por Diogo Duarte | Jurista, Licenciado em Direito e Mestrando em Direito Internacional | diogoduarte@campus.ul.pt

Nas últimas duas semanas muito foi dito e escrito sobre a Agência Portuguesa do Ambiente (APA) e sobre o seu papel na defesa do meio ambiente. Fortemente criticada pela inércia e passividade que a caracterizam face aos problemas ambientais, houve até quem falasse numa completa obsolescência desta entidade. Não discordando com grande parte das críticas que lhe são justamente apontadas, é necessário ter presente que a APA não atua com independência material. Pelo contrário, há um Governo e um Ministério em particular que a tutelam, e que nela fazem refletir a sua vontade política. Por isso, quando se diz que a APA não está, de facto, vocacionada para a defesa do ambiente, fala-se, em último reduto, da incapacidade do Estado, e do Governo em particular, para exercer uma tutela efetiva sobre as questões ambientais. Assim o foi quanto às fábricas de celulose, na problemática questão de poluição do Rio Tejo, assim o é, no problema relativo à prospeção de petróleo no Algarve.

Não surpreende por isso a decisão da APA em não sujeitar a prospeção de petróleo ao largo de Aljezur a uma avaliação de impacto ambiental. Embora o Governo de António Costa firmasse com a região do Algarve o compromisso de rescindir os contratos de prospeção e exploração de hidrocarbonetos, cedo se tornaram manifestas as suas verdadeiras intenções. Foi assim que, neste âmbito, logo em 2017, numa conferência em Washington, nos Estados Undos da América, a Ministra do Mar, Ana Paula Vitorino, anunciava o início da prospeção de petróleo ainda para aquele ano, não obstante do prazo de concessão ter terminado em dezembro de 2016. Por motivos vários, mas sobretudo pela contestação que esta questão mereceu, a prospeção não avançou em 2017, e os contratos de concessão, que tinham então fundamentos jurídicos para que fossem validamente rescindidos, foram prorrogados por despachado do Secretário de Estado da Energia, Jorge Seguro Sanches, datado de 8 de janeiro de 2018, tendo o mesmo, delgado, para a consulta pública a sujeição da prospeção de petróleo à realização de uma avaliação de impacto ambiental. O Algarve respondeu afirmativamente no sentido de ser realizada esta avaliação, mas o Ministro do Ambiente, João Matos Fernandes, a encoberto da APA, decidiu pela dispensa de avaliação de impacte ambiental, contrariando frontalmente o sentido da consulta pública realizada.

Como seria de esperar, esta série de decisões causam extrema estranheza e levantam um conjunto importante de questões que o Governo tem sido incapaz de responder. Em súmula, dir-se-ia que este é um só Governo, mas que apresenta dois discursos. Por um lado, é um Governo que, no mote «Palavra dada é palavra honrada», firma o compromisso de rescindir com os contratos de concessão que apelidou de «prejudiciais», mas que por outro, não só propagandeia a prospeção, como concede despachos de prorrogação perante os incumprimentos daqueles mesmo contratos e ainda os dispensa de uma avaliação de impacto ambiental. Por um lado, este é um Governo que no plano internacional, assume compromissos com a comunidade internacional no sentido de alcançar a neutralidade carbónica em 2050, mas que, internamente, avança no caminho exatamente oposto. Ainda por outro lado, este é um Governo que anuncia orgulhosamente ao Mundo que durante 4 dias o país viveu exclusivamente da energia gerada pelas fontes de produção energética renováveis, e que essa é a sua aposta, mas que, ainda assim, está do lado (para não dizer, refém) dos produtores de petróleo. Por um lado, este é também um Governo que apaixonadamente exibe o estandarte da descentralização, (re)afirmando a importância das autarquias e do envolvimento cívico, mas que na primeira oportunidade que é dada à região de se pronunciar sobre a realização de uma avaliação de impacto ambiental, cilindra a vontade das autarquias, empresas, associações, e cidadãos, decidindo em sentido contrário à pronuncia resultante da consulta pública. Por um fim, este é um Governo que atua junto das crianças e dos mais jovens, promovendo a consciencialização ambiental e a importância da defesa da floresta, mas que logo de seguida, afirma que a prospeção de petróleo é para avançar.

Ora, perante todas estas incongruências, não se afigura difícil, assumir que o Governo quer, de facto, que a prospeção de petróleo avance, ignorando por completo a vontade dos algarvios. Hoje sabe-se que os contratos de concessão de prospeção e de exploração de hidrocarbonetos carecem de qualquer racionalidade económica. Um estudo levado a cabo pelo economista Ricardo Paes Mamede, permitiu que se concluísse que, da forma como está redigido o contrato de concessão com o consórcio ENI/GALP, as eventuais receitas que o Estado venha a obter são ridiculamente irrisórias. O economista refere ainda que, para além do Estado não receber qualquer valor nos primeiros anos, visto que nos termos contratuais só é devido o pagamento ao Estado depois do consórcio recuperar o investimento realizado, prevê-se que em 30 anos de prospeção e exploração de petróleo, a receita que eventualmente venha a reverter para os cofres públicos representará 0,03% daquilo que é produzido pelo PIB português num só ano.

À falta de racionalidade económica da prospeção de petróleo, agravada pela possibilidade de um desastre ambiental destruir a economia da região, junta-se a falta de racionalidade ambiental. E daqui surge a questão que nem o Governo, nem os partidos de esquerda que o sustentam, responderam ainda: se económica e ambientalmente a prospeção e exploração de petróleo não se apresenta como vantajosa para o Estado, quais são os motivos que levam a que o Governo insista e persista no seu avanço ignorando a vontade dos algarvios e quebrando os compromissos que assumiu nacional e internacionalmente?