando perceber se estão num ponto físico bom, e a garganta e a língua ao nível do bico. A convocatória está feita e aproxima-se o dia de acender a velinha”, gracejou.
Fernando e Marcos Barros deslocaram-se ao final da tarde à Sociedade Columbófila de Paredes, uma das 83 coletividades da Associação Columbófila do Distrito do Porto, onde procederam ao registo informático das anilhas oficiais e do microchip de cada pombo.
“É um animal que transmite muita paz. Perante o stress diário, estes momentos acabam por ser de repouso, mas também de diversão. É esse misto de emoção que apaixona. Vamos aprendendo todos os dias a melhorar essa relação e os processos adotados. Eles é que nos ensinam”, sustentou Marcos, há uma quinzena de anos ligado à modalidade.
Esse registo atesta a fiabilidade dos resultados e precede a mudança das aves para largas caixas metálicas, nas quais têm acompanhamento permanente até saírem hoje, quando os columbófilos do país estarão de olhos no céu à espera dos seus ‘atletas’.
“Posso estar muito calmo, mas quando se aproxima a hora, e temos essa perceção, altero-me por completo. É ficar a olhar para o ar à espera que eles cheguem. É inexplicável e sempre expectante, porque não temos certezas”, admitiu Fernando, com prioridade durante o encestamento faseado, motivada pelas restrições da pandemia de covid-19.
Volvida a azáfama e o convívio nas coletividades, os pombos-correios entram em carrinhas com uma estrutura adaptada ao seu transporte e rumam depois a camiões TIR de semelhante disposição, acreditando numa atmosfera matinal repleta de visibilidade.
“Temos apoio meteorológico, cuja antevisão pode ser essencial, e o columbófilo soma a pontuação com a chegada dos dois primeiros pombos. É um desporto caro, consoante a dimensão que se quer atingir. Não cresce, mas tem estabilizado nos oito mil federados”, concluiu Almerindo Mota, ciente de que as asas também servem para ganhar medalhas.