Por Ricardo Proença Gonçalves

Quarteira hoje não é a mesma cidade de há 25 anos atrás, e ainda bem que assim é.

Porém, é essencial fazer uma reflexão sobre o que têm sido estes últimos 25 anos para a cidade, sobretudo ao nível do seu desenvolvimento económico e social. É importante perceber que alterações estruturais houveram na cidade, e questionar por exemplo, se o crescimento demográfico se deveu ao contexto económico global? Ou até mesmo se se deveu às políticas públicas locais implementadas?

Fazendo um “Raio-X” da cidade, os indicadores demográficos e socioeconómicos dos últimos Censos 2021 revelam números pouco animadores.

Desde logo, nas últimas eleições autárquicas de 2021, onde em Quarteira houve uma abstenção de 66%. É de facto um indicador que diz muito da falta de interesse generalizado nos seus 24.420 residentes, onde 8% deles têm idades entre os 18 e os 25 anos, 55% dos residentes têm idades entre os 26 e os 64 anos, e 20% dos residentes têm mais de 65 anos de idade.

Existem 15 idosos por cada 10 jovens, e 1 em cada 10 adultos completaram o ensino superior. Infelizmente, 15% da população está desempregada (de inverno este indicador deverá duplicar) e o rendimento médio líquido mensal por pessoa é de 941€, numa cidade onde média das rendas é de 600€.

Somos uma cidade com raízes piscatórias, mas que nem chega aos 2% o número de pessoas empregadas no sector da pesca, e em contraste 83% das pessoas empregadas, estão ligadas ao sector dos serviços, onde o turismo tem relação direta e indireta.

No ano de 2021, já tinha traçado de forma genérica aqui, quais poderiam ser na próxima década as políticas públicas que poderiam impactar a cidade e que assentavam em quatro eixos basilares: economia local robusta, estímulos sociais, cultura e inovação ambiental e tecnológica.

É uma reflexão que inevitavelmente se mantém atual, pois Quarteira continua a necessitar de diversificar a sua economia, não só para fortalecer a economia local já existente, como também para promover as condições necessárias para que a cidade possa ser atrativa para a criação de novos projetos na cidade, e aqui, o papel das entidades públicas locais com o investimento estrutural necessário é fulcral para a sua concretização a longo-prazo.

Um espaço físico, uma espécie de “Quarteira Innovation Hub”, onde o seu principal objetivo seria responder às necessidades de jovens empreendedores, e ajudá-los a criar novas dinâmicas, modelos de negócio inovadores e geradores de valor, networking, e claro está, atrair e reter capital humano de valor para a freguesia, que é algo extremamente necessário para revitalizar economicamente a cidade, no entanto, continua a ser adiado. Se queremos resultados diferentes, temos de fazer algo diferente.

Sobre a cultura, há muito que existe um anseio na população relativamente a esta área, que é a persistente ausência de um espaço comum, um centro cultural de partilha para que os diversos agentes culturais e criativos locais se possam afirmar.

Quarteira é de uma enorme diversidade cultural e por isso, mais do que projetar e potenciar condições estruturais, é importante definir objetivos estratégicos para se tirar o maior proveito possível do investimento futuro em estruturas culturais e educativas, no entanto, é apenas mais uma necessidade que continua também a ser adiada, apesar das promessas existentes.

Relativamente aos estímulos sociais, a execução da Estratégia Local de Habitação 2019-2030 para dar resposta à situação de carência habitacional, peca por tardia, no entanto, é positivo constatar que até 2030 haverá mais oferta no concelho.

Em Quarteira, uma coisa é certa: a construção de novos fogos habitacionais a custos controlados está ainda longe da primeira pedra.

A conceção de uma “Via Verde” Municipal para acelerar a morosa componente processual e administrativa, poderia assim agilizar a execução dos projetos habitacionais em curso.

No que respeita à inovação ambiental e tecnológica, a telegestão de perdas de água é na minha ótica uma estratégia que urge implementar nas zonas mais críticas da cidade, ou nas zonas já identificadas como passiveis de serem zonas com elevadas perdas de água da rede pública. O Algarve continua vulnerável a períodos prolongados de seca e vive uma situação grave de escassez de água, pelo que a utilização de meios tecnológicos e inovadores contribuem para mitigar a crise dos recursos hídricos.

Chegados aqui, se houve desenvolvimento na cidade e na vida das suas gentes, não se consegue apurar se, se deve às políticas publicas implementadas nas últimas décadas. É que em Quarteira, os problemas estruturais, por exemplo, de há dez anos atrás, continuam exatamente iguais nos dias de hoje.

Dizem que é o nosso fado. Mas o próximo ano pode ser uma oportunidade para um novo ciclo progressista, visto que aquele que temos tido até agora, não trouxe mudanças estruturais onde possamos dizer com convicção: estamos melhor.

Infelizmente, a realidade ganha sempre e Quarteira merece mais.


Ricardo Proença Gonçalves, licenciado em Gestão de Empresas e Pós-Graduado em Finanças e Gestão de Unidades de Saúde, pela Faculdade de Economia da Universidade do Algarve. Detém também um Executive Program em Controlo de Gestão e Avaliação de Performance pela Nova SBE. É membro da Assembleia de Freguesia de Quarteira.