por Diogo Duarte | Jurista, Licenciado em Direito e Mestrando em Direito Internacional | diogoduarte@campus.ul.pt

Muito se disse e se escreveu acerca da exploração de hidrocarbonetos ao largo da costa de Aljezur, no Algarve. Este é um tema que periodicamente retoma os espaços noticiários e os textos de opinião. Não sendo esta uma exceção, pois inevitavelmente recuperamos o tema, afigura-se, contudo, oportuno recentrar esta problemática no domínio jurídico, tendo em conta a decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Loulé, vertida no Despacho emanado no dia 29 de junho de 2018, ao abrigo da qual se reconhece a inexistência de um interesse público, alegado pelo Governo.

Quando se fala em interesse público é preciso ter presente que tal poderá significar uma de duas coisas: um interesse público em sentido lato, correspondente a um interesse que, da perspetiva política, se julga ter carácter público; ou um interesse público em sentido estrito, que se identifica com o princípio existente na ordem jurídica portuguesa. A diferença entre ambos é que, enquanto no campo político, o interesse público (sentido lato) não carece de ser consubstanciado e serve um propósito necessariamente retórico, já o interesse público (sentido estrito), enquanto princípio jurídico, carece de fundamentação e concretização.

Neste sentido, não surpreende a decisão do TAF de Loulé que, com todo o mérito, reconhece a falta de substância do “interesse público” invocado pelo Governo, através dos Ministérios do Mar e da Economia.  Observe-se que o “interesse público” do campo político desvanece quando transposto para o plano jurídico, pois falta-lhe exatamente a substância, o conteúdo, e a concretização daqueles que são os imperativos do princípio jurídico do interesse público.

De modo geral, e sem decorar que os princípios jurídicos possuem um carácter juridicamente abstrato, poder-se-á afirmar que no plano jurídico o interesse público identifica-se com a existência de um interesse; interesse esse que à luz da ordem jurídica tem de estar identificado como sendo um interesse de carácter público, isto é, um interesse que vise a prossecução de uma finalidade que contribua para o bem-estar geral ou que salvaguarde algum outro direito ou interesse jurídico superior; um interesse que, além de possuir um carácter público, é juridicamente legítimo. Além destes requisitos, exige-se igualmente que sejam observados os princípios jurídicos da proporcionalidade e adequação, que quando reportados ao interesse público, garantem, em grosso modo, que a medida concretamente implementada para alcançar a finalidade identificada é a medida mais adequada, eficiente e a menos onerosa, e aquela que menos ónus impõe sobre os demais entes jurídicos (pessoas singulares e coletivas) e respetivos direitos e interesses.

Ora este é precisamente o crivo que impossibilita o avanço da exploração de petróleo no Algarve. Decomposto da forma que foi anteriormente apresentado, dir-se-á afirmar, sem qualquer reserva, que a prospeção de hidrocarbonetos poderá até consubstanciar um interesse que além de possuir um caracter público, afigura-se como legítimo, tendo em conta que é razoável afirmar que um país deve conhecer os recursos energéticos que estão disponíveis no seu território. Questão diversa é a exploração de hidrocarbonetos, onde a finalidade não sendo a de conhecer os recursos energéticos do país, mas sim, a de obter receitas através dos impostos, é necessário acautelar os demais interesses que influem nesta questão, e assim, reavaliar os termos em que o princípio do interesse público é invocado.

Percorrendo os elementos anteriormente enunciados, torna-se óbvio que, quanto à exploração de petróleo, dificilmente se poderá arguir, com sucesso, a existência de um qualquer interesse público, que não seja a revogação do contrato. Ora, em primeiro lugar, observe-se que, ainda que não haja uma necessária correspondência entre aquilo que é um interesse “público” e aquilo que seja aceite pela população, a exploração de petróleo é unanimemente rejeitada quer pelos cidadãos, quer pelas autárquicas, quer tecido empresarial, quer pelo núcleo associativo que representa e defende os interesses de conjuntos de cidadãos, fazendo com que o carácter alegadamente público deva ser revisto e ponderado. Além disso, é plenamente consabido que os contratos de concessão firmados com a ENI e a GALP não acrescentam qualquer benefício económico ao Estado que se possa rotular de significativo. Com taxas de 2%, 5% e 7% sobre os barris produzidos, e depois de deduzidas as despesas, os contratos de concessão são politicamente anedóticos, e juridicamente insuficientes para que se alegue a existência de qualquer interesse público.

Em segundo lugar, o mesmo se diga da legitimidade de tal interesse, que com o aval do Governo, em particular do Ministério do Ambiente, se tem esquivado da realização de um estudo de impacto ambiental, contrariando frontalmente o resultado da consulta pública realizada, e que esta sim, se reveste de carácter público. Mais, não basta alegar o cumprimento dos contratos para alegar a existência de um interesse público, quando pelo contrário, se ignora os interesses de toda uma região e de uma economia fortemente dependente do turismo e da sua sensibilidade para tais questões. Será por certo insensato querer-se alegar que o cumprimento de um contrato consubstancia um interesse jurídico superior aos interesses financeiros e ambientais de toda uma região, de milhares de cidadãos, centenas de empresas e de associações, e de dezenas de autarquias. Neste âmbito, o substrato jurídico do elemento referente à legitimidade, parece ainda menos plausível tendo em conta os compromissos internacionais e os tratados e acordos internacionais a que Portugal se vinculou, alguns dos quais, contêm obrigações jurídicas relativas ao incentivo e à adoção de medidas que contribuam para a neutralidade carbónica.

Assim, e por outras palavras, veio o TAF de Loulé dizer que as alegações políticas, ancoradas em chavões vazios de sentido, não têm no plano jurídico qualquer existência, substância ou materialidade.

Porém, se no plano jurídico dúvidas não existem quanto a este aspeto, o que dizer do plano político, onde o Governo de António Costa procura desesperadamente conceder a exploração de petróleo ao consórcio ENI/GALP, ainda que em sentido contrário à pronuncia dos cidadãos, dos empresários, dos autarcas e até dos tribunais? Pois bem, quer parecer que afinal até se pode alegar a existência de um interesse, mas que não será certamente público.