Por: Miguel Peres Santos – Mestre em Gestão Cultural pela Universidade do Algarve msantostavira@gmail.com | http://facebook.com/mapdsantos

O “Estado Novo” como regime político foi fruto de um processo longo, complexo e sinuoso, desde os primeiros tempos da Ditadura Militar à implantação das novas instituições saídas da Constituição da República Portuguesa de 1933. Sob as velhas bandeiras da direita conservadora: “Deus”, Pátria, “Família”, “Trabalho”, agora transformadas em dogmas do “Estado Novo”, é fácil de calcular que nem tudo seria simples e linear do discurso ideológico para a prática política.

À sombra da apologia oficial do ruralismo e do regionalismo, nascia um forte nacionalismo imperial que se fazia sentir através de uma imagem identitária nacional que visava sedimentar uma nova memória colectiva baseada numa leitura diferente da História e num patriotismo exacerbado. Não se pretendia invocar todo o percurso histórico da pátria, mas alguns períodos seleccionados, tendo-se desprezado as épocas de decadência. O nacionalismo fundou-se, sobretudo, na veneração dos feitos ancestrais dos heróis transformados em mitos e exigiu a definição do que era verdadeiramente português, eram estes factos a Reconquista, os Descobrimentos, entre outros.

A convicção ou a necessidade dos princípios orientadores do regime não chegavam para a assimilação dos valores culturais dos destinatários, como implicava a pedagogia de forma organizada e imperativa, sobretudo devido às características da população, na sua maioria parte analfabeta. Porque, politicamente, “o que parece é”, como diria o próprio Salazar, ou seja, politicamente “só existe o que se sabe que existe”, porque a aparência vale pela realidade, era indispensável encenar as grandes certezas e a sua tradução política, elogiar os benefícios da sua concretização, impor estas ideias no espírito de todos e de uma forma total no quotidiano, não o deixando ao livre-arbítrio de cada um, mas tornando-a propaganda do Estado, isto, é debaixo da designação de “Política do Espírito”.

Será com este propósito que António Oliveira Salazar cria o Secretariado da Propaganda Nacional (SPN), em Outubro de 1933, e como se pode verificar nas próprias palavras do então Chefe de Governo, este instituto teria grandes ambições:

“(…) Grandes missão tem por si o Secretariado ainda que lhe toque o que é nacional, por tudo o que é nacional há-de interessar. Elevar o espírito da gente portuguesa no conhecimento do que realmente é e vale, como grupo étnico, como meio cultural, como força de produção, como capacidade civilizadora, como unidade independente no concerto das nações (…)” (António Oliveira Salazar, 1967)

Para chefiar o SPN, o Chefe de Governo chama António Ferro, escritor e jornalista, que havia adquirido notoriedade com o seu livro sobre a viagem em torno das ditaduras europeias nos anos 20, tendo sido ele que convenceu Salazar de que o povo precisava de espectáculo, mostrando-lhe que tinha um programa e objectivos para a promoção do regime:

“(…) A Política do Espírito (…) não é apenas necessária, se bem que indispensável em tal aspecto ao prestígio exterior da Nação ela é também necessária ao seu prestígio interior, à sua razão de existir. Um povo que não vê, que não ouve, que não vibra, que não saiba a sua vida matinal de deve e haver, torna-se um povo inútil e mal humorado (…) A literatura e a arte são dois grandes órgãos que precisam de uma afinação constante, que contam nos seus tubos, a essência e a finalidade da criação (…) Mas que se faça uma Política do Espírito inteligente e constante. Consolidado a descoberta dando-lhe altura, significado e eternidade que não se olhe o espírito como uma fantasia, uma ideia vaga mas como uma ideia definida, concreta, uma pequena necessária, como uma arma indispensável para o nosso ressurgimento (…)” (António Ferro, 1932)

Para António Ferro a propaganda era muito mais do que um serviço de informação pública do Governo, era um investimento do regime na formação das almas a todos os níveis e abrangendo todas as artes. O SPN acabaria por se articular num enorme aparelho de propaganda, onde se inseriam a FNAT, o aparelho da educação nacional, a Legião Portuguesa e Mocidade Portuguesa, a OMEN (Obra das Mães pela Educação Nacional), o aparelho corporativo (sindicatos nacionais), as Casas do Povo, entre outras. Cada um destas entidades teria a sua propaganda sectorial e o seu espectáculo, num quotidiano enquadrado no espírito disciplinador do regime.

Era o grande espectáculo político-cultural como evocação do “Império” e dos seus heróis, a reconstrução da história de um país cujo Nacionalismo do Estado Novo permitiria restaurar, após o “século das trevas” do Liberalismo, era este o instrumento legitimador de todas as manifestações artístico-culturais. Podemos considerar a “Exposição do Mundo Português” e as comemorações do “Duplo Centenário”, realizadas em 1940, como o período áureo do regime e da sua propaganda. A II Guerra Mundial e o Pós-Guerra trouxeram consigo a primeira crise do Salazarismo e a adaptação aos novos tempos, e essa crise viria a reflectir-se no discurso ideológico e de propaganda e na reorganização do SPN, em 1944, quando o mesmo passa a denominar-se Secretariado Nacional de Informação, Cultura Popular e Turismo (SNI), estabelecendo-se como competência especifica a seguinte:

“(…) A orientação e estímulo, e a coordenação de todas as actividades que se destinem a elevar o nível moral e intelectual do povo português e a exaltar e valorizar a sua individualidade nacional (…)” (Diário do Governo, Decreto-Lei Nº 34134, de 24/11/1944).

Em 1949 dá-se a demissão de António Ferro do SPN/SNI e com ela o fim de uma época no domínio na política cultural e de propaganda do Estado Novo e dos seus ideais e da sua vontade triunfante, característico do regime nos anos 30 e do inicio dos anos 40.