A Voz do Algarve – A Feira Medieval de Silves foi organizada pela primeira vez em 1996 pela Escola Secundária de Silves. Como foi a evolução dessa primeira feira até aos dias de hoje?
Rosa Palma – Esta iniciativa surgiu fruto de um projeto entre professores que quiseram recriar uma época histórica muito importante para o nosso Concelho, entre o século VII e XII, quando fomos ocupados pelos árabes e houve um período de mudança. Essa ideia foi posteriormente acolhida pelo município, alargada, crescendo no seu todo, sempre com o objetivo de recriar a história de uma época. Hoje continua a sê-lo, havendo em cada um dos dias do evento uma recriação diferente. Este ano o tema é «Ibn Qasí, O Mestre Errante Que o Destino Venceu», que no século XII foi um dos grandes personagens da cidade e da região. Há sempre esse cuidado de procurar ligar o evento àquilo que temos como maior riqueza: a nossa história, as grandes figuras da cidade. Não faria sentido criar um evento destes sem essa ligação. Aliás, essa é a marca da nossa diferença, desde que a Feira Medieval começou: procuramos que ela seja reflexo da nossa identidade e possa, todos os anos, oferecer algo único e irrepetível a quem nos visita, pois “experimentar” a nossa história não é possível noutro local. Como sabe, temos um passado fortemente ligado à presença muçulmana e isso deve ser explorado e conhecido e promovido e é o que fazemos, também com este evento.
V.A. – A Feira Medieval de Silves é uma forma de dar a conhecer a cidade de Silves a quem a visita e a quem nela reside?
R.P. – Sim. Muitas vezes os nossos conterrâneos não têm bem a perceção daquilo que se viveu no passado. Quando damos estas matérias na escola é uma obrigação e, por isso, não estamos predispostos a perceber como isto é importante e tem uma certa relevância. Presenciar estas vivências e incorporar estas personagens dá uma perspetiva diferente àqueles que vivem essa realidade. Ao longo dos 10 dias, fazemos um cortejo pelas ruas e ao fazê-lo vamos dando a dinâmica da história desse dia. Vamos representar o que aconteceu à época, mas com um conteúdo histórico, através de um grupo de teatro que vai representar isso mesmo. Este ano, pretendemos ir mais além e estamos a avançar com um projeto que pretende agarrar em todas as reproduções que foram feitas anteriormente e proporcionar às pessoas essas vivências, não só durante a Feira Medieval, mas também noutras alturas. Estamos a trabalhar com os nossos técnicos nesse sentido. O nosso objetivo é que as pessoas que visitem o castelo possam vestir os trajes e viver uma história. O grupo de teatro trabalha as frases e as ações que devem ser desempenhas, o argumento, para depois transmitir isso às pessoas, em particular às gerações mais novas, que poderão vir com os seus professores. Apercebemo-nos de que havia muitos alunos, e até adultos, que não conheciam o castelo, por isso é necessário criar essa vontade nas pessoas, não só durante os 10 dias da Feira Medieval, mas também depois.
V.A. – Qual a envolvência dos jovens neste evento? As associações, escuteiros e clubes desportivos também participam de alguma forma?
R.P. – Sim, participam. Nós temos jovens voluntários cá da terra, que receberam formação para poderem colaborar connosco ao longo deste tempo e alguns deles já formaram, mesmo um grupo teatral, que colabora na animação, a “Milícia Al-Mutamid”. Os participantes na criação da imagem da feira são pessoas do concelho, gente que todos os anos vem à feira, tem uma ligação emocional com o evento e vive-o como uma coisa sua. O próprio fotógrafo, André Boto, é alguém que viveu e cresceu na cidade de Silves e, portanto, conhece o espaço, os monumentos, as pessoas e tem um olhar muito particular sobre a Feira Medieval, como tem sido possível ver nos últimos anos. A caracterização é garantida pela Anita Oliveira, que é uma profissional local de grande qualidade e que participa no evento. Quanto às coletividades, muitas colaboram, por exemplo, com a participação dos seus membros nos desfiles, na figuração, e todas elas têm um stand para vendas, a maioria para restauração, para o qual se candidataram. Esta é uma forma de as ajudar monetariamente, porque apesar de darmos subsídios a estas coletividades, estas têm que ter alguma autonomia. Para além disso, este acontecimento é aguardado pelos silvenses com expectativa, já que movimenta o tecido empresarial local, permitindo que o pequeno comércio e a restauração tenham uma dinâmica que dificilmente se consegue noutras ocasiões. Eu própria procuro estar sempre presente, trajando-me, participando nos momentos marcantes do programa, pois as pessoas esperam que a Presidente esteja com elas nestes dias e viva a feira como todos os silvenses! O que nos interessa é poder envolver as pessoas, fazê-las participar naquele que é efetivamente o maior evento da cidade e esse envolvimento apenas reforça aquilo que já disse: que queremos que a nossa identidade seja profunda e evidentemente vincada na forma como o evento decorre. É isso que faz desta feira uma feira diferente das demais!
V.A. – Em que aspetos a Feira Medieval de Silves difere de outros eventos da mesma natureza que acontecem na região?
R.P. – A Feira Medieval de Silves é um dos eventos âncora do nosso Município, um evento que nos permite simultaneamente abordar as questões ligadas à nossa história e património, fazendo a promoção turística do nosso território e promover ações de carácter cultural, que nos tornam um destino apelativo para diversos tipos de público. Ao mesmo tempo, a Feira permite que marquemos o panorama regional estival, época durante a qual todos os municípios procuram realizar eventos que possam atrair os visitantes que a região concentra. O que nos diferencia das outras feiras medievais é a valorização da nossa tradição/história islâmica, que é, ainda hoje, bem visível nas ruas de Silves. A Feira Medieval de Silves permite a quem nos visita vivenciar a nossa história.
V.A. – Qual o investimento e retorno proporcionado pela Feira Medieval de Silves?
R.P. – O retorno não é propriamente para a Câmara Municipal de Silves, mas sim para a cidade e para as coletividades que vêm de todo o concelho, desde da Serra até à zona litoral. Através da Feira Medieval, estas coletividades conseguem vir buscar receita, tal como os comerciantes locais. A Autarquia o que não pode ter é prejuízo, e, desde que o valor investido seja reposto, o que acontece, estamos bem.
V.A. – Têm vindo a surgir no Algarve outras feiras com características Medievais. Como encara esses novos eventos? Considera que podem desvirtuar o conceito e rigor Medieval que uma feira de maior dimensão tenta manter?
R.P. – Não acho mal que outros concelhos o façam. Sou da opinião de que aquilo que é bom deve ser copiado. No entanto, a tipologia e as características que nós temos são tão diferentes que, por mais que queiram retratar ou “imitar”, não conseguem. Refiro-me ao castelo, às ruas e toda a caracterização da cidade em si, que é única. Não era necessário que existisse uma feira medieval para que assim fosse. Quando se entra na cidade, sente-se isto, há qualquer coisa aqui, que nos faz sentir a história. Atualmente, somos uma das maiores feiras medievais a nível nacional.
V.A. – Para além do bilhete normal, existe também a possibilidade de adquirir o bilhete «experiências». Em que consiste este bilhete e que atividades extra proporciona aos visitantes?
R.P. – Com o bilhete «experiência», o visitante vive um serão como se fosse um dos nobres habitantes da cidade à época medieval: traja-se e faz um penteado a rigor, come no banquete real, onde se tenta reproduzir as comidas da altura e vê o Torneio e o espetáculo no castelo. Durante todo um serão é acompanhado pelos nossos técnicos e tem, ainda, direito a um local específico para estacionar. Este é um bilhete especial e deve ser adquirido com antecedência, através de marcação.
V.A. – O que terá de novo a edição deste ano?
R.P. – Este ano alargámos a área da feira, sendo que vamos incluir no recinto a praça Al-Mu'thamid. Também mudámos alguns stands e a dinâmica da própria feira. Vamos concentrar tudo num único local, que sabemos, à partida, que é visitável. Temos estado a evoluir de tal maneira em número de visitantes que as nossas ruas, cuja tipologia é muito estreita, tornam-se muito pequenas, o que nos preocupa. Mas, felizmente, temos tudo previsto e uma equipa fantástica em termos de Proteção Civil. Além disso, contamos com a colaboração da GNR, das nossas duas corporações de Bombeiros Voluntários e a Cruz Vermelha. Todos eles dão o seu contributo para a segurança das pessoas.
Por Nathalie Dias