por Diogo Duarte | Jurista, Licenciado em Direito e Mestrando em Direito Internacional | diogoduarte@campus.ul.pt

Se do óbvio não se falasse, teria o relatório da Cáritas, recentemente divulgado, a proeza de lançar publicamente um importante alerta acerca da realidade que os jovens atravessam perante o mercado de trabalho.

A precariedade e o desemprego jovem, são realidades evidentes e sobejamente conhecidas. Nada de novo até agora. O mesmo se diga em relação aos dados económicos e sociais que sustentam a conclusão de que a independência económica e financeira dos jovens é alcançada cada vez mais tarde.

Não obstante, a importância e oportunidade de atender ao relatório da Cáritas, não passa tanto pelas óbvias considerações que tece, mas sim, pelo substrato social e económico em que se fundamenta. O despoletar da crise financeira de 2008, o período do resgate financeiro da Troika, a recessão económica de 2012, e os cortes do financiamento público, tiveram – como não poderia deixar de ser – um impacto visível na sociedade, o qual se repercutiu, entre outras, nas gerações mais novas, nomeadamente nos jovens que agora iniciam a sua vida ativa.

Afigura-se claro que as opções políticas da última década teriam que ter, mais tarde ou mais cedo, o seu revés. O resgate da economia portuguesa, sacrificando determinados setores sociais não poderia passar incólume. Se por um lado, as medidas de «flexibilização laboral» – que raramente se traduzem numa outra expressão que não a precariedade – constituíram um benefício a favor dos agentes económicos, permitindo a subsistência de vários setores do mercado, por outro lado, tal sacrifício haveria de se repercutir nas classes de trabalhadores, em particular, nas mais jovens, lançadas, assim, para os estágios (curriculares e profissionais) e para os empregos precários, grande parte das vezes, maquilhados por recibos verdes.

Concordando-se ou não com a opção política à altura tomada, uma coisa era certa: perspetivando-se a macroeconomia como se observa o azeite e a água, isto é, como uma opção entre dois extremos, o custo social haveria necessariamente de ser transferido, ou para as empresas e setores de atividade, ou, em alternativa, para os trabalhadores e respetivos agregados familiares. Esta última opção, criticável sobre muitos outros pontos de vista, e que trouxe consigo o dogma político-religioso de que «os portugueses vivem acima das suas possibilidades», continuará a manifestar-se, relevando um tal impacto social, que somente nas próximas décadas, e no pressuposto de existir um clima económico favorável, poderão ser minorados. Até uma tal altura, as ações e opções passadas continuarão a ter, tal como na vida, as respetivas consequências.

Porém, seguindo o raciocínio anteriormente iniciado, a importância do relatório divulgado pela Cáritas está centrado num outro aspecto, este, talvez menos percetível de se compreender à primeira vista. É que as recomendações dirigidas ao Governo, relativas à promoção de melhores condições laborais, à adequação do nível salarial face às habilitações e cargos ocupados, ao combate dos falsos recibos verdes, das irregularidades e evasão fiscal dos contratos de trabalho, não são tão inócuas e óbvias como parecem. Pelo contrário, é precisamente porque se mudou o discurso, que agora se reconhece, que devem igualmente mudar os paradigmas. Assim, se por um lado, o Governo afirma a recuperação e a estabilidade económica e financeira de Portugal, por outro lado, tal realidade somente se pode aferir caso se rompam com as práticas do passado. E é sobre este pressuposto que reside a importância do relatório da Cáritas, e este é talvez o seu aspecto que, sendo menos óbvio, é de caras, o mais importante.

Significa isto, que o discurso deve ter um mínimo de correlação com a realidade, sob pena de se tornar meramente retórico. A estabilidade e o bom desempenho da economia portuguesa não coadunam com a subsistência em pleno vigor de medidas políticas adotadas sobre um clima de austeridade económica. Reconhece por isso a Cáritas, que a recuperação e estabilidade económica, devem trazer consigo um abandono das políticas de austeridade e precariedade do mercado de trabalho, tantas vezes repetidas no passado sobre o pretexto da «flexibilidade laboral», e que impuseram aos jovens um maior sacrifício. A mensagem é clara: não basta o reforço da economia e a recuperação financeira, não basta reduzir o emprego, não basta formar jovens, há igualmente que trazer todo este progresso para o plano laboral.

A austeridade não termina nas palavras do executivo, por mais bem-intencionadas que estas sejam. É necessário que a realidade sirva como a melhor prova de um discurso. O efetivo combate à precariedade laboral dos jovens, e à proliferação dos estágios e dos falsos recibos verdes, são medidas, que com toda a certeza trazem conteúdo à forma, isto é, estabelecem uma correlação entre o que se diz, e o que se faz. Como tal, não se pode deixar de elogiar o momento oportuno com que este relatório surgiu, pressionando o Governo a demonstrar a boa realidade daquilo que alega ser a melhoria económica de Portugal e a redução do desemprego.